JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

Toda e qualquer cidade tem seu ponto de referência. Seu ícone, ainda que não seja o ponto principal da cidade.

Em Recife, por exemplo, temos o “Marco Zero”; em Salvador temos o “Pelourinho”; no Rio de Janeiro temos a “Cinelândia”; em Ribeirão Preto temos o “Bar Pinguim”. Até em Palmares/PE, temos o local da roubalheira, onde funciona a roleta do Cu-Trancado.

Assim, em Fortaleza não poderia ser diferente. Com tantos lugares repletos de passagens históricas, de momentos de glórias – mas o ícone será sempre a Praça do Ferreira. Era ali que muitas coisas aconteciam, aconteceram e continuarão acontecendo. É o coração da cidade.

Ali, onde hoje é o ponto mais importante e “falado” da cidade, um dia já foi tão insignificante que poucos se preocupam em saber. Foi um areal onde existia apenas umas poucas e crescidas árvores (mongubas e castanholas) e uma cacimba. Ainda sem denominação oficial, a famosa Praça do Ferreira era conhecida por “Feira Nova”, por ser ali que acontecia uma feira nos finais de semanas.

Por volta de 1842, a praça já recebera novo nome: Praça Dom Pedro II, denominação sugerida pelo próprio construtor e então presidente da Câmara – Antônio Rodrigues Ferreira, boticário, que aproveitou para instalar seu primeiro “negócio” na então Rua da Palma, hoje conhecida como Rua Major Facundo.

Esse comércio de medicamentos manipulados ganhou fama. Era na frente ou dentro do próprio estabelecimento, que passou a ser conhecido como Botica do Ferreira”, que a maioria das pessoas cultivou o hábito de se encontrar, transformando-o numa referência local. E isso foi o ponto inicial para que a Botica do Ferreira, após mudar de lay-out, se transformasse na hoje Praça do Ferreira, a partir do ano de 1871.

Antiga foto de urbanização da Praça do Ferreira no século XIX

Fortaleza crescia. Novos bairros se formavam a partir de pessoas tangidas dos lugares onde nasceram pela escassez de trabalho, principalmente aqueles voltados para a agricultura.

Influenciadas pelo fato do movimento abolicionista de 1882, em Redenção, distante dali por apenas 55 km, famílias, agora “livres da escravidão formal”, partiram em busca de novos rumos. Como Fortaleza não ficava tão distante, esse foi o local mais procurado.

A população da capital cresceu (não apenas por esse motivo) e novos bairros surgiram na periferia. Mas, o “ícone” ainda era a já Praça do Ferreira.

A partir de então as necessidades foram impondo as reformas. Lojas comerciais, cafés e demais pontos de encontros e reuniões. Quiosques foram erguidos. A política chegou e passou a ter importância de alta relevância na cidade. E a Praça do Ferreira era o local escolhido para a solidificação das parcerias. Três novos pontos surgiram. Na realidade, três quiosques onde se tomava café e conversava: Café do Comércio, Café Elegante e Café Java.

Novo lay-out da Praça do Ferreira onde já aparece o relógio

A então gestão pública ganhou o seu quinhão. Foi ali que surgiu o primeiro ponto de funcionamento da fiscalização, erigido pela Companhia de Luz.

Por sua vez, a mesma gestão municipal tomou a iniciativa de privatizar e gradear a secular cacimba que atendia o serviço de água para a comunidade. Sobre a cacimba mandou instalar um cata-vento para facilitar o bombeamento da água. Foi construído ali, também, um jardim que deu novo visual à Praça do Ferreira.

Finalmente, a partir de 1920, o então prefeito Godofredo Maciel resolveu dar uma forma urbanística definitiva para a praça. Mandou demolir os quiosques, haja vista que perderam a importância no desenvolvimento da cidade. Em seguida mandou ladrilhar a imensa área e aproveitou para construir um famoso coreto, que anos depois seria demolido pelo município e ali colocado o famoso relógio que, reformado por várias vezes, enfeita o principal cartão postal do centro de Fortaleza.

A atual Praça do Ferreira

Após ter sido em 1839 um imenso areal, em 20 de dezembro de 2001, pela lei municipal 8.605, a Praça do Ferreira foi oficialmente declarada Marco Histórico e Patrimonial de Fortaleza.

Durante anos, a hoje Praça do Ferreira foi palco de fatos e momentos históricos que marcaram a vida fortalezense. Surgiriam nos anos seguintes os bares, cafés, agências bancárias, cinemas em lugares onde antes, existiam apenas o Boticário Ferreira e sua significativa importância para as decisões políticas, sem esquecer os membros que compunham a Padaria Espiritual.

Chegaria sem demora a época do abrigo, costumeiro ponto de encontro e discussões de assuntos da política, da segurança da cidade e, principalmente, do futebol. Chegariam os hotéis Savanah e o Cine São Luiz para somar à vida noturna e boêmia da cidade ao lado do já existente Excelsior Hotel e Clube do Advogado – esses dois últimos na esquina da Rua Guilherme Rocha, mas voltados para a Praça do Ferreira.

14 pensou em “A PRAÇA

  1. Bom dia amigo Jose Ramos, muito boa a sua reportagem de hoje, voce disse tudo, só vou acrescentar um pequeno detalhe, no Abrigo Central todo dia agente saboreava no Pedão da Bananada, aquela gostosa vitamina com leite Maranguape, que era fornecido em garrafas de vidro, um abração!!!! Obs. Quando eu conheci a Praça do Ferreira já tinha o Abrigo, me esclareça por favor, (não é a letra do Fuscãopreto não) é que penso que na epoca da criação da praça, ainda não tinha o Abrigo, ele veio depois, certo?

    • José Claudino, obrigado. É isso sim. Se você conhece a praça, quando fica de frente para o Cine São Luiz, os primeiros movimentos aconteciam para o lado esquerdo, onde funcionava a Miscelânea, hoje Leão do Sul. O abrigo ficava para o lado direito, na frente da Guilherme Rocha. Respondendo: ainda não existia o abrigo. O abrigo é algo recente. Detalhe: estou fora de Fortaleza desde 1967, quando mudei para o Rio de Janeiro. Em Fortaleza trabalhei na “Chevrolet”, na Sena Madureira; e na Western, na Castro e Silva. Não acompanhei a demolição do abrigo nem esse novo desenho da praça, mas sei da importância do abrigo para o logradouro. Era a mesma importância inicial da Botica do Ferreira.

    • Assuero: tenho voltado pouco à Fortaleza. Ainda tenho familiares por lá, por isso ainda visito, mas sem tanta frequência. Minha ex-mulher, de quem sou divorciado, é de lá e mora lá com minhas duas filhas mais velhas, que são cariocas. Tenho dois irmãos que ainda moram lá. Aliás, nunca saíram de lá. Fortaleza cresceu muito. Mudou para melhor. Desenvolveu, mas tem os mesmos problemas de violência das grandes cidades. A rede hoteleira é ótima, os restaurantes e bares, idem e o trânsito para veículos está sempre sendo melhorado. Sem bairrismo, pois estou fora de lá desde 1967, dizem que é hoje a principal capital do Nordeste, superando em muito Recife e Salvador. Eu não afirmo isso, pois não vivo lá.

  2. Caro Jose Ramos-Enxugandogelo-vc escreve tão bem que a gente viaja no tempo, rememora bons momentos, sente aquela saudade imensa do passado. Esta linda crônica sobre a Praça do Ferreira é simplesmente genial. Fantástica. Lembrei dos meus tempos do inesquecível Liceu. Depois das aula, vinha a pé até a dita Praça, e lá, a Bananada do Pedão, no Abrigo Central, (bem lembrado pelo José Claudino) saboreava diariamente a famosa bananada, enquanto ouvia os debates sobre o Fortaleza, Ceará (meu time do coração), Ferroviário e o Calouros do Ar. Quanta saudade daqueles velhos e bons tempos. Aquele abraço. .

    • Carlos, agradecido, amigo. Não sabia do seu tempo no nosso Liceu. Ali entrei em 1957/8 e saí em 1964. A rua que a gente usava para caminhar é a Liberato Barroso. Eu nunca entendi por que, mas não gostava de andar pela Guilherme Rocha. A primeira praça que a gente alcançava era a José de Alencar. Como as tripas estavam roncando e pedindo comida, eu ia era para casa almoça. Na parte da tarde ia para a Praça do Ferreira, sim. Ali a gente via o vento cabuloso levantar as saias das meninas/mulheres. O “cachorro quente” do Pedão, na verdade era tripa de boi e bucho batidos. Ele entupia com alface e coentro. Mas era realmente maravilhoso. Como você falou em futebol, esse foi um dos motivos que me levaram a sair de Fortaleza. Eu era Árbitro, já do quadro principal da federação, e meu irmão Oliveira Ramos era narrador da PRE-9 e depois da Assunção. Ele que criou o slogan “Aí é Ferrim meu filho”. As pessoas confundiam, achando que eu era torcedor do Ferroviário também. Na realidade eu torço é pelo Ceará.

      • “Aí é Ferrim, meu filho”

        O vascaíno Sancho é simpatizante do Tricolor da Estrada de Ferro, matando a saudade sempre que vai em buca do mar em Fortaleza. Minha simpatia começou com um namorico por uma cearense linda, apaixonada pelo tricolor, que me levava ao estádio e me “obrigava” a torcer ou ficar sem seus beijos. Como não era fácil ficar sem beijar a morena, “aí é Ferrim, meu filho”.

        Beijão, Zé!!!!!!!!

        • Sancho, beijavas por interesse ou torcias porque beijava? Ferroviário sempre formou bons elencos e ótimos times. Tinha uma torcida fiel. Estranhamente assumiu a posição de terceiro clube do Ceará.

  3. Este cabra, alem de escrever magistralmente, sabe “atiçar” nossa memória afetiva, não tem como fugir das boas lembranças, sai de Fortaleza em 17/12/66 e vim morar em Brasília, voltei apenas tres vezes, a última em 2013 com esposa e tres netos, fiz questão de leva-los a Leão do Sul para comer pastel e tomar caldo de cana naquela cascata de gelo, adoro “minha” cidade, sou torcedor do Ceará, longe da rivalidade, também torço pelo Fortaleza no campeonato nacional, enfim ZéRamos, voce alegrou mais uma vez, o meu domingo. Obrigado amigo!

    • Marcos, o Leão do Sul um dia já foi Miscelânea. O pastel era de vento e o caldo de cana era uma garapa. Depois mudou e melhorou. Criaram o Romcy, que também servia merenda e isso criou uma boa concorrência. Os salgados começaram diversificar. Surgiu o pastel com camarão, com peixe, e até com lagosta. Agora, se você quiser comer algo gostoso, sugiro o pastel com queijo de leite caprino. Afffmaria. Esse queijo servido com um refesco de cajá ou murici, ou ainda de graviola, não tem concorrência. Ultimamente tenho dado preferência à “limonada suísa”, que é um antídoto à C-19. Faz com mel de abelha. Eu gosto e acho que me faz bem.

  4. Jose Ramos, eu de novo, voce me lembrou uma passagem que sempre estou me lembrando, SILVEIRA ALENCAR na Sena Madureira, eu cheguei em Fortaleza quando voce estava saindo e trabalhei no ramo de Autopeças até 1980, conheci todas as firmas do ramo, Entre outras, Cimaipinto, e por falar em Cimaipinto, me lembrei, até hoje uso um circulador de Ar de uma fabrica em São paulo que pertencia ao Sr Fernando Alencar Pinto um dos socios de Cimapinto, neste momento o circulador Bomclima me refresca um pouco, pois estamos num calor fora do comum, moro em Ipiranga do Piaui, aqui é serra e estamos numa altitude de 410 mt o clima aqui sempre foi ameno, agora ta botando pra tirar do ramo, são 12 h e já estamos em 37.5 graus, meus 3 filhos moram em Fortaleza. O mais velho mora em uma casa que é nossa na Rua Sen Catunda pertinho onde ficava nas antigas o Colegio Capistrano de Abreu, que ja mudou de nome, aquele abraço, amigo!!!

    • Claudino, era assim, sim. Organização Silveira Alencar, carinhosamente conhecida por Chevrolet. Vendia os produtos Frigidaire. Trabalhei cerca de dois anos ali e fiz um rápido concurso para ter acesso à Western (companhia inglesa que pagava excelentes salários – inclusive naqueles anos, pagava 14 salários anuais ao funcionários, quando ainda não existia o décimo terceiro. Eram as chamadas gratificações junina e natalina.Sinceramente falando, pela primeira vez leio o nome desse lugar Ipiranga do Piauí. Ando sempre para o lado de Campo Maior, Parnaíba, Piracuruca, Luiz Correia, etc. Esse lugar fica para o lado de Picos, creio.

    • Claudino, entendi. tenho um amigo que mora para essas bandas, e é da família “Moura Fé”. Lugar bom de criar caprinos e fazer queijos – os melhores do mundo são de leite caprino. Por sinal, criança, só conheci dois leites. O materno e o de cabra. Fui criado com os dois.

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