VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

Quando Nova-Cruz (RN) não tinha energia elétrica nem água encanada, o desconforto da população era grande. O banho diário era com água de cacimbão, salobra (salgada).

A água doce, potável, usada para beber e cozinhar, era trazida num trem, do Rio Piquiri (Canguaretama-RN), uma vez por semana. Na Estação Ferroviária, formava-se uma fila de carregadores de galões de água doce, para levar as residências. Quando o inverno era bom, dava para se juntar água da chuva nas cisternas, e isso ajudava muito. Mas, se não houvesse inverno, o transtorno era grande.

Só quem sabe o que é a falta d’água permanente é quem já sofreu na pele.

A água encanada e a energia elétrica, de Paulo Afonso, demoraram muito a chegar a Nova-Cruz, cidade situada no agreste potiguar, fronteira com a Paraíba. É uma região muito seca, às margens dos rios periódicos, Curimataú e Bujari, que raramente tem água. A última grande cheia que houve foi na década de 1960.É la que estão fincadas as minhas raízes.

A cidade sempre sofreu com a falta d’água.

No início da década de 1970, houve uma grande estiagem e a falta d’água em Nova-Cruz gerou um verdadeiro caos. A água passou a ser um líquido ainda mais difícil de se encontrar. Isso foi muito vantajoso para os proprietários de carros-pipa, que abasteciam as casas das pessoas que podiam pagar. Mas a pobreza sofreu muito.Toda a população amargou um longo período de seca. Nesse tempo, água mineral era uma ilustre desconhecida, em Nova-Cruz.

Nessa época, na cidade, já havia uma agência do Banco do Brasil, que, por sinal contava com uma enorme cisterna, cujo volume d’água extrapolava às suas necessidades. Mas a população não tinha acesso a essa água.

Por trás da agência do Banco do Brasil, ficava a famosa Rua do Sapo, zona do baixo meretrício, onde ficavam os cabarés de Nova-Cruz. Ali, a boemia se encontrava com as paixões sem amanhã . Entretanto, as prostitutas já estavam quase sem condições de “trabalhar”, em virtude da falta d’água e da consequente dificuldade de higienização.

O problema da Rua do Sapo chegou aos ouvidos do Sr. Tenório, gerente do Banco do Brasil. Compadecido com o sofrimento e o prejuízo das prostitutas, o gerente, dono de uma grandeza de espírito ímpar, discretamente, e sem temer a língua dos falsos moralistas, foi até à Rua do Sapo, que ficava por trás do Banco, para ver de perto a intensidade do problema social, que estava sendo gerado. Queria se inteirar, pessoalmente, do problema que “as meninas” estavam passando. E o sofrimento delas incomodou o gerente do Banco, deixando-o penalizado. Então, publicamente, sem receio de comentários maldosos, o Sr. Tenório resolveu ajudá-las, tomando uma decisão corajosa e humana.

Por conta própria, o gerente do Banco comprou vários metros de tubos de encanamento, registros de passagem, torneiras, joelhos etc. e pagou a um encanador de Nova-Cruz para, por cima do muro do prédio do Banco, distribuir, diariamente e num horário previamente combinado, água para as sofridas prostitutas.

Graças à atitude generosa e justa, do então gerente do Banco do Brasil de Nova-Cruz, a vida na Rua do Sapo voltou ao normal, .

Somente em 1978, último ano administrativo do segundo mandato do saudoso Prefeito José Peixoto Mariano, realizou-se o sonho dos nova-cruzenses: O então governador do Rio Grande do Norte, Tarcísio Maia, inaugurou o sistema de abastecimento d’água em Nova-Cruz, oriunda do rio Piquiri (Canguaretama-RN).

10 pensou em “A SOLIDARIEDADE

  1. Sanchianamente comentando… Bem escrito, refinado, calmo, desprovido de vaidade (muito comum em quem possui lavra tão prazerosa), e cuja qualidade condiz com o fubanismo, a coluna da Violante é um oásis que dá prazer visitar.

  2. Violante minha querida amiga, impressionante sua capacidade de contar causos que prende o leitor até o final sem se cansar. No caso em questão uma coisa me chamou atenção: como é que numa região seca feito “língua de papagaio” os moradores, ou seja lá que foi se dá o desfrute de colocar o nome de uma rua de rua do sapo. rsrsrsrsrsrsrsrsrs. Desculpe a brincadeira. Quanto ao causo você é show.

    Um Abraço minha amiga
    Itaerço
    Imperatriz-ma

    • Obrigada pela gentileza de suas palavras, querido poeta Itaerço Bezerra!
      O nome da Rua do Sapo, na verdade, está ligado ao fato dela ser localizada na parte mais baixa da cidade, à margem do rio, “habitat” dos sapos. Faz sentido, rsrsrs

      Um grande abraço

      Violante

  3. Violante,

    A sua excelente crônica aborda a mais antiga das profissões – a prostituição. Deve-se observar a importância da prostituição no contexto da cidade de Nova-Cruz (RN) sem possuir energia elétrica nem água encanada. O gerente do Banco do Brasil observando que a falta de água impossibilitava um serviço importante fornecido pelas prostitutas da Rua do Sapo comprou tubos e acessórisos, pagando um encanador para fornecer o precioso líguido para o prostíbulo. A visão do gerente foi muito assistencial para a população de Nova-Cruz, pois tinha noção que sem o trabalho social das prostitutas poderia existir grande transtorno na população masculina.
    Compartilho um soneto da poeta Camila Patrícia Milani com a prezada amiga:

    SONETO À PROSTITUTA

    Enquanto o povo apontava e escarnecia,

    A chamavam de puta, vaca, vadia…

    Porque ganhava sua vida na cama,

    Ela não se importava com a fama.

    **

    Era forte e vestia-se com ousadia,

    Não se achava diferente e nem vazia.

    Apenas uma mulher cheia de chama;

    Do tipo que sofre, que luta, que ama…

    **

    Normal, mas doutorada em sedução.

    Mais do que uma típica mulher fatal,

    O equilíbrio entre a razão e a emoção.

    **

    Para os homens, não só uma profissional,

    Era uma mulher que trazia a alusão

    De ser a cura para todo o mal.

    **

    Saudações fraternas,

    Aristeu

  4. Obrigada pelo gratificante comentário e pelo compartilhamento deste belo poema, prezado Aristeu! O “SONETO À PROSTITUTA” é muito verdadeiro. Afinal, uma das principais causas da prostituição é a luta pela sobrevivência.

    Bom fim de semana!

    Muita Saúde e Paz!

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