VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

Neste momento preocupante para o povo brasileiro, em que todos os dias assistimos Jesus Cristo ser crucificado, desejamos intensamente que a banda volte a passar, cantando coisas de amor.

A humanidade precisa de amor, numa dose cavalar, capaz de nos reumanizar, nos corrigir e nos vacinar contra o ódio e a tirania. Precisa-se de uma vacina contra a volúpia da destruição dos mais fracos, ofendidos e humilhados.

Um amor que nos vacine contra a maldade, a opressão, a humilhação, a tortura psicológica, e tudo o mais que estamos vivenciando.

A coroa de espinhos de Cristo continua sendo posta na cabeça de pessoas inocentes.

Se Luiz Gonçalo ainda fosse vivo, estaria implorando hoje para ver novamente a banda passar, “cantando coisas de amor”.

Na época em que Chico Buarque de Holanda, aos 22 anos de idade, gravou A Banda (1966), Luiz Gonçalo já era sessentão. Contador antigo, fazia a escrita de vários estabelecimentos comerciais de Natal e ia sempre à Receita Federal, trocar ideias sobre as eventuais mudanças relativas à Declaração de Imposto de Renda.

Sempre de bem com a vida, bem-humorado, inteligente e educado, Luiz Gonçalo era muito bem relacionado, e os funcionários da Receita Federal o recebiam muito bem.

Carmen Pimentel, minha tia, era fiscal da Receita Federal, cargo que passou a se chamar posteriormente, Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil. Era funcionária antiga, já perto de se aposentar.

Nessa época, estava no auge o grande sucesso de Chico Buarque de Holanda, A Banda, a música mais tocada nas rádios de Natal.

Numa certa tarde, Carmen estava em pleno expediente na Receita Federal, quando Luiz Gonçalo entrou na sua sala, com a costumeira pasta executiva na mão. Ele sempre se dirigia a ela, quando precisava fazer alguma consulta relacionada ao Imposto de Renda. Amiga pessoal do contador, Carmen tinha satisfação em atendê-lo. Como também era muito bem humorada, ao vê-lo, Carmen, por brincadeira, cantarolou um trecho da música A Banda, que diz:

“O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou…”

Imediatamente e sem sair do tom, Luiz Gonçalo respondeu à provocação da amiga, cantando outro trecho da mesma música. “A Banda”:

“A moça feia debruçou na janela,
Pensando que a banda tocava pra ela…”

Os funcionários da Receita Federal que ouviram a resposta de Luiz Gonçalo não se contiveram , e a gargalhada foi geral.

O contador, com sua presença de espírito, não ficou por baixo diante da provocação de Carmen, que também riu muito, diante da merecida resposta que ouviu. Ela não imaginava que Luiz Gonçalo também soubesse cantar A Banda.

Carmen Pimentel, muitos anos depois de aposentada, ainda ria, quando se lembrava desse fato.

O momento atual, de tanta maldade, opressão, autoritarismo e sede de vingança, me traz à memória o lirismo da música de Chico Buarque de Holanda, A Banda, que tanta alegria e esperança leva aos corações de adultos e crianças.

A felicidade imensa com que é recebida a passagem dessa banda tão simples, tão brasileira e repleta de lirismo, é a comprovação da carência de amor pela qual o povo brasileiro passa.

A Banda de Chico não vem entoando marchas militares, dobrados de guerra, nem convida a matar o inimigo, pois ela não tem inimigos. Essa banda é feita de amor e só festeja o amor. Prefere rasgar corações, fazendo penetrar neles “o fogo que arde sem se ver, o contentamento descontente, a dor que desatina sem doer, abrindo a ferida que dói e não se sente”, como fala o poeta português Luís de Camões.

Encontro na banda o remédio para todas as tristezas, pois a alegria que ela proporciona atinge meninos e velhos, feios e bonitos, fracos e fortes. Se a banda sozinha faz a cidade toda se enfeitar e até a lua cheia surgir, é porque é possuidora de uma beleza generosa e de uma força superior. Há nela, uma indicação clara, para todos que tem responsabilidade de mandar e os que são mandados; os que estão contando dinheiro e os que nada tem; os vingativos, os que tem facilidade de perdoar e os ambiciosos.

As coisas do amor abrangem um vasto terreno nas relações humanas. A Banda consegue alvoroçar a cidade, atrair o velho fraco, a moça feia, o homem sério, o faroleiro, e todos que a veem passar. Por uns minutos, todos se sentem felizes.

Coisas de amor são finezas que se oferecem a qualquer um que saiba cultivá-las e distribuí-las, começando por querer que elas floresçam. Abrangem um vasto terreno, nas relações humanas.

Se depois que a banda passou, “o que era doce acabou”, que venha outra banda, que nunca deixe de musicalizar o povo brasileiro.

14 pensou em “A VOLTA

  1. Cara Violante! Acho que já vi esta sua crônica por aqui.

    À época até comentei que esta marchinha do Chico ganhou um festival da Record (acho que foi 1967) em cima da Disparada, composta por G. Vandré e cantada por Jair Rodrigues, na maior vaia que até então o Maracanãzinho já tinha visto.

    Reconheço também que esta marchinha deve ser a música mais famosa e tocada do agora velho cantor/ compositor. Qualquer furiosa banda de coreto a toca sempre que se apresenta.

    Beijos querida.

    • Exatamente, amigo João Francisco. .. Daí, o título que hoje escolhi. A Volta. O texto é lírico e revestido de amor e bondade. É o que o povo brasileiro precisa. Paz e Amor!!! Chega de violência e perseguição!

      Grande abraço e bom final de semana.

  2. Violante,

    Parabéns pela crônica analisando o lirismo da música A Banda (1966), de Chico Buarque de Holanda, acrescentando um episódio bem- humorado de sua tia Carmem Pimentel, Auditora da Receita Federal, e o senhor Luiz Gonçalo, contador antigo. É brilhante esse encontro em que o contador se dirigiiu a AFRF Carmen que tinha satisfação em atendê-lo.
    Vale salientar que em diversas entrevistas concedidas ao longo de sua vida, Chico Buarque sempre revelou o sonho de ser um cronista. No entanto, o compositor conhecido pela autoria de canções que, além de populares, são marcadas por poéticas sofisticadas, já era desde jovem um escritor deste tipo de texto. Mesmo sem sequer perceber isso, ao construir músicas com narrativas completas, precisas, que criaram empatia com o público chamado a se questionar sobre situações políticas, em toda sua carreira Chico avaliou o cotidiano brasileiro em suas obras, apontando caminhos e soluções para problemas sociais.
    Compartilho a letra da música A Banda com a prezada amiga e excelente cronista do Jornal da Besta Fubana:

    A Banda

    Compositor da letra: Chico Buarque

    Álbum da letra: Chico Buarque de Hollanda

    Ano de lançamento: 1966

    Estava a toa na vida
    O meu amor me chamou
    Pra ver a banda passar
    Cantando coisas de amor

    A minha gente sofrida
    Despediu-se da dor
    Pra ver a banda passar
    Cantando coisas de amor

    O homem sério que contava dinheiro parou
    O faroleiro que contava vantagem parou
    A namorada que contava as estrelas parou
    Para ver, ouvir e dar passagem

    A moça triste que vivia calada sorriu
    A rosa triste que vivia fechada se abriu
    E a meninada toda se assanhou
    Pra ver a banda passar
    Cantando coisas de amor

    Estava a toa na vida
    O meu amor me chamou
    Pra ver a banda passar
    Cantando coisas de amor

    A minha gente sofrida
    Despediu-se da dor
    Pra ver a banda passar
    Cantando coisas de amor

    O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
    Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
    A moça feia debruçou na janela
    Pensando que a banda tocava pra ela

    A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
    A lua cheia que vivia escondida surgiu
    Minha cidade toda se enfeitou
    Pra ver a banda passar cantando coisas de amor

    Mas para meu desencanto
    O que era doce acabou
    Tudo tomou seu lugar
    Depois que a banda passou

    E cada qual no seu canto
    Em cada canto uma dor
    Depois da banda passar
    Cantando coisas de amor
    Depois da banda passar
    Cantando coisas de amor…

    Desejo um final de semana pleno de paz, saúde e felicidade,

    Aristeu

  3. Obrigada, Aristeu, pelo gratificante comentário e por compartilhar comigo a letra de “A Banda”,

    música que marcou um período muito feliz da minha vida.

    Adorei!

    Chico Buarque de Holanda gravou esta música aos 22 anos de idade (1966), e até hoje, onde ela é

    tocada, causa boas vibrações.

    Para mim, Chico é um gênio!!!!,

    Um final de semana pleno de paz, saúde e felicidade para você também!

  4. Não tenho a menor dúvida de que o senhor Chico Buarque de Holanda é um gênio.

    Só é triste que sua monomania socialista/comunista/petista o tenha levado a ser hoje a caricatura grotesca daquilo que já foi um dia.

    Uma pena! Era um dos meus raros ídolos,

  5. Obrigada pela gentileza do comentário, prezado adonisoliveira.

    Concordo com você. É uma pena que o Chico poeta, esse gênio que tanto encantou o Brasil, tenha se deixado influenciar por seus amigos Dilma, Lula e outros, e tenha se transformado num político de esquerda (festiva).

    Bom final de semana!

  6. Também concordo com Adônis Oliveira, Vivi. A Deusa das crônicas do JBF.

    Chico Buarque de Hollanda não precisava ter se aliado à escória da política brasileira (PT, PSB, Lula, Dirceu, Genuíno, Frei Bofe…), para pedir arreglos para a promoção do seu trabalho genial.

    Ainda bem que esse episodio entre Luiz Gonçalo e Carmem Pimentel descambou para a galhofa e a gozação. Ocorresse hoje cai, demagogicamente, no politicamente correto e tudo se transformava no samba do crioulo revoltado, disposto a toda arbitrariedade.

    Parabéns, divina pela ótima abordagem do tema, e com uma salada de fruta da melhor qualidade: hilária.

    Xêraço e abraçaço e você a a toda família.

  7. Obrigada pelo gratificante comentário, grande cronista e cinéfilo Ciço Tavares.

    Uma ótima semana, com muita saúde, alegria e Paz!

    Grande abraço!

    • Vivi, bom dia,
      Escrevi um capítulo lindo sobre umas das primeiras prostitutas que foram acolhidas por MBM e que veio a se encantar nos btaços da cafetina.
      Está lindo, bem humanizado, mas eu não estou encontrando o tom cronístico que ela metece.
      Talvez eu adie a publicação.
      Como escrever é doloroso, não?
      Abraçaço e ótimo início de semana

  8. Todas as suas crônicas são admiráveis, querido colunista Ciço Tavares! Sem defeito!!!

    Quanto ao tema MBM, o sucesso já é garantido.

    Abraços.

    .

  9. Bela e auspiciosa mensagem, Violante.(Viola, violeta).

    Que pra todos nós, venham tocar muitas bandas, de tudo que é banda. Desde que seja pra cantar, sempre, coisas de amor.

    Um doce assim, faz muita falta quando acaba.

    Verdadeiro deleite, Violante.
    Congratulações

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