Eu venho desde novinho,
Nessa minha profissão,
Depois que eu envelhecer,
Que eu me tornar ancião;
Ao invés de uma bengala,
Quero a viola na mão.
Sebastião da Silva
Este sagrado instrumento
Faz quem gosta passar sono
A peça que mais nos toca
Ficando no abandono
Viola é como chapéu
Parece a cara do dono.
Zé Viola
Onde não foi a ciência
Onde ficou a bonança
A viola é o piano
Que toco desde criança
Sonorizando saudade
Nos teclados da lembrança.
Geraldo Amâncio
Alcancei o que mais quis
E arranjei conhecimento,
Afinando as 7 cordas
Tocando meu instrumento,
Eu sinto a marca divina
Ligada ao meu pensamento.
Moacir Laurentino
No momento que eu sentir
Que o sol da vida se pôs,
Digo pra minha mulher
O caixão vai caber dois;
Eu vou levando a viola
Espere pra ir depois.
João Paraibano (1952-2014)
A figura mais popular do Nordeste brasileiro, provavelmente, seja o cantador, o violeiro. Por muitos anos, o repente serviu como o único meio de comunicação em terras áridas e adversas. Fazia as vezes de rádio, de televisão, de revistas. E não era só isso: as notícias vinham em forma de versos, rimados, ritmados, poéticos. A viola é o instrumento usado no repente.
A seleção de estrofes sobre a viola nos versos dos repentistas consiste em demonstrar a importância que representa para a cantoria. A sextilha de Geraldo Amâncio me impressionou pela beleza dos versos: Onde não foi a ciência/Onde ficou a bonança/A viola é o piano/Que toco desde criança/Sonorizando saudade/Nos teclados da lembrança.
Vitorino,
Agradeço dividir seus conhecimentos do admirável mundo do repente, preenchendo meu artigo com informações úteis a quem admira a poesia pura dos cantadores de viola. No Jornal da Besta Fubana, aprendemos uns com os outros.
Acrescento uma simples observação; O repente possui diversos modelos de métrica e rima, e seu canto costuma ser acompanhado de instrumento musical. Quando o instrumento usado é o pandeiro, o repente é chamado de coco de embolada; acompanhado do violão, denomina-se Cantoria.
Aproveito a ocasião para enviar uma sextilha do genial Geraldo Amâncio para o prezado amigo:
Quem não cantar do meu tanto
Não acompanha o meu passo,
Não tem a força que eu tenho,
Quando manejo o meu braço,
Não planta a roça que eu planto
Nem faz verso que eu faço.
Saudações fraternas,
Ariste
ERRATA:
ONDE SE LÊ; ARISTE
LEIA-SE: ARISTEU
O cantador não raro dedica muitos versos ao próprio instrumento de trabalho. Este artigo fez uma compilação de versos em que os repentistas fazem um tributo ao violão. Se fosse eleger a melhor estrofe teria dificuldade, arriscom-me escolhendo a sextilha de João Paraibano 91951 – 2014): No momento que eu sentir/Que o sol da vida se pôs,/Digo pra minha mulher/O caixão vai caber dois;/Eu vou levando a viola/Espere pra ir depois.
Messias,
Grato por seu caprichado comentário. Faço apenas três observações sobre esse assunto que pesquiso e admiro bastante.
1) O repente ou cantoria é uma arte poético-musical comum no Nordeste do Brasil e caracteriza-se pela improvisação de estrofes, ou seja, pela sua composição no momento da apresentação. Cantando sempre em duplas, ao improvisar versos os repentistas dialogam um com o outro e com os ouvintes.
2) Repentista refere-se, em Portugal ou no Brasil, a um poeta que realiza seus poemas por meio de improvisos em forma de repente. Os poetas repentistas inserem-se na tradição da literatura oral e da literatura de cordel de uma determinada região ou país.
3) Os violeiros nordestinos formam um repente, que é a habilidade que o poeta tem de compor versos na hora, geralmente em resposta à provocação anterior criada pelo outro violeiro da dupla. Essa atividade, a de um criar uma estrofe e o outro responder em versos, é conhecida como desafio.
Compartilho uma estrofe do grande repentista João Paraibano (1952 – 2014) com prezado amigo:
Faço da minha esperança
Arma pra sobreviver
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.
Saudações fraternas,
Aristeu
Postagem excelente, prezado Aristeu! Parabéns!
“A VIOLA NOS VERSOS DOS REPENTISTAS” homenageia esse antigo instrumento musical, companheiro inseparável desses poetas populares, cantadores, que trazem a poesia na alma, e o improviso “na ponta da língua”. Um dom que não se aprende em escola.
Os repentistas cantadores, no interior nordestino, às vezes, mal sabem ler. Acompanhados da sua viola, geralmente recebem um Mote da plateia e o desenvolvem na hora. Também é muito comum, fazerem desafios, nos quais cada um exalta suas qualidades e depreciam o “adversário”. Fazem um verdadeiro show!
Gostei imensamente de todas as sextilhas, mas destaco:
“Eu venho desde novinho,
Nessa minha profissão,
Depois que eu envelhecer,
Que eu me tornar ancião;
Ao invés de uma bengala,
Quero a viola na mão.
Sebastião da Silva”
Uma ótima semana, com muita saúde e paz!
Violante Pimentel
Violante,
Grato por seu excelente comentário com descrição da importância da viola na arte da cantoria. O folclorista, historiador, professor e jornalista Câmara Cascudo (1898-1986) menciona a origem portuguesa da viola, primeiro instrumento de cordas que os portugueses divulgaram no Brasil, já que, no século XVI, tinha seu esplendor em Portugal, qual registrado por Gil Vicente.
Aproveito a oportunidade nesse espaço democrático do JBF para contar uma historinha que me inspirou a fazer um poema.
Estava pesquisando sobre o Cego Aderaldo, um dos maiores repentistas do estado do Ceará, que viveu no início do século XX e tem seu nome registrado como um dos ícones do admirável mundo do repente. Ele tinha adotado várias crianças e era solteiro. Uma pessoa fez uma pergunta indiscreta ao Cego Aderaldo: “O senhor é tão caridoso, adota tantas crianças por que não se casou?” O nosso poeta respondeu em forma de verso. Reproduzo a sua resposta, na última estrofe do poema, influenciado por esse gênio da cantoria de viola:
VER E OUVIR
Os poetas e os cegos
Enxergam os horizontes
Entre palavra e outra
Eles não ficam distantes
E da beleza da poesia
São os melhores amantes.
Hoje se faz transplantes
Mas sem a capacidade
De trocando o coração
O homem ter a sensibilidade
Ao ouvir o tom da voz
Sentir alegria ou saudade.
Desde a mais tenra idade
Temos o dom da poesia
Não precisa ser culto
Nem mestre em Filosofia
Patativa onde olhava
Um verso descobria.
Cego Aderaldo tinha mania
Dos seus bens: o desapego
O porquê de não casar
Dizia: “Não me entrego
Quem tem vista leva ponta
Imagina eu sendo cego.”
Desejo uma semana plena de paz, saúde e alegria
Aristeu
Obrigada, Aristeu, por compartilhar comigo este belo poema de sua autoria, no qual a última estrofe é a reprodução de uma resposta, em versos, feita pelo Cego Aderaldo, um dos maiores repentistas do Ceará, diante de uma pergunta indiscreta que lhe fora feita. Adorei!!!.
Uma semana plena de paz, saúde e alegria para você também!
Violante