VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

Numa rua simples, de uma capital nordestina, o assunto mais comentado, há vários dias, era a saída misteriosa, pela madrugada, de Madalena, uma mulher linda e jovem, desde que lhe morrera o marido.

Os comentários eram agressivos entre as vizinhas, de janela para janela.

– Ontem à noite, fiquei de “plantão”, olhando pela rótula da janela, e vi tudo…Dizia a maldosa d. Maroca.

Outra respondia:

– A safada esperou que se fechassem todas as casas, abriu a porta, olhou de um lado para o outro, e como não havia ninguém, colocou um xale e saiu, só Deus sabe pra onde!!! Acho que ela vai se encontrar com algum sujeito muito rico. Não resta dúvida de que está prostituída, e já esqueceu o infeliz do falecido.

E o falatório era fogo cruzado:

– Guilhermina me contou que, outro dia, quando voltava de uma festa, tarde da noite, a encontrou saindo de casa. A degenerada cobriu o rosto com o chale, pra não ser reconhecida…

– Que mulher baixa, cínica e desavergonhada! – Isso era o mínimo que se dizia contra Madalena.

Propagado o escândalo pela redondeza, alguns moradores da rua em que morava Madalena, ficavam à espreita, horas e horas, aguardando, pelas frestas das janelas, o momento da sua saída.

Quando as rótulas se escancaravam, as cabeças apareciam e o falatório recomeçava, com a voz estridente de dona Marilu:

– Vocês viram a que hora essa “messalina” saiu de casa, ontem pela madrugada???

E a vizinhança respondia em coro uníssono:

– Somente um cego não vê uma coisa dessa! O defunto deve estar estrebuchando na cova, de raiva e vergonha…

E os comentários se espalhavam, cada vez mais:

– Quem diria! Era muito sonsa!!! Já devia chifrar o marido, há muito tempo! E o infeliz pensava que ela era uma santa!!!

Certa noite, alta madrugada, instigados pelas mulheres, alguns vizinhos acompanharam, à distância, os passos da notívaga, para desagravo do ultrajado morto.

Escondendo-se entre portais e árvores, olhando de canto a canto e pisando pé ante pé, os homens seguiram a mulher, de rua em rua, até que a viram chegar a um campo deserto, em frente a um mercado. E viram, enxugando os olhos, enquanto abria as torrentes do seu pranto, a “cadela”, “pervertida” e “degenerada”, que, saía todas as noites, mergulhada nas trevas, a disputar com os porcos, no lixão do mercado, frutas estragadas, para matar a fome dos três filhos, que todas as noites adormeciam de fome..

8 pensou em “A NOTÍVAGA

  1. É , de certo ponto de vista a estória é válida . Mostra os sentimentos de um lado e de outro .Seres humanos são fadados a isto , tanto para salvar como condenar.
    Porém esperar a calada da noite para buscar frutas deterioradas para os filhos famintos ,não seria uma boa ideia .
    E uma mulher tem algo melhor que a beleza : Ser mãe , ter garra , o apego em cuidar dos filhos. Coisa que poucos , homens tem. Muitos tem estas atitudes apenas por obrigação legal.
    Já ouvi muitos se gabando de terem filhos com esta ou aquela . Filhos que não cuidam .
    São apenas reprodutores. Se acham os reis da cocada preta.
    Uma boa estória sobre os caminhos que tomamos voluntária ou involuntariamente em nossas vidas . As vezes , mesmo sem querer ouvimos parte de conversas e concluímos
    errado . Vemos parte de cenas , e concluímos o filme erroneamente . Acontece !.

    • Obrigada pela gentileza do comentário, prezado Joaquimfrancisco!

      Essa cena de extrema miséria, anos atrás, era comum. A viúva pobre era alvo de penúria e comentários maldosos.

      “Pai para os órfãos e defensor das viúvas é Deus… Deus dá um lar aos solitários…” (Salmo 68.5-6)” .

      A viúva deixava que os filhos pequenos adormecessem, para ir catar comida no lixo. Mas a vizinhança, ávida por baixaria, tirava conclusões precipitadas, ao invés de procurar ajudá-la.
      Assim é a humanidade…

      Bom final de semana!

  2. Estimada Violante, deixaste-me deveras comovido. Gostei muito da misteriosidade que imprimiste nessa tão bem articulada história. Os rumores infundados, que o vulgo chama de boatos, me parece que estão impregnados na alma humana. Muito me agrada quando autores sensíveis, igualmente a você, dão um final feliz à história, revelando a verdade e trucidando a maldade advinda das línguas viperinas. “…E viram, enxugando os olhos, enquanto abria as torrentes do seu pranto, a “cadela”, “pervertida” e “degenerada”, que, saía todas as noites, mergulhada nas trevas, a disputar com os porcos, no lixão do mercado, frutas estragadas, para matar a fome dos três filhos, que todas as noites adormeciam de fome..”.
    Confesso que chorei! Parabéns! Um forte abraço desde Fortaleza. Boaventura.

    • Obrigada pelo comentário gentil, prezado Boaventura!

      O caso é comovente e mostra até que ponto pode ir a maldade humana.

      Uma viúva pobre e jovem, lutando desesperadamente pela sobrevivência dos filhos, ao invés de contar com a ajuda da vizinhança, era espionada, ultrajada e seguida, até ser descoberta catando lixo no pátio de um mercado.
      A caridade para com o próximo, nesse caso, estava longe de existir.

      Grande abraço.

  3. Maravilhosa história, Violante!

    Desfecho genial, por ser interessante e inesperado o fuxico.

    A malícia humana não tem limites. Aos poucos está arrefecendo na cidade grande, mas o interior ainda sofre com essa maledicência típica dos macacos que veste calças, como se referia ao ser humano uma professora de Biologia.

    Obrigado, querida cronista por mais essa crônica deliciosa.

    Fraternais saudações, com ótimo final de semana para a Dama das Crônicas do JBF e todos os seus entes queridos.

  4. Obrigada pelo carinho de suas palavras, querido cronista Cícero Tavares!

    A maldade humana não tem limites, quando se trata de denegrir a imagem de uma viúva pobre e jovem, que luta, desesperadamente, pela sobrevivência dos filhos.

    Em vez de contar com a solidariedade da vizinhança, as próprias mulheres a injuriavam, com comentários perversos, enquanto ela saía, pela madrugada, à procura de comida no lixo do mercado, para matar a fome dos filhos.

    Grande abraço e um excelente final de semana!

  5. Violante,

    Demorei para ler sua excelente crônica, entretanto fui recompensado com uma narratuva bem construída e um final surpreendente. Quem fala muito mal dos outros, geralmente é uma pessoa muito insegura com a própria vida. Ao levantar todas as falhas alheias, ela sente que diminui a carga negativa dos próprios erros, e se coloca em uma posição de mentora, aquela que tudo sabe. O inddivíduo que se vicia em analisar a vida dos outros pelo viés negativo, pelo menos enquanto critica o outro, se sente melhor do que alguém, no caso, o alvo da crítica. Mas essa necessidade revela uma forte insegurança e pode se tornar um vício.Principalmente quando a pessoa cria o hábito de falar mal pelas costas. Parabéns pelo excelente texto, prezada amiga!

    Desejo uma semana plena de paz, saúde e felicidade

    Aristeu

  6. Obrigada pelo generoso comentário, prezado Aristeu!

    A maldade humana e os comentários ferinos não tem limites, quando partem de pessoas pobres de espírito.
    As viúvas e órfãos, até na Bíblia, são protegidos por Deus.

    “Pai para os órfãos e defensor das viúvas é Deus… Deus dá um lar aos solitários…” (Salmo 68.5-6)” .
    Foi grande o desapontamento dos perversos vizinhos, depois de seguirem a viúva pela madrugada e se depararem com ela enxugando as lágrimas, enquanto disputava com os porcos, no lixão do mercado, a comida que mataria a fome dos seus filhos.

    A solidariedade humana passava muito longe dessas pessoas..

    Uma ótima semana!

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