JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Francisca Julia César da Silva Münster nasceu em Eldorado, SP, em 31/8/1871. Professora, poeta, pianista, crítica literária e expoente do movimento “parnasianismo”, ao lado de Olavo Bilac, Raimundo Correa e Alberto de Oliveira, a “Trindade Parnasiana”. Ficou conhecida como “Poeta do Impassível”, valendo-se de uma linguagem e de figuras mitológicas e históricas. É também reconhecida como precursora da literatura infantil no Brasil, com o Livro da infância (1899), destinado às escolas públicas.

Ainda criança demonstrava habilidade com as letras. Aos 8 anos mudou-se com a família para São Paulo e aos 14 passou a escrever sonetos para os jornais O Estado de São Paulo, Correio Paulistano e Diário Popular. Tais publicações lhe abriram as portas para trabalhar nos periódicos “Álbum”, de Artur Azevedo e “A Semana”, de Valentim Magalhães, no Rio de Janeiro. Ninguém acreditou que aqueles versos fossem de uma mulher. O crítico João Ribeiro achou que fossem de Raimundo Correia usando pseudônimo. Mas quando soube de fato, empenhou-se na publicação de seu primeiro livro de poemas – Mármores -, em 1895. O livro foi elogiado pela crítica e ficou conhecida no métier literário.

Olavo Bilac apreciou a forma de seus versos e a linguagem remoçada “por um banho maravilhoso de novidade e frescura”. A consagração veio em seguida com seu rosto estampado nas capas de revistas. O próximo livro surgiu apenas em 1903: Esfinges, que veio a ser uma edição ampliada de Mármores, do qual excluiu 7 poemas e incluiu 20. Em 1904 foi integrada ao comitê central brasileiro da “Societá Internazionale Elleno-Latina”, de Roma. Por razões nunca esclarecidas, abandonou a vida pública em São Paulo e foi morar em Cabreúva, em 1906, onde sua mãe exercia o magistério e ela foi professora particular de piano para crianças. Ainda em Cabreúva foi membro da Academia Paulista de Letras, fundada em 1907 mas não vingou. Refundada em 1909, recusou o convite por não querer ingressar sem seu irmão Júlio César da Silva, também poeta prestigiado.

Em 1909 proferiu uma conferência no salão da Câmara Municipal de Itu: “A feitiçaria sob o ponto de vista científico’, revelando sua personalidade mística e interesse em temas espirituais. Neste ano casou-se com Philadelpho Edmundo Münster, tendo como padrinho o poeta Vicente de Carvalho. A partir daí, passou a viver mais isolada do público e dedicar-se mais aos estudos místicos e espirituais. Seu último livro – Alma infantil – saiu 1912, escrito em parceria com o irmão e dedicado às crianças, alcançou grande repercussão nas escolas públicas e grande parte da tiragem foi adquirida pelo Secretário do Interior, Altino Arantes.

Em 1916, seu marido contraiu uma tuberculose e ela mergulhou numa depressão profunda. As poucas poesias que ainda escreve refletem uma mulher que almeja a paz espiritual fora do plano terrestre. Numa entrevista à Correia Júnior, disse que sua “vida encurta-se hora a hora”. Mesmo assim, saíram algumas poesias na revista “A Cigarra” e prometia mais um livro chamado “Versos áureos”. Em 31/10/1920, o marido faleceu. Pouco depois do sepultamento, no dia de finados, ela foi repousar no quarto e ingeriu grande dose de narcóticos, vindo a falecer em 1/11/1920. O fato causou comoção no circuito literário de São Paulo, e foi homenageada com seu nome numa importante rua do bairro de Santana. No ano seguinte saiu uma 2ª edição ampliada do livro Esfinges.

No sepultamento no Cemitério do Araçá, estiveram presentes alguns dos próceres da Semana de Arte Moderna, que viria ocorrer em 1922: Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida, Martins Fontes, Paulo Setúbal e Ciro Costa, que discursou à beira do túmulo. Ali ficou decidido que iriam homenageá-la com um mausoléu.
Solicitaram ao então governador Washington Luís e o pedido de uma estátua foi encaminhado ao jovem escultor Victor Brecheret, que estudava em Paris e trabalhou 2 anos na escultura. 10 anos depois, a estátua chegou e em 1933, o senado paulista aprovou a implantação da enorme estátua “Musa Impassível” em seu túmulo. Na ocasião Menotti Del Picchia fez um discurso comovente: “A estátua que se ergue hoje… a Musa Impassível, é um mármore criado pelo cinzel triunfal de Victor Brecheret. Na augusta expressão dos seus olhos, do seu busto ereto, da suas mãos rítmicas, há toda a grandeza e a beleza daquela musa impassível da formidável parnasiana… O estatuário é bem digno da poetisa”.

O nome da estátua – esculpida em granito carrara com uns 3 metros de altura e pesando 3 toneladas – foi extraído de um de seus poemas mais famosos, publicado no livro Mármores. Em 2006, através de um acordo entre a Prefeitura e o Estado de São Paulo, essa estátua saiu do mundo dos mortos para entrar na vida da cidade: foi removida para a Pinacoteca de São Paulo. No centenário de seu falecimento, em 2/11/2020, a UFU-Universidade Federal de Uberlândia realizou um evento reunindo professores e pesquisadores com palestras e debates sobre a vida e obra da poeta. Na ocasião deu-se o lançamento do livro Versos áureos, com poemas selecionados, organizado pelo professor Carlos Augusto de Melo. Existem alguns artigos e textos avulsos, à disposição na Intenet, sobre sua trajetória de vida e obra. No entanto, estamos devendo ainda uma biografia mais completa sobre a “Musa Impassível”.

Clique aqui para assistir ao vídeo contendo homenagem ao centenário de morte da escritora Francisca Júlia da Silva

6 pensou em “AS BRASILEIRAS: Francisca Julia

  1. Caro colunista

    Muito grato por esta preciosa informação sobre a estátua “Musa Impassivel”, que tenho apreciado na Pinacoteca. Mas não lembro de ter visto alguma menção a Francisca Julia, sua inspiradora. Por que esse pessoal do Estado não informam direito a fonte de suas obras de arte?

  2. Caro Berto
    Fui ver o ibope da coluna, muito pouco, pois a poeta é desconhecida, mas me surpreendi ao ver que nosso colega Pedro Malta já publicou diversos poemas da ilustre poeta desconhecida até no bairro onde é homenageada. Sua coluna -A Hora da Poesia- com centenas de poetas e milhares de poesias é uma beleza! Mais surpreendido ainda fiquei ao ver que o cabra já publicou um bocado de poemas de outra ilustre poeta: Gilka Machado , a próxima integrante do nosso Memorial das Brasileiras.

    Grato ao Berto pela divulgação e ao Mestre Malta pela produção

  3. Mestre Brito,

    Acabei de me deliciar com as reminiscências de Francisca Julia, essa sampista da gema que nasceu com o do das palavras nas veias.

    Sempre tive admiração por mulheres que escrevem com o coração, e Francisca Julia era exceção.

    Talento, habilidade e sensibilidade eram seu forte para a arte da literatura e da música.

    Parnasiana por vocação. Vale um abraço nosso, amantes dessas deusas,

  4. Pois é Cícero

    Francisca Julia é uma de nossas poetas que mereceu uma estátua exposta na Pinacoteca de Estado -a Musa Impassível- que muitos apreciam (a estátua de Brecheret), mas poucos sabem quem foi. Acho até que ela é mais conhecia aí pelo nordeste do que aqui em SP, onde nasceu.
    Você e Pedro Malta que o diga

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