Nasci e me criei em Nova-Cruz, região agreste do rio Grande do Norte, fronteira com a Paraíba.
Uma terra seca e quente, e a cidade não tinha energia elétrica nem água encanada, o que só aconteceu no começo da década de 60.
A água que se usava era salobra e tirada de cacimbões. No sábado pela manhã, chegava o trem com água do Piquiri, água doce, para se beber e cozinhar.
Minha mãe tinha na cozinha uma jarra com capacidade para 150 m3, onde a água de beber era colocada, coada num pano de saco de açúcar vazio, lavado e abainhado por ela na máquina de costura. Essa jarra era sempre coberta com esse pano e sobre ele havia uma tampa feita de madeira. Antes de ser colocada no filtro de barro, a água era fervida.
A água de beber era trazida do Rio Piquiri (Canguaretama), no “trem da água”, aos sábados, de manhã cedo. Os carregadores se aglomeravam na Estação Ferroviária, à espera do trem da água, o que lhes renderia alguns trocados.
Nessa ocasião, na Estação Ferroviária, ficava um aglomerado de carregadores de água, com galões feitos com duas latas vazias de querosene Jacaré, já lavadas e desinfetadas, e amarradas com correntes a um pedaço de madeira fornido, que eles carregavam nos ombros. Os carregadores de água davam inúmeras viagens, para abastecer as casas com “água doce, fria, gelada, do Piquiri”. Passavam o dia todo carregando água para os fregueses, mediante pagamento simbólico, pois aquela água e aquele serviço não tinham preço.
Repetindo, na nossa casa, a água de beber era colocada numa jarra de 150 litros cúbicos, coada num pano branco, feito de sacas de açúcar vazias, lavadas e desinfetadas por minha mãe, amarrado na boca da jarra. A água era fervida, antes de ser colocada em dois filtros de barro, para consumo.
Essa água era exclusivamente para se beber e cozinhar. Mas minha mãe enchia um balde com ela, para lavar as nossas cabeças, aos domingos, pois durante a semana o banho completo era com água salgada (salobra). Passávamos a semana tomando banho com água salgada, o que deixava nossos cabelos pegajosos.
No domingo, nossa mãe abria uma exceção, ao encher um baldo de água doce, para lavar nossas cabeças. Havia um grande caneco de alumínio emborcado sobre a tampa da jarra, exclusivamente para ser usado para tirar água doce da jarra.
A cidade era paupérrima, não havia médico nem posto de saúde, e o povo morria à míngua, como aconteceu com meu irmão Galdino, aos sete meses de idade. Era o fim do mundo!!!
Pois bem. Uma parenta de meu pai, idosa, que morava num sítio perto de Nova-Cruz, uma vez por outra era nossa hóspede. Surda igual a uma porta, chegava com uma trouxa de tecidos para costurar na máquina “Singer” da minha mãe e permanecia uma temporada conosco. Falava muito, mas ouvia pouquíssimo. Era uma pessoa agradável e muito querida.
O cuidado que a minha mãe tinha com a água de beber era grande. Somente ela tirava água dessa jarra, inclusive para ferver e colocar nos dois filtros.
Certa noite, já tarde, quando todos já haviam se recolhido para dormir, minha mãe acordou, com o barulho de água correndo dentro de casa.
Levantou-se descalça, para não acordar meu pai, e foi ver o que estava acontecendo.
Dona Lia, minha mãe, teve uma péssima surpresa, que lhe fez adoecer. Encontrou na cozinha, a lamparina acesa em cima da mesa, e a hóspede Lindoca nuazinha, de frente para a “jarra de ouro” de água de beber, calmamente, tomando banho, e tirando água da jarra com o penico que lhe servia durante a noite, para satisfazer às suas necessidades, uma vez que o banheiro ficava fora da casa.
Minha mãe, para suportar o mal-estar que sentiu com essa contrariedade, tomou 40 gotas de Coramina, remédio que não faltava na nossa casa.
A infratora Lindoca não percebeu a presença da minha mãe, por estar de frente para a jarrona d’água, e ser surda.
Minha mãe não acordou ninguém, e suportou essa contrariedade sozinha, sem ter com quem desabafar. Não chamou a atenção da hóspede, pois a água já estava contaminada. Não adiantava dar um escândalo, àquela hora da noite. E ainda mais, “não adianta chorar sobre o leite derramado”, diz o ditado.
Mal amanheceu o dia, com a chegada de Mendonça, o cortador de lenha para o fogão, minha mãe lhe ordenou que secasse a jarra imediatamente, e a tirasse de dentro de casa, levando-a bem pra longe da nossa casa. Desse-lhe o destino que quisesse.
Meu pai nunca soube disso, e minha mãe não teve coragem de repreender a hóspede. Ficou tudo por isso mesmo. Só que a guarda foi reforçada, sempre que Lindoca chegava à nossa casa para alguma temporada.
Ma-ra-vi-lha!
Me alembrei dos pessoal, batendo palmas lá na porteira de entrada: “Sinhá Reimunda, me dê um canequim d´água!”.
Ao que Vovó respondia: “Apois entre, pegue e beba da quartinha que tá na jinela”!
Na casa dos meus avós, a água não chegava no “trem da água”. A gente mesmo era que ia buscar no açude, nos tonéis de madeira que os jumentos carregavam. Enchíamos os potes e os outros depósitos. No “pote da sala”, com todo aquele aparato e canecos cobertos com panos bordados. Ao lado do “pote da sala”, para evitar mosquitos, Vovô João Buretama criava um sapo. Sapo de estimação!
Obrigada, querido escritor José Ramos, pelo excelente comentário, de quem conhece o problema da seca de perto, assim como eu.
A água doce, água de beber, era joia rara, e era regrada, tendo minha mãe Lia como guardiã. Imagine a contrariedade que ela sofreu, ao descobrir que a hóspede tirava água da jarrona com o penico, para se banhar tarde da noite.
Minha mãe perdeu a água que enchia a jarra, que por sinal estava cheia, e também a própria jarra, que ela, com nojo, deu ao cortador de lenha.
Nunca me esqueci desse episódio, que tanto a magoou. E a bondade dela era tão grande, que a parenta do meu pai continuou sendo nossa hóspede, agora com vigilância redobrada.
Um grande abraço, eu m final de semana com muita saúde, alegria e Paz!
Violante,
Uma crônica bem escrita com sua vivência de um período muito difícil para se ter água de beber. Só quem carrega o próprio balde sabe o valor de cada gota de água, já disse alguém com sabedoria e conhecimento prático. É imprescendível valorizar a água para o planeta Terra, pois é fonte de vida primordial para todas as plantas e também é essencial para a vida dos animais, pois eles dependem dela para a respiração, digestão e a reprodução, assim como o homem. Podemos sintetizar dizendo que a água é o bem mais importante do planeta e para o planeta!.
A água protege e hidrata nossas articulações e células. Todas as células de nosso corpo necessitam de água. Nosso cérebro, por exemplo, consiste em 90% de água, portanto, se não suprimos corretamente a necessidade de água em nosso corpo, nosso cérebro pode não funcionar bem, causando dores de cabeça e enxaqueca.
Água potável é a água tratada adequada para o consumo humano e animal, livre de qualquer tipo de micro-organismos, sólidos em suspensão e substâncias tóxicas que causam contaminação e doenças. É a água boa para o consumo, que não causa nenhum risco à saúde e é agradável aos sentidos.
Compartilho com a prezada amiga um cordel com o tema de sua belíssima crõnica do talentoso cordelista Guilherme Nobre:
Cordel da Água
O planeta está mudado
Assim o tempo revela.
Enquanto o calor aumenta
A geleira descongela
E a terra, refém tem sido
Do povo que mora nela.
Além do desmatamento
De maneiras ilegais
A água que nós bebemos
Sem contar a que tem sais,
A cada dia que passa
Só diminui mais e mais.
Dos 100% da água
Que a terra pode guardar
2% nas geleiras
O frio fez congelar
1% a gente usa
E o resto é água do mar.
Com esse gasto excessivo
A água vai ao fracasso
O braço d´gua tão forte
Tem enfraquecido o braço
E o nosso lençol freático
Já tem rasgado um pedaço.
Os nossos reservatórios
Na triste situação
Estão Cedro, Pacoti
Oroz junto ao Gavião
O Jaguaribe salgado
E o açude Castanhão.
E o rio São Francisco!
Que nos produz energia,
Além de fazer divisa
De Pernambuco e Bahia
Passa e socorre os estados
Que não chove nem chovia.
Este sim é rio grande!
Mas veja o que aconteceu;
Nos cinco anos de seca
Perto do rio não choveu
E o limite baixou tanto
Que assusta quem conheceu.
Como a água baixou mais
De seus 50%
No tempo que havia chuva
Hoje é só poeira e vento
Que tem forçado cidades
Tentar o racionamento.
Eu não quero fazer crítica
A homem, moça ou rapaz!
Mas temos que concertar
Os danos de um tempo atrás
Fazendo o que for possível
Já que o governo não faz.
Eu vou dar algumas dicas
E pra ouvir fique esperto,
Para que nosso futuro
Não vire um triste deserto
Mas com desperdício longe
E água potável perto.
Assim que for tomar banho
Ou mesmo escovar o dente
Feixe a torneira na hora
Do enfergado frequente
Porque torneira só presta
Quando está molhando a gente.
Quando for lavar seu carro
Ou mesmo a moto que monta,
Lave com a água dos baldes
Tendo a quantidade pronta
Porque água de mangueira
Sempre gasta além da conta.
Se for limpar a calçada
Pisada a semana inteira
Não a lave, porém varra
Desde o batente a lixeira
Pois uma vassoura basta
Quando o assunto é poeira.
Pois fazendo tudo isso
A nossa esperança cresce!
O planeta desgastado
Com o tempo rejuvenesce
A água sobra pra gente
E a natureza agradece.
Desejo um final de semana pleno de paz, saúde e essa inspiração de sempre!
Aristeu
Obrigada, caríssimo poeta Aristeu, pelo comentário gentil e por compartilhar comigo o belíssimo “Cordel da Água”, do grande cordelista Guilherme Nobre!
Gostei imensamente!
O Cordel da Água é emocionante e muito verdadeiro. Retrata a realidade em que vivemos, com relação ao problema da água, cada vez mais escassa, a ponto de prejudicar o Rio São Francisco, esperança do povo nordestino.
Gostei do apelo contido no Cordel da Chuva:
“Eu não quero fazer crítica
A homem, moça ou rapaz!
Mas temos que concertar
Os danos de um tempo atrás
Fazendo o que for possível
Já que o governo não faz.”
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Desejo a você também, um final de semana com muita saúde, inspiração e Paz!
Um grande abraço!
Bom dia!
Sem contar que a água do pote era sempre fresquinha.
Parabéns e obrigado, Violante!
Boa noite, Nonato!
Obrigada pela presença e comentário!
Uma ótima semana!