JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Maria do Carmo Tavares de Miranda nasceu em Vitória de Santo Antão, PE, em 6/8/1926. Filósofa, pedagoga, teóloga e tradutora em 8 idiomas, incluindo o grego, latim, aramaico e hebraico. Era chamada por Gilberto Freyre, de quem foi assistente, de “filósofa de Paris”. Ocupou o cargo de professora livre docente em filosofia da educação da UFPE-Universidade Federal de Pernambuco por mais de 20 anos.

Sobre a conquista deste cargo vale lembrar que ela venceu o concurso para a Cátedra de História e Filosofia da Educação, em 1960, numa acirrada disputa com outro pretendente de peso: Paulo Freire. Ele com a tese “Educação e atualidade brasileira” e ela com a tese “Pedagogia no tempo e na história”. A disputa gerou polêmica e rendeu alguns artigos na imprensa local e revistas acadêmicas na época. Anos depois Paulo Freire disse que “perdi a cátedra e ganhei a vida”, pois sem a cátedra pode se dedicar mais ao seu método de alfabetização e ao MCP-Movimento de Cultura Popular, no Recife.

Teve sólida formação escolar na condição de filha do professor André Tavares de Miranda, que mantinha um educandário na cidade. Era irmã do conhecido colunista social Tavares de Miranda, da Academia Paulista de Letras. A formação acadêmica se deu com duas graduações (Letras Clássicas e Filosofia) na UFPE e dois títulos de doutora em Filosofia pela Universidade de Sorbonne, em Paris (1956), e pela Universidade de Friburgo, na Alemanha. Em 1966, junto com Gilberto Freyre, teve atuação destacada no Seminário de Tropicologia, mantido pela Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, e assumiu sua direção com o falecimento do sociólogo, em 1987. Neste cargo coordenou a publicação dos Anais do Seminário e organizou o curso Fundamentos da Tropicologia, em 1988.

Tropicologia, em resumo, vem a ser uma nova área de estudo englobando a sociologia, antropologia e ecologia surgida em princípios do século XX para combater a ideia de que o trópico é inabitável pela raça caucasiana. A crença era que as mais brilhantes civilizações floresciam principalmente nas zonas temperadas. A faixa intertropical, seguindo este raciocínio, era vista como o habitat de negros e bugres incultos. Tanto o trópico seco se mostrava hostil à civilização, como o trópico húmido se constituía num pesadelo com suas endemias. Nestes ambientes imperava a pobreza devido indolência inerente às raças inferiores, as únicas que conseguiam sobreviver em tais condições. Tratam-se de conceitos, ou melhor, de preconceitos enraizados na sociedade elitista. No Brasil, Gilberto Freyre foi um dos mais destacados estudiosos da Tropicologia.

Enquanto coordenadora do mestrado em Filosofia da UFPE, no período 1979-1982, implantou a Biblioteca do Curso e o Seminário de Pesquisa Filosófica. Recebeu forte influência do filósofo alemão Martin Heidegger, de quem foi aluna, assistente tradutora de sua obra “Da experiência do pensar”. Quando ele não podia ministrar suas aulas, era ela quem o substituía. Lembremos que na época ele contava com outra aluna brilhante: Hannah Arendt, Em 1977, publicou o livro Sobre o caminho do campo de Martin Heidegger, onde homenageia o mestre além de fazer uma apurada análise de sua obra. Em 1983 entrou para Academia Pernambucana de Letras e 3 anos depois aposentou-se como professora da UFPE, ocasião em que recebeu o título de professora emérita daquela universidade. A partir daí passou atuar como professora visitante e conferencista em universidades brasileiras e no exterior.

Atuou como membro titular de diversas instituições: Sociedade Interamericana de Filosofia, Associação Latino-Americana de Filósofos Católicos, Instituto Brasileiro de Filosofia, Sociedade Helênica de Estudos Filosóficos, Associação Goerres Gesellschaft para o Desenvolvimento Científico, Conselho Estadual de Cultura de Pernambuco, Instituto de Conhecimento Hebraico, Academia Brasileira de Filosofia e Academia Internacional de Filosofia da Arte, em Atenas. Tais participações não a afastaram de sua cidade natal, no interior de Pernambuco. Era membro do Instituto Histórico e Geográfico de Vitória de Santo Antão e deixou todos seus bens móveis (incluindo a biblioteca) e imóveis doados em testamento ao Instituto após seu falecimento em 20/12/2012.

Colaborou com diversas revistas nacionais e estrangeiras, com artigos sobre filosofia, educação e religião. Dentre os livros publicados, destacam-se: Educação no Brasil: esboço de estudo histórico (1960–2.ed. 1975-3.ed. 1978), Fé hoje? (1966), Os franciscanos e a formação do Brasil (1969-2.ed. 1976), O ser da matéria (1976), Conjugando memórias (1987), Caminhos do filosofar (1991), L’art, la science et la méthaphysique (1993), Aventura humana (1996), Papas: trajetória e testemunhos (2008).

5 pensou em “AS BRASILEIRAS: Maria Tavares de Miranda

  1. Parei no texto na seguinte frase ( mas voltarei a ler todo o texto ) Anos depois Paulo Freire disse que “perdi a cátedra e ganhei a vida”, pois sem a cátedra pode se dedicar mais ao seu método de alfabetização e ao MCP-Movimento de Cultura Popular, no Recife.

    Isso que é frase de mau perdedor , de alguém que não consegue reconhecer que quem o venceu tinha mais qualidades de que ele .
    Ele ganhou a vida e o Brasil perdeu a juventude

  2. Esborro-me de emoção ao ver a gente pernambucana se sobressaindo na História do Brasil.

    Só você para atualizar as nossos fatos contemporâneos, deixando à mostra o quanto fomos e ainda somos.

    Parabéns, amigão!

    Carlos Eduardo

  3. Olá Miriam,
    Como vai Sevilha? A segunda pátria de outro pernambucano ilustre: João Cabral de Melo Neto!
    Agradeço sua postagem de tão longe, mas perto de nós.

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