ARISTEU BEZERRA - CULTURA POPULAR

“A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos.”

“Quando meus olhos estão sujos da civilização, cresce por dentro deles um desejo de árvores e aves.”

“Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Sou meio dementado e enxada às costas caçar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.”

“No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.”

“Afundo um pouco o rio com meus sapatos. Desperto um som de raízes com isso. A altura do som é quase azul.”

“Sou mais a palavra ao ponto de entulho. Amo arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las pro chão, corrompê-las, – até que padeçam de mim e me sujem de branco.”

“Você vai encher o dia com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos.”

“Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho
1 abridor de amanhecer
1 prego que farfalha
1 encolhedor de rios
1 esticador de horizontes.”

“Povo, criança, bêbados, psicóticos e primitivos renovam as linguagens. Inventam as maneiras de falar, criam fora dos livros.”

“Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras – liberdade caça desse jeito.”

“Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.”

“Meditei sobre as borboletas. (…) Vi que elas podem pisar nas flores e nas pedras, sem magoar as próprias asas.”

“[É preciso] desinventar os objetos. O pente, por exemplo. É preciso dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de uma begônia. Ou uma gravanha. Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.”

“Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve como poesia.”

“Estou feliz e dediquei um tempo dessa esquizofrenia a escrever. Sei que alguns vão reprovar este texto e serei chamado, carinhosamente, de imbecil. Uma pena. Fico emocionado e choro. Sou fraco para elogios.”

“Sei que fazer o inconexo aclara as loucuras. Sou formado em desencontros. A sensatez me absurda. Os delírios verbais me terapeutam”…”

“Penso que têm nostalgia de mar estas garças pantaneiras. São viúvas de Xaraés? Alguma coisa em azul e profundidade lhes foi arrancada. Há uma sombra de dor em seus voos. Assim, quando vão de regresso aos seus ninhos, enchem de entardecer os campos e os homens.”

“Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Meu quintal é maior do que o mundo. Tenho em mim um atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo.”

“A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitem como sou – eu não aceito. Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas.”

“Poderoso pra mim não é aquele que descobre OURO. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).”

“… E aquele que não morou nunca em seus próprios abismos nem andou em promiscuidade com seus fantasmas não foi marcado. Não será marcado. Nunca será exposto às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema.”

Manoel Wenceslau Leite de Barros (1916-2014) foi um poeta brasileiro do século XX, pertencente, cronologicamente à geração 45, porém formalmente ao pós-Modernismo brasileiro, localizando-se mais próximo das vanguardas europeias do início de século, da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia de Oswaldo de Andrade. O poeta mato-grossense Manoel de Barros buscava conjugar em sua obra elementos regionais com aflições existenciais e um surrealismo bastante particular. Sua formação era cosmopolita. Graduado em Direito e familiarizado com a modernas poesia francesa, chegou a viver no Rio de Janeiro, mas acabou se recolhendo a uma fazenda no pantanal.

9 pensou em “ALGUMAS DAS MELHORES FRASES DE MANOEL DE BARROS

  1. A seleção de frases de Manoel de Barros demonstra toda sabedoria de um poeta espontâneo, um tanto primitivo, que extraía seus versos da realidade imediata que o cercava, sobretudo a natureza. Se eu fosse escolher uma frase; teria muita dificuldade, mas a preferida seria a seguinte: “Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.”

    • Vitorino,

      Você descreveu o poeta Manoel de Barros com sabedoria. Ele buscava conjugar em sua obra elementos regionais com aflições existenciais e metáforas com um surrealismo próprio. Aproveito a ocasião para compartilhar três frases de Manoel de Barros com o prezado amigo;

      1) “Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei.”

      2) “Fui criado no mato e aprendi a gostar das
      coisinhas do chão –
      Antes que das coisas celestiais.”

      3) “E agora o que fazer com essa manhã desabrochada a pássaros?”

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  2. Aristeu,
    Gratidão pelas perolas de Manuel de Barros com que você nos presenteia no dia de hoje.
    Que a semana seja leve:
    “Meditei sobre as borboletas. (…) Vi que elas podem pisar nas flores e nas pedras, sem magoar as próprias asas.
    Acrescento:
    Porque com sua leveza jamais deixaria marcas profundas onde quer que pousasse. Somente a marca de tanta beleza.
    Fraterno abraço!
    Carmen.

    • Carmen,

      Grato por seu comentário com uma reflexão interessante e criativa sobre uma frase do genial Manoel de Barros. Com uma linguagem simples, coloquial, vanguardista e poética, Manoel de Barros escreveu sobre temas como o cotidiano e a natureza.
      Muitos de seus poemas receberam um toque caracterizado pela expressão do pensamento de maneira espontânea e automática, regrada apenas pelos impulsos do subconsciente, desprezando a lógica e renegando os padrões estabelecidos de ordem moral e social. Compartilho três frases de Manoel de Barros com a prezada amiga:

      1) “Pois minha imaginação não tem estrada. E eu não gosto mesmo da estrada. Gosto do desvio e do desver.”

      2) “Eu precisava de ficar pregado nas coisas vegetalmente e achar o que não procurava.”

      3) “Cristo foi um dos grandes poetas do mundo – tanto que já passaram 20 séculos por cima de suas palavras e elas são vivas e reviçadas todos os dias.”

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  3. Parabéns pela excelente postagem, prezado Aristeu Bezerra! As frases do saudoso poeta brasileiro Manoel de Barros, selecionadas por você, são inteligentes e profundas. Um verdadeiro presente para os seus leitores.

    Destaco:

    “Meditei sobre as borboletas. Vi que elas podem pisar nas flores e nas pedras, sem magoar as próprias asas.”

    Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve como poesia.”

    Uma ótima semana, com muita saúde e Paz!

    Violante Pimentel

    Natal (RN)

  4. Escreveu Manoel no texto de Aristeu: Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos.
    Escreveu Quintana: Eu passarinho.
    Escreve Sancho: É por demais prazeroso VOAR passarinhamente pelos escritos de três gênios: Arisnosso, Quintana e Manoel.

    Eles, os JORNALÕES, que atravancam o caminho do JBF passarão. Revoada de passarinhos fubânicos na redação do Jornal da Besta Fubana, passarinheiros de todas as cores, cantos e recantos. para o alto e avante, que nosso destino é o topo do jornalismo mundial. O resto é conversa fiada e mimimi.

    • Sancho Pança,

      Grato por sua generosidade. Os seus textos são criativos. bem escritos e bem-humorados. Gosto de poesia e, quando sinto uma inspiração, cometo alguns versos. Certa vez, fiquei observando uma teia de aranha, então impressionado com a beleza da natureza elaborei este poema:

      UMA TEIA DE ARANHA

      Nunca vi tanta beleza
      Obra de arquitetura
      Seu autor tem fartura
      Mestre da delicadeza
      Arquiteto de grandeza
      Uma teia é harmonia
      Nem Niemeyer fazia
      Fiz foto com o coração
      Durante contemplação
      Eu registrei a poesia.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  5. Violante,

    É gratificante receber seu excelente comentário. Pelas frases escolhidas nota-se a sua sensibilidade poética. Muitas das suas crônicas vejo nas entrelinhas poesia e me inspira a cometer alguns versos.
    Manoel de Barros, apesar de não ser um autor muito conhecido, é considerado um dos maiores poetas brasileiros, o qual foi agraciado com diversos prêmios literários. Destaca-se o “Prêmio Jabuti” que recebeu duas vezes com as obras: O guardador de águas (1989) e O fazedor de amanhecer (2002).
    Aproveito a oportunidade para compartilhar um poema desse inspiradíssimo poeta com a prezada amiga:

    O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS

    Uso a palavra para compor meus silêncios.
    Não gosto das palavras
    fatigadas de informar.
    Dou mais respeito
    às que vivem de barriga no chão
    tipo água pedra sapo.
    Entendo bem o sotaque das águas
    Dou respeito às coisas desimportantes
    e aos seres desimportantes.
    Prezo insetos mais que aviões.
    Prezo a velocidade
    das tartarugas mais que a dos mísseis.
    Tenho em mim um atraso de nascença.
    Eu fui aparelhado
    para gostar de passarinhos.
    Tenho abundância de ser feliz por isso.
    Meu quintal é maior do que o mundo.
    Sou um apanhador de desperdícios:
    Amo os restos
    como as boas moscas.
    Queria que a minha voz tivesse um formato
    de canto.
    Porque eu não sou da informática:
    eu sou da invencionática.
    Só uso a palavra para compor meus silêncios.

    Saudações fraternas,

    Aristeu

  6. Lindíssimo poema, prezado Aristeu! Muito justa a premiação desse grande poeta brasileiro, por diversas vezes! Obrigada pelo compartilhamento. do belo poema , “O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS”!
    Gostei imensamente!

    Grande abraço!

    Violante

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