MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Meu último pitaco foi sobre esta fantasia do mundo moderna chamada “os direitos”. Talvez tenha sido delicado demais e enfático de menos. A verdade é que “direitos” não existem. Alguém que declara ter direito a receber tratamento de saúde de graça, ou cursar faculdade de graça, ou ganhar uma casa de graça é como uma zebra declarando que tem direito de não virar comida de leão: não significa nada, a não ser que alguém “acredite” neste direito e empregue a força necessária para transformá-lo em realidade.

Supondo que haja gente suficiente que ache as zebras bonitinhas e merecedoras deste “direito”, há dois caminhos: acabar com os leões ou alimentá-los com carne de outros animais, como vacas, e fugir do assunto caso alguém pergunte sobre os direitos dos leões, no primeiro caso, ou das vacas, no segundo.

Nas relações humanas, o direito de alguém a ter alguma coisa também tem dois caminhos: tomar de quem tem ou dividir a conta entre um monte de gente. De qualquer forma, é preciso mudar de assunto caso alguém pergunte sobre o direito dos outros, os que pagam a conta.

Um colega colunista aqui do JBF comentou o seguinte em uma postagem:

“Só pergunto uma coisa: se a Previdência poupará um tri, esse tri deve sair dos direitos de alguém.

Será dos nossos filhos e netos? Ou de nós mesmos?

São perguntas profundas que não merecem respostas rasas.”

Qual é exatamente o direito em questão aqui? O direito de ganhar dinheiro todo mês sem trabalhar, conhecido por aposentadoria. Mas de onde vem este dinheiro? Dos outros, naturalmente. É considerado uma coisa tão óbvia quanto o sol e a chuva, porque o governo, este ser maravilhoso, nos disse que é um direito. Nós, humanos, não temos o costume de questionar muito quando ganhamos algo; preferimos acreditar, e mais que isso, tornar-nos ardorosos defensores deste processo que finge nos dar algo de graça.

É bem verdade que existem ensinamentos nos alertando sobre esta fantasia: O livro do Gênesis, 3:19, diz “Comerás o teu pão com o suor de teu rosto, até que tornes à terra”. Não diz “Comerás o teu pão com o suor de teu rosto até os 65 anos de idade ou 35 de contribuição, e daí em diante teu pão será de graça”, ou coisa parecida. Mas por que dar ouvidos a coisas assim, se é tão mais agradável acreditar que o governo pode fazer surgir coisas do nada, e dar estas coisas para nós?

A resposta à pergunta “se a Previdência poupará um tri, esse tri deve sair dos direitos de alguém” é simplesmente “se a Previdência poupará um tri, esse tri ficará com alguém”. A previdência é apenas um jogo do qual todos participam, querendo ou não, e onde todos tentam acreditar que estão levando vantagem quando o governo tira dinheiro de todos e dá uma parte a alguns. O dinheiro da previdência, e de todos os outros impostos, é o nosso dinheiro, o único que existe. Não é dos argentinos nem dos russos nem dos marcianos.

Na verdade, o governo erra na frase: a reforma da previdência, não vai “economizar um trilhão”. O certo seria dizer “vai reduzir o déficit em um trilhão”. Economizar é guardar o que se tem ao invés de gastar. A previdência nem tem nem vai guardar: vai apenas mudar as regras de distribuição para manter o sistema dentro de limites toleráveis.

Uma parte do que o governo nos tira todo mês tem o nome de “impostos”. Outra parte tem o nome de “contribuição para a previdência”. No fundo é a mesma coisa. Acontece que aquilo que todos pagam sob o nome de “previdência” não cobre aquilo que o governo distribui sob o mesmo nome.

Segundo nossas leis, que fingem acreditar em “direitos”, este dinheiro que falta tem que sair dos impostos, e aí falta para o governo gastar em outras coisas. Para manter as regras atuais, o governo precisaria receber mais (também conhecido como “aumentar impostos”) ou tomar emprestado pagando juros (e nós pagamos do mesmo jeito).

Então, em resumo, o que temos aqui é um monte de retórica para aperfeiçoar a fantasia que todos gostamos tanto de acalentar: a fantasia de que o governo nos dá coisas, porque temos direito.

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