VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

Décadas atrás, numa cidade do interior nordestino, sem médico, Querubina, 58 anos, e, segundo as más línguas, pouco confiável, mandou chamar em sua casa o novo dono da farmácia, dizendo-se indisposta e com fortes dores no abdômen. Queria que o homem lhe indicasse um remédio. Seu marido, Venâncio, comerciante, estava viajando há dois dias.

Deitada em seu quarto e dizendo-se doente, Querubina recebeu o “doutor”, e quando começava a lhe contar as mazelas que estava sentindo, ouviu alguém abrir o portão. Percebeu que era seu marido que estava voltando da viagem.

Apavorada diante da perspectiva do marido, homem rude e ignorante, flagrar um homem em seu quarto, a mulher pediu aos anjos e arcanjos que a ajudassem.

Num impulso movido pelo medo, Querubina levantou-se da cama e rogou ao farmacêutico que salvasse sua vida e a dele também. E implorou, abrindo a porta do guarda-roupa:

– Pelo amor de Deus, esconda-se aqui!

Sem tempo de raciocinar, o homem encolheu-se dentro do guarda-roupa, tremendo de medo. A mulher fechou a porta do móvel, tirou a chave e voltou para a cama. Deitou-se e fingiu dormir.

Venâncio, depois de colocar o carro na garagem e ir à cozinha tomar água, entrou no quarto e encontrou Querubina “dormindo”. A mulher abriu os olhos e metralhou o marido com muitos beijos e palavras amorosas:

– Meu amor! Estava com saudade!

Sentados na cama, os dois passaram a conversar, amorosamente. Ele falou sobre os negócios que resolvera na capital, e mostrou-se preocupado com os compromissos financeiros do final do mês, principalmente um título bancário no valor de vinte contos.

Solidária ao marido, Querubina respondeu:

– Tenha fé em Deus, que tudo vai dar certo!!!

Levantou os olhos para cima do guarda-roupa, e mostrando-se segura na sua fé, continuou, em voz alta:

– Aquele que está lá em cima, há de nos ajudar! Tenha confiança!

Enquanto o marido saiu do quarto e se dirigiu ao banheiro para tomar banho, num tempo em que ainda não havia suíte, a mulher soltou o prisioneiro do guarda-roupa.

Querubina ganhou na “sorte”. Para ajudar no pagamento do título bancário do marido, ela extorquiu do farmacêutico dez contos, sob pena de denunciá-lo, por invasão de domicílio e tentativa de estupro.

Disse ao marido que aquele dinheiro era fruto de suas economias.

4 pensou em “A SORTE

  1. Excelente crônica bem-humorada para aliviar a tensão dessa pandemia. Querubina demonstra inteligência e criatividade. Lembrei-me de uma piada sobre adultério e compartilho com a prezada amiga.

    FLAGRANTE DE ADULTÉRIO

    Um sujeito…voltando de uma viagem de negócios, entra em um táxi no aeroporto. Enquanto se dirigem para casa, ele pergunta ao taxista se ele topa ser testemunha, pois suspeita que sua esposa está tendo um caso e pretende flagrá-la no ato.
    O motorista concorda e, ao chegarem silenciosamente à casa, sobem pé ante pé até o quarto.
    O marido acende as luzes, arranca o cobertor e lá está a esposa dele na cama com outro cara. O marido coloca a arma na cabeça do homem que, evidentemente, está nu. A esposa grita:
    – Não faça isso! Este homem tem sido muito generoso! Eu menti quando lhe disse que herdei dinheiro! Foi ele quem pagou o BMW que eu comprei para você… ele que pagou também o nosso iate novo… foi ele quem comprou e mantém a nossa casa em Angra… o nosso título do Country Club…
    Perplexo, o marido abaixa a arma, olha para o motorista e pergunta:
    – O que você faria?
    – Eu o cobriria logo com o cobertor, antes que ele pegue um resfriado…

    Desejo um final de semana pleno de paz, saúde e alegria,

    Aristeu

    • Obrigada pelo gratificante comentário, prezado Aristeu!

      Ainda estou rindo com o caso que você compartilhou comigo….
      Foi um FLAGRANTE DE ADULTÉRIO hilário!!! kkkkkkkkkkkk…

      Para você também, um feliz final de semana, pleno de paz, saúde e alegria!

      Violante

  2. O senhor humano é muito estranho mesmo, queridíssima Violante Pimentel, como diz a matriarca da Família Dinossauro, France.

    Numa situação periquitante dessa a mulher, Querubina, ainda ter coragem de extorquir o homem ao invés de ajudá-lo a sair às pressas, lá vai um caminhão de cinismo e dissimulação.

    “A SORTE” é mais uma crônica antológica da grande cronista.

    Meus Parabéns.

    Fraternais saudações e muita paz, saúde, felicidade e harmonia no lar da nobre cronista.

  3. Obrigada pelo comentário gentil, querido cronista Cícero Tavares!

    Querubina, segundo as más línguas, era pouco confiável. E isso ficou comprovado.

    Fingindo-se adoentada, atraiu o dono da farmácia até sua casa, para lhe pedir “orientação”.
    Depois do vexame que fez o homem passar, com a chegada inesperada do marido, ainda teve coragem de lhe extorquir dinheiro, sob séria ameaça.

    Até que ponto vai a maldade humana!…

    Uma ótima semana, com muita saúde e Paz!

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