ARISTEU BEZERRA - CULTURA POPULAR

“Tenho uma dor de concha extraviada. Uma dor de pedaços que não voltam. Eu sou muitas pessoas destroçadas.”

“No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.”

“Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras – liberdade caça jeito.”

“Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia. “

“Gorjeio é mais bonito do que canto porque nele se inclui a sedução. É quando a pássara está namorada que ele gorjeia.”

“Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação.”

“No caminho, as crianças me ensinaram mais do que Sócrates. Pois minha imaginação não tem estrada. E eu não gosto mesmo de estrada. Gosto de desvio e de desver.”

“Agora eu penso uma garça branca de brejo ser mais linda que uma nave espacial. Peço desculpas por cometer essa verdade.”

“O tempo não morre, o tempo não nasce, então não devemos ter esse sentimento melancólico pelo tempo que passa.”

“Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há de ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.”

“Meditei sobre as borboletas. (…) Vi que elas podem pousar nas flores e nas pedras, sem magoar as próprias asas.”

“Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidade.”

“A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.”

“É por demais de grande a natureza de Deus. Eu queria fazer para mim uma naturezinha. particular. Tão pequena que coubesse na ponta do meu lápis.”

“Tentei descobrir na alma alguma coisa mais profunda do que não saber nada sobre as coisas profundas. Consegui não descobrir.”

“Fui criado no mato e aprendi a gostar das coisinhas do chão antes que das coisas celestiais.”

“A natureza é sábia e justa. O vento sacode as árvores, move os galhos, para que todas as folhas tenham seu momento de ver o sol.”

“No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal: Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro.”

“Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas – é de poesia que estão falando.”

“Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios do menino que fomos.”

“Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo.”

Manoel Wenceslau Leite de Barros (1916 – 2014) foi um poeta brasileiro do século XX, pertencente, cronologicamente à geração 45, porém formalmente ao pós-Modernismo brasileiro, localizando-se mais próximo das vanguardas europeias do início de século, da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia de Oswaldo de Andrade. O poeta mato-grossense Manoel de Barros buscava conjugar em sua obra elementos regionais com aflições existenciais e um surrealismo bastante particular. Sua formação era cosmopolita. Graduado em Direito e familiarizado com a modernas poesia francesa, chegou a viver no Rio de Janeiro, mas acabou se recolhendo a uma fazenda no pantanal.

13 pensou em “ALGUMAS DAS MELHORES FRASES DE MANOEL DE BARROS

    • Jorge C. Silva,

      Agradeço ao seu gentil comentário. O meu artigo é um tributo ao grande poeta mato-grossense Manoel de Barros. Nascido em Cuiabá em 1916, Manoel de Barros estreou em 1937 com o livro “Poemas Concebidos sem Pecado”. Sua obra mais conhecida é o “Livro sobre Nada”, publicado em 1996.
      Cronologicamente vinculado à Geração de 45, mas formalmente ao Modernismo brasileiro, Manoel de Barros criou um universo próprio — subvertendo a sintaxe e criando construções que não respeitam as normas da língua padrão —, marcado, sobretudo, por neologismos e sinestesias, sendo, inclusive, comparado a Guimarães Rosa.
      Compartilho um poema de Manoel de Barros com o prezado amigo:

      OS DELIMITES DA PALAVRA

      Ando muito completo de vazios.
      Meu órgão de morrer me predomina.
      Estou sem eternidades.
      Não posso mais saber quando amanheço ontem.
      Está rengo de mim o amanhecer.
      Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
      Atrás do ocaso fervem os insetos.
      Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu
      destino.
      Essas coisas me mudam para cisco.
      A minha independência tem algemas

      Saudações fraternas,

      Aristeu

    • Xico Bezerra,

      É gratificante saber que Manoel de Barros inspira suas belas canções e a prosa sintética e plena. O escritor mais famoso de Itabira, a 100 quilômetros de Belo Horizonte, Carlos Drummond de Andrade, disse certa vez que não era o maior poeta brasileiro vivo. Havia Manoel Wenceslau Leite de Barros. Ou melhor, Manoel de Barros, autor de linhas e rimas cheias de profundidade sobre simplicidades do dia a dia, as sutilezas das coisas “desimportantes”. Do “apogeu do chão e do pequeno”.
      Aproveito esse espaço democrático do Jornal da Besta Fubana para compartilhar um poema do genial do criativo poeta Manoel de Barros com o caro colunista:

      TRATADO GERAL DAS GRANDEZAS DO ÍNFIMO

      A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
      Meu fado é o de não saber quase tudo.
      Sobre o nada eu tenho profundidades.
      Não tenho conexões com a realidade.
      Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
      Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
      Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
      Fiquei emocionado.
      Sou fraco para elogios.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  1. Há muito tempo não tinha a alegria de ver uma citação, um poema e uma prosa desse do poeta mato-grossense Manoel de Barros. Parabéns, pela homenagem justíssima feita nessa gazeta que que informa e diverte. Manoel de Barros dizia que as palavras é que se apaixonavam por ele e era o encontro com outras palavras que resultava num poema. Vale a pena dizer que o poeta mato-grossense não falava de inspiração, mas de palavras que despertavam nele o fazer poesia.

  2. Vitorino,

    É gratificante receber um comentário com observações importantes sobre esse grande poeta. Fiz anotações sobre as palavras se apaixonarem pelo poeta e não existir inspiração.
    Acrescento que Manoel de Barros tinha a capacidade de se deslumbrar com os detalhes da existência e o hábito de colecionar inutilezas e silêncios são algumas das características, delicadas e fortes, que brilhavam tanto na figura do poeta quanto nas suas criações.
    Compartilho um dos poemas mais significativos da obra de Manoel de Barros com o prezado leitor fubânico:

    RETRATO DO ARTISTA QUANDO COISA

    A maior riqueza
    do homem
    é sua incompletude.
    Nesse ponto
    sou abastado.
    Palavras que me aceitam
    como sou
    — eu não aceito.
    Não aguento ser apenas
    um sujeito que abre
    portas, que puxa
    válvulas, que olha o
    relógio, que compra pão
    às 6 da tarde, que vai
    lá fora, que aponta lápis,
    que vê a uva etc. etc.
    Perdoai. Mas eu
    preciso ser Outros.
    Eu penso
    renovar o homem
    usando borboletas.

    Saudações fraternas,

    Aristeu

  3. Aristeu,
    Parabéns pela preciosidade de tua coluna, aqui no JBF!
    Pérolas preciosas da nossa história que enriquece nossa cultura!
    “Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo.
    Isso é sabedoria,isso é viver contemplando o belo.
    Saudações.
    Carmen.

    • Carmen,

      Muito obrigado por seu valioso comentário. Uma característica marcante da poesia de Manoel de Barros é o uso de vocabulário coloquial-rural e, também, de uma sintaxe que homenageia a oralidade, ampliando as possibilidades expressivas e comunicativas do léxico por meio da formação de palavras novas (neologismos). Assim, pelo uso que o poeta faz da língua escrita, retomando e desenvolvendo o legado da cultura oral em todos os seus planos expressivos, seu trabalho tem sido muitas vezes comparado ao de Guimarães Rosa, muitos referindo-se ao poeta como “Guimarães Rosa da poesia”,
      Compartilho um poema do genial Manoel de Barros com a prezada leitora fubânica:

      O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA

      Tenho um livro sobre águas e meninos.
      Gostei mais de um menino
      que carregava água na peneira.

      A mãe disse que carregar água na peneira
      era o mesmo que roubar um vento e
      sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

      A mãe disse que era o mesmo
      que catar espinhos na água.
      O mesmo que criar peixes no bolso.

      O menino era ligado em despropósitos.
      Quis montar os alicerces
      de uma casa sobre orvalhos.

      A mãe reparou que o menino
      gostava mais do vazio, do que do cheio.
      Falava que vazios são maiores e até infinitos.

      Com o tempo aquele menino
      que era cismado e esquisito,
      porque gostava de carregar água na peneira.

      Com o tempo descobriu que
      escrever seria o mesmo
      que carregar água na peneira.

      No escrever o menino viu
      que era capaz de ser noviça,
      monge ou mendigo ao mesmo tempo.

      O menino aprendeu a usar as palavras.
      Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
      E começou a fazer peraltagens.

      Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
      O menino fazia prodígios.
      Até fez uma pedra dar flor.

      A mãe reparava o menino com ternura.
      A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
      Você vai carregar água na peneira a vida toda.

      Você vai encher os vazios
      com as suas peraltagens,
      e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  4. Certa vez escrevi pequena crônica, dessas que lanço no JBF toda segunda, mas não sei se esta foi.Se não foi, vai agora. Tudo a ver com o Poeta Manoel:
    A SIGNIFICÂNCIA DE SER IMBECIL
    Sou muito sensível a elogios. Adoro quando me chamam de imbecil. Tanto quanto Manoel de Barros. A diferença é que não tenho o talento dele. Mas quando comentam as insignificâncias que escrevo, principalmente quando delas discordam, me acho realizado. É indicativo de que alguém leu e o que está lá escrito despertou o interesse de pelo menos uma pessoa, ainda que pensando diferente de mim. É o poder da palavra, guardada nos cofres da Poesia. É o nada e o tudo juntos com a magia do encantamento e o poder da sedução. Que seria de nós sem os JoõesCabrais, os Quintanas, os Vinícius e os Manoéis, os Barros e os Bandeiras? Adoro elogios.

    • Xico Bezerra,

      Acredito que o elogio pode significar uma discordância desde que feito de uma maneira educada, entretanto há pessoas que só procuram ver o defeito do outro. Ficam eufóricas se encontrar um deslize, ou seja, devem sentir uma sensação de vingança pelo fato do talento do outro incomodar a quem vive na zona de conforto de não produzir tanto quanto o seu gratuito ‘desafeto’.
      Parabéns pela sua excelente crônica que ratifica o ditado popular:”Ninguém atira pedras em árvore seca, que não dá frutos” .

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  5. Parabéns pela excelente postagem, prezado Aristeu Bezerra! Estou encantada com a sua coletânea de frases do poeta mato-grossense Manoel de Barros. (1916 – 2014) . As frase são todas maravilhosas. Destaco::

    . “Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas – é de poesia que estão falando.”

    “Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios do menino que fomos.”

    Um abraço e uma ótima semana!

    Violante Pimentel Natal (RN)

    • Violante,

      Muito obrigado por suas generosas palavras que me incentivam sempre. Faço uma brevíssima observação sobre o genial poeta mato-grossense Manoel de Barros. Nascido no Mato Grosso no dia 19 de dezembro de 1916, Manoel Wenceslau de Leite Barros foi um dos maiores nomes da poesia contemporânea brasileira. Autor de mais de vinte livros, se consagrou no país entre as décadas de 80 e 90, quando foi descoberto por Millôr Fernandes.
      Aproveito esse espaço democrático do Jornal da Besta Fubana para compartilhar um poema de Manoel de Barros com a prezada amiga:

      O FAZEDOR DE AMANHECER

      Sou leso em tratagens com máquina.
      Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
      Em toda a minha vida só engenhei
      3 máquinas
      Como sejam:
      Uma pequena manivela para pegar no sono.
      Um fazedor de amanhecer
      para usamentos de poetas
      E um platinado de mandioca para o
      fordeco de meu irmão.
      Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
      automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
      Fui aclamado de idiota pela maioria
      das autoridades na entrega do prêmio.
      Pelo que fiquei um tanto soberbo.
      E a glória entronizou-se para sempre
      em minha existência.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

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