VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

ENTRADA DE ANO NOVO – 1959/1960

No final de 1959, surgiu um boato em todo o Brasil de que um profeta havia preconizado que em 1960 os negros iriam virar macacos (sic). Os compositores imediatamente aproveitaram a deixa e fizeram o frevo-canção “Operação Macaco” (Sebastião Lopes/Nelson Ferreira). interprete Nerize Paiva. acompanhamento: Orquestra. nº da matriz. R-1099.

No interior nordestino, principalmente em Nova-Cruz, antiga Anta Esfolada, o boato se transformou em praga. As pessoas mais ingênuas tomaram isso ao pé da letra, e a notícia, de tão repetida, virou verdade, tal qual a atual “FAKE NEWS”

A festa da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Conceição, pela primeira vez foi tensa, pois havia quem acreditasse nessa propagada profecia.

A barraca armada em frente à Matriz de Nossa Senhora da Conceição estava repleta de pessoas que aguardavam a chegada do Ano Novo. Notavam-se nas fisionomias de todos, tensão nervosa e medo, diante da perspectiva do cumprimento da profecia divulgada pela cidade. Havia pessoas nervosas, que acreditavam nos boatos negativos. Mesmo assim, a cidade estava repleta de nova-cruzenses, tanto da zona rural como da zona urbana. Essas pessoas invadiam a cidade, na véspera de Ano Novo, em busca de diversão, como passeios no Parque São Luiz, compras de iguarias regionais, incluindo alfenins e doces-secos. Tudo isso era vendido em barraquinhas armadas ao longo da Rua Grande, principal rua da cidade.

Havia também o serviço de alto-falante, onde os casais apaixonados pagavam para oferecer músicas significativas, verdadeiras declarações de amor aos parceiros.

As senhoras católicas da cidade prestavam sua colaboração à Igreja, preparando iguarias, como perus assados, pasteis e outros salgados, e as garçonetes e garçons eram pessoas conhecidas, que também prestavam sua ajuda gratuita à paróquia.

Quando se aproximava a hora da passagem do ano, a banda de música da cidade, comandada pelo exímio maestro Tenente Freitas, de saudosa memória, executava emocionantes dobrados, e na passagem do ano tocava o Hino Nacional. Nessa hora, ouvia-se o pipocar de foguetões, o sino da Igreja repicava por alguns minutos, e as emoções explodiam entre as pessoas amigas e até inimigas. Em seguida, o Padre dava a Benção do Santíssimo da janela da Igreja, o que completava o clima de emoção. Era uma verdadeira apoteose!!!

Na passagem do ano de 1959 para 1960, notavam-se crianças em pânico, agarradas às saias de suas mães, apavoradas com a profecia de que negro iria virar macaco.

Dona Lia, minha saudosa mãe, atendia na barraca da Igreja, juntamente com outras senhoras da sociedade, despachando fatias de peru assado e salgadinhos variados, solicitados pelos ocupantes das mesas. De repente, ela percebeu que o filho caçula, Bernardo, de quatro anos, não se desgrudava de sua saia, e chegava a tremer de medo, observando a fisionomia das pessoas morenas ou negras da cidade. Apavorado, o menino temia que na passagem do ano, a barraca fosse invadida por gorilas, como nos filmes de Tarzan… Esperava que os negros da cidade se transformassem em macacos. Foi uma expectativa de terror. Não só as crianças, como também alguns adultos supersticiosos, temiam a anunciada transformação.

Os passeios em redor da barraca principal eram contínuos, por pessoas mais simples, que não podiam gastar dinheiro na barraca da Igreja. Havia leilão de prendas ofertadas pelas pessoas da cidade, que variavam de coisas simples, como frango assado, até animais vivos, bovinos e caprinos, ofertados por fazendeiros ricos da região, e que davam muito lucro à Paróquia.

A bem da verdade, as pessoas, principalmente as crianças, só se tranquilizaram no final da festa, quando constataram que nenhum negro tinha virado macaco. Nem tampouco tinha havido invasão de gorilas na festa da Padroeira de Nova-Cruz, Nossa Senhora da Conceição.

A crendice popular tem o condão de impressionar as pessoas, e essa passagem de ano marcou época em Nova-Cruz.

“A FAKE NEWS” deu origem a um grande sucesso carnavalesco, “OPERAÇÃO MACACO”, de autoria de Sebastião Lopes/Nelson Ferreira. Interprete: Nerize Paiva. Acompanhamento: Orquestra. nº da matriz. R-1099.

Isso aconteceu antes da época do politicamente incorreto. Hoje seria humanamente impossível, tamanha gozação.

Se fosse hoje, a “profecia” seria “FAKE NEWS”, e os autores da música “Operação Macaco” teriam sido punidos.

OPERAÇÃO MACACO

Dizem que em 60 nego vai virar macaco
Ora vejam só que grande confusão
Se for verdade essa Operação Macaco
Penca de banana vai custar um milhão.
Quem mata um gato tem sete anos de atraso
Tem nego como o diabo fazendo tchuí-tchuí
Se for verdade o que diz o profeta
O que seria de Pelé ou do Didi?
Nego é gente igual a gente
Muito preto existe pra ninguém botar defeito
Profeta toma jeito, cuidado com a negrada
Se ela te pega vai dizendo, me dê a papada!

13 pensou em “A PRIMEIRA “FAKE NEWS” DA TERRA DA ANTA ESFOLADA

    • Obrigada pela presença, prezado Manoel Bernardo Moraes! A música nos leva a lembranças marcantes da nossa vida. Esta é uma. Nunca esqueci essa passagem de ano 59/60, pois eu era meninota e também tive medo da possível invasão de macacos…rsrs

      Desejo a você e sua família, um Feliz Ano Novo!

  1. Eita gôta serena. Numa das vezes que adentrei no Cabaré eu citei a primeira estrofe e o Papa Berto matou na hora sobre a música, que eu me lembrava bem da infância mas não sabia intérprete nem autores. Agora tenho o registro total. Grato pelos registros!

    • Obrigada pelo comentário, prezado nilson araujo!
      Fiquei feliz com suas palavras!
      Nunca esqueci essa passagem de ano (59/60), pois eu, ainda meninota, também estava com minha mãe na barraca da Igreja, e também sofri com medo da possível invasão de macacos…rsrs
      Quando o dia clareou, foi uma alegria só! A profecia não se cumpriu….Ninguém virou macaco!!! rsrs

      Feliz Ano Novo, para você e sua família!.

  2. Violante,

    Excelente a crônica sobre o boato, no final de 1959, repercutindo em todo Brasil de que um profeta havia insinuado que em 1960 os negros iriam virar macacos (sic). Os compositores imediatamente aproveitaram a deixa e fizeram o frevo-canção “Operação Macaco” (Sebastião Lopes/Nelson Ferreira). interprete Nerize Paiva. acompanhamento: Orquestra. nº da matriz. R-1099.

    O que hoje soa como piada de mau gosto, na época, ganhou espaço na imprensa porque inspirou Sebastião Lopes a compor o frevo canção Operação Macaco, em parceria com Nelson Ferreira, autor do arranjo. Trecho da letra, inimaginável hoje, mas que foi um dos grandes sucesso do Carnaval de 1960: “Dizem que em 60/negro vai virar macaco/ora, vejam só, que grande confusão/se é verdade esta operação macaco/penca de banana vai custar um milhão”. A música foi elogiada pela imprensa e virou uma das campeãs em execução no rádio.

    Na verdade, não havia intenção alguma de racismo, até porque tanto Nelson Ferreira quanto Nerize Paiva eram, como a maioria da população brasileira, pertence a cor morena. Ainda assim o frevo canção causou um certo embaraço e foi alvo de críticas.

    Meus parabéns a prezada colunista por tocar em um assunto delicado de forma educativa, histórica e com a leveza de quem domina a escrita. Lembrei-me de uma frase do escritor russo Leon Tolstói (1828-1910): “Se queres ser universal, começa por pintar tua aldeia”.

    Desejo um final de semana pleno de paz, saúde e bom humor!

    Aristeu

    • Obrigada pelo gratificante comentário, prezado Aristeu!
      No final de 1959, esse boato se propagou por todo o País, principalmente no interior nordestino. A música “Operação Macaco” foi um sucesso, antes e depois do carnaval..
      No último dia do ano (59) em Nova-Cruz, houve muita crise de pânico, antes da passagem do ano. Mas ao amanhecer o dia, a alegria foi geral. Ninguém virou macaco!!! A profecia não se cumpriu. rsrs
      Hoje, o boato seria divulgado nas redes sociais, e considerado crime de “FAKE NEWS”; e os autores da música Operação Macaco estariam em maus lençóis!!!

      Desejo a você também um final de semana pleno de paz, saúde e bom humor!

      Feliz 2024!

  3. Em 1959 minha mãe estava gravida da minha irmã (Nega) e eu com 06 anos de idade, dizia a meu irmão que a barriga era de um “nego” o que o fazia chorar até o nascimento da “nega” em abril de 1960. No dia 02 de abril de 1960, meu Pai chegou em casa e disse: Vão se arrumar para conhecer a “Nega” na maternidade. Se meu irmão não tivesse apenas 05 anos teria enfartado naquele dia. Todos que a conhecem a chamam de “Nega” até hoje por minha causa. Hoje a “Nega” é Professoura Doutora e o Chorão é Médico Cirurgião e a Nega é muito querida por todos. Obrigado Violante por me fazer recordar esta história.

    • Obrigada pela gentileza do comentário, prezado MARCOS JOSÉ GREGO LINS!
      A “profecia” de que negro iria virar macaco, na passagem de 59/60, mexeu com o juízo de muita gente, principalmente das crianças.
      Seu irmão deve ter sofrido muito, com você dizendo que da barriga de sua mãe grávida, iria nascer uma “nega”.rsrs. Ainda bem que você não disse que iria nascer um macaco….rsrs Acho que ele nunca se esqueceu disso.
      O meu irmão que, tremia de medo que os negros virassem macaco, também nunca esqueceu essa passagem de ano. Por coincidência, também é médico (proctologista).
      Fiquei feliz, por meu texto ter lhe trazido lembranças de um tempo em que não havia maldade.

      Feliz 2024!

  4. Querido Editor Luiz Berto:

    Seu texto é formidável e riquíssimo! Deve ter me inspirado, inconscientemente, para que eu escrevesse sobre o mesmo tema, mesmo com pobreza de detalhes, haja vista que Nova-Cruz, na época dessa “profecia”, não tinha nem energia elétrica. “Operação Macaco” se ouvia num rádio à bateria.
    Os leitores do JBF merecem que você poste novamente seu excelente texto, aproveitando a passagem de ano que se aproxima.

    Obrigada por me lembrar do seu texto. Adoro esse tema, que revolucionou Nova-Cruz, na época em que negro era negro mesmo. Era um tempo em que a maldade não tinha nascido.

    Grande abraço!

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