MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Na semana passada eu falei sobre as privatizações brasileiras e o seu problema mais comum: a empresa é vendida mas continua sendo controlada pelo governo, funcionando em um mercado sem concorrência e regulamentado por normas e portarias estatais.

Quando se fala em privatizações, o assunto do momento é a Petrobras, e a coisa fica mais complicada ainda, porque ao contrário de outras estatais como Vale e Eletrobras, que não vendem diretamente ao consumidor, a Petrobras é lembrada pelo brasileiro cada vez que ele passa no posto para abastecer o carro.

Por causa disso, entra governo, sai governo, a história é sempre a mesma: quando as coisas estão bem, deputados, senadores e ministros viajam pelo mundo convidando os investidores a trazer seu dinheiro para cá, garantindo que somos um país sério, com estabilidade, respeito à propriedade privada, segurança jurídica, tudo que está nos manuais de marketing. Quando a coisa piora, como agora, os mesmos políticos correm para dizer que a Petrobras tem que cumprir sua “função social” e que se a empresa levar prejuízo, azar dos investidores. Muitos eleitores pensam o mesmo, e correm para as redes sociais para defender essa idéia. A primeira consequência é que a empresa fica desgovernada, porque não é administrada nem como empresa pública nem como empresa privada; junta todas as desvantagens de ambos os lados e nenhuma das vantagens.

Outra consequência é que, a despeito das profundas esperanças, a Petrobras se torna “imprivatizável”. Ela até pode vir a ser vendida, mas isso não vai resolver problema nenhum.

É importante lembrar que a Petrobras atua em duas áreas bem diferentes: extração e refino. A extração é uma atividade de alto risco e altíssimo investimento, e por isso mesmo de alto lucro. É essa área que traz o lucro que foi chamado de “obsceno” pelo presidente. Se essa área for vendida (e seria uma venda extremamente complexa, tecnicamente e politicamente) isso só acontecerá com a garantia de respeito aos preços de mercado. O sonho dos políticos é o oposto: uma empresa de exploração de petróleo operando com preços e margens de lucro tabelados pelo governo. Isso exigiria não apenas NÃO privatizar a Petrobras, mas romper as inúmeras parcerias com empresas privadas hoje existentes e fechar o capital hoje negociado em bolsa. Mas sem parceiros, sem investidores e com lucros tabelados, quais as chances dessa suposta Petrobras “social” permanecer capitalizada e viável? Poucas, muito poucas.

A outra atividade, o refino, é de certa forma o inverso: é uma área de baixo risco, forte competição internacional e portanto baixa lucratividade. Privatizar essa área não vai baixar o preço, porque a margem já é pequena. E, para os que reclamam porque exportamos petróleo bruto e importamos derivados, vale lembrar: se houvesse mais refinarias aqui, isso só faria diferença se a área de extração da Petrobras fosse obrigada a ignorar o preço internacional e vender o petróleo para as refinarias nacionais por um preço tabelado (ou, pior ainda, subsidiado) pelo governo.

A tentativa atual de vender mais da metade das refinarias da Petrobras esbarra na falta de confiança: qual empresário vai investir bilhões em um país onde, a cada crise, população e políticos correm para gritar contra “o mercado” e exigir que o governo resolva os problemas na canetada? Mais ainda: qual empresário vai comprar uma refinaria para ser concorrente da Petrobras, que está sempre sob pressão para operar com prejuízo (bancado pelos contribuintes) em nome do “social”? As chances de que as refinarias que a Petrobras quer vender sejam compradas por empresas sérias e que se estabeleça um verdadeiro ambiente de livre mercado são mínimas. O que provavelmente vai acontecer é que essas refinarias serão compradas por fundos de investimento de governos estrangeiros, que têm mais poder de pressão para se opor às traquinagens populistas dos governos daqui. A primeira, na Bahia, foi vendida para o Mubadala, dos Emirados Árabes. Meu palpite é que, se as próximas privatizações realmente acontecerem, os compradores serão da China, Singapura, Bahrein ou similares. E não haverá redução de preço em função da “concorrência”, porque não haverá concorrência: o mercado continuará regulado e amarrado pelo governo federal e sujeito à influência dos fatores político-eleitorais de sempre.

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