JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Nair de Teffé Hermes da Fonseca nasceu em Petrópolis, RJ, em 10/6/1886. Pintora, cantora, atriz, pianista, primeira-dama e mais conhecida como a primeira cartunista mulher do mundo. Foi também a personalidade mais destacada da belle époque brasileira. Filha do Barão de Teffé (Antônio Luís von Hoonholtz) e de Maria Luísa Dodsworth. Uma legítima representante da aristocracia imperial brasileira. Com um ano de idade, mudou-se para a França, onde concluiu os primeiros estudos nas melhores escolas de Paris e Nice, incluindo um curso de pintura com Madame Lavrut. Era considerada uma menina prodígio, mimada pelo pai e pelos irmãos. Na França descobriu seu talento para o desenho e aos nove anos produziu a primeira caricatura, que lhe valeu 8 horas de castigo num quarto escuro. Desenhou o “retrato” da freira professora, de nariz comprido, Ao ser descoberta pela madre superiora, recebeu o castigo e um estímulo para seguir a profissão de caricaturista. Se recebeu tamanho castigo foi porque o desenho saiu muito bom.

Retornou ao Brasil em 1906 e inicia a carreira de caricaturista desenhando personalidades da alta sociedade carioca, as quais são expostas em conhecidas lojas do Rio de Janeiro: Casa David e Chapelaria Watson. Em julho de 1909 publicou seu primeiro trabalho (“A artista Rejane”) na revista “Fon-Fon”. No ano seguinte publicou na mesma revista “A Galeria de Elegâncias”, as famosas da época. Ainda em 1910 publicou a série “Galeria das Damas Aristocratas”, em cores, na revista “Careta”. Em seguida vieram as personalidades masculinas – “Galeria dos Smarts” – publicada na Gazeta de Notícias. Além destas, teve suas caricaturas publicadas nas revistas “O Binóculo”, “O Ken”, “O Malho” e no jornal “Gazeta de Petrópolis”. Tinha um traço ágil e sabia transmitir bem o caráter das pessoas.

Na França seus trabalhos apareceram nas revistas “Fantasie”, “Femina”, “Excelsior” e “Le Rire” . Em junho de 1912 realizou uma exposição individual no salão do “Jornal do Comércio”, onde reuniu duzentas caricaturas. A exposição foi inaugurada pelo Presidente da República, seu namorado e futuro marido, marechal Hermes da Fonseca. Ao casar-se, em dezembro de 1913, não pode mais conciliar as funções de caricaturista e primeira-dama. Foi militante feminista quando ainda nem se pensava nisso, com um comportamento avançado para a época. Lançou no Brasil a moda de calças compridas para mulheres, permitindo-lhe montar cavalo como os homens. Promovia saraus no Palácio do Catete (residência presidencial), que ficaram famosos por introduzir o violão nos salões da alta sociedade. Em sua paixão por música popular, reunia amigos para recitais de modinhas. Noutras ocasiões, frequentava o “Bar do Jeremias”, reduto de boêmios e intelectuais.

Era realmente uma primeira-dama diferenciada em todos os aspectos. É inexplicável o fato do cinema brasileiro não se interessar em fazer uma vídeo-biografia dessa mulher. Aliás, seu casamento em Petrópolis foi filmado e exibido em São Paulo, Curitiba e Rio Grande, mas encontra-se desaparecido. Num dos saraus, fez o lançamento do “maxixe” Corta Jaca, composto por sua amiga Chiquinha Gonzaga, no Palácio do Governo. O evento foi considerado um acinte, uma quebra de protocolo e causou um escândalo na sociedade carioca, ao ponto do senador Rui Barbosa proferir um discurso de protesto no Senado Federal, em 7/11/1914, pela promoção de músicas cujas origens estavam nas danças lascivas e vulgares da época. No mesmo ano, último de governo do marido, fez uma travessura por ocasião de uma reunião ministerial: desenhou na roda de seu vestido de gala as caricaturas de todos os Ministros da República.

Dois anos após o fim do mandato presidencial, mudou-se de novo para a França. Lá realizou algumas exposições, publicou charges no livro de crônicas de Otto Prazeres (Petrópolis, a encantadora), publicou na “Revista da Semana” 30 “cabeças” de ilustres brasileiros e fez algumas caricaturas para a revista “Fon-Fon”. Voltou para o Brasil por volta de 1921 e participou da Semana de Arte Moderna, em 1922. Após a morte do marido, em 1923, foi retomando a vida sem abrir mão de suas opiniões avançadas. No ano seguinte deu uma entrevista e aproveitou para protestar; e o fez lançando as bases do movimento feminista, que surgiria anos depois: “Por que permitir que os homens continuem a atrapalhar a vida econômica do sexo frágil… disputando-lhe os empregos e os cargos ao alcance de suas forças e capacidades?”

Decidiu voltar a morar em Petrópolis e foi eleita, em 1928, presidente da Academia de Ciências e Letras, que extinguiu em 1929 e fundou em seu lugar a Academia Petropolitana de Letras, a qual presidiu até 1932. Já era integrante da Academia Fluminense de Letras. Com o falecimento do pai, retornou ao Rio de Janeiro, em 1932, e com a herança recebida adquiriu um terreno, onde construiu o Cinema Rian (anagrama de Nair), na Avenida Atlântica. Pretendia incentivar a arte cinematográfica, mas teve dificuldades para administrar o empreendimento. Os problemas financeiros, inclusive com o “jogo-do-bicho”, que apreciava, levaram-na vender o cinema em 1946. Conta-se que o vício no jogo levou-a a perder, também, a ilha Francisca, em Angra dos Reis, uma herança deixada pelo marido.

Sua situação econômica foi se agravando, e com o pouco que restou, comprou uma casa em Niterói e passou a levar uma vida reclusa com os três filhos adotados. Em 1959 foi “redescoberta”, aos 73 anos, por Herman Lima, (autor da História da caricatura no Brasil), que incentivou-a a refazer alguns desenhos para incluir em seu livro. Em seguida voltou a fazer caricaturas de várias personalidades da vida política e por um breve período retomou a vida profissional, porém com alguns percalços. A pensão deixada pelo marido não dava para custear as despesas e em 1970 quase foi despejada de sua moradia. Neste ano, por decisão do presidente Médici, conseguiu um reajuste na pensão, fato que levou-a fazer elogios ao general-ditador. Fato, também, que gerou críticas dos intelectuais de esquerda, que não compreenderam sua situação econômica.

Em 1979 esteve em São Paulo, onde foi homenageada no II Salão de Humor e Quadrinhos, promovido pela Universidade Mackenzie. No início da década de 1980 a saúde deu sinais de alerta e no ano seguinte teve uma infecção pulmonar agravada por insuficiência cardíaca. Em 10/6/1981, no dia em que completou 95 anos, faleceu e foi sepultada junto ao marido. Em 1982 os cartunistas Jal e Gualberto, entre outros, criaram o “Centro Artístico Rian” com o objetivo de dar apoio legal, jurídico e operacional na luta pela valorização do artista gráfico. Sua atribulada vida foi contada na biografia realizada por Antonio Edmilson Martins Rodrigues: Nair de Teffé: vidas cruzadas, publicada pela editora da Fundação Getúlio Vargas, em 2002.

Um comentário em “AS BRASILEIRAS: Nair de Teffé

  1. Achei linda essa entrevista, a Liane Uchôa tão sensível para uma menina da idade. Encantada com essa entrevista. Que achado lindo descobri aqui.

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