JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

A lagarta procurava o luar mais alto – para de lá tentar voar

Acostumada a produzir o que comia, mania que herdou dos pais e avós, Zefinha transformou a área onde morava numa verdadeira horta. Nunca pensou em “produzir para exportar” e no futuro ser incluída numa comunidade “Agro”. Sempre se conformou em poder produzir (graças à Deus!) o suficiente para comer ao lado da família.

Semeava e comia batatas. Semeava e comia feijão. Semeava e comia milho. Semeava e comia macaxeira, tomate, jerimum, cebolinha, cenoura, goiaba.
Algumas flores, cultivava. Até construiu um caramanchão, pensando em um dia fazer “selfies” com os netos.

Zefa tinha uma preferida entre todas plantas que cultivava. Um frondoso “pé de lírio” de flores brancas e cheirosas – também usava o “leite” para fins medicinais, para curar “dedos desmentidos”. Fazia um emplasto de pano velho ou algodão, e amarrava no “desmentido”.

Mas, ali naquele “pé de lírio” vivia um morador diferenciado. Uma moradora, aliás.

Era uma lagarta muito bonita. Daquelas que comem todas as folhas até “espocar”. E, tal qual fazia minha Avó, Zefa vivia dizendo que aquela lagarta era propriedade dela. Ela que havia descoberto e alimentado com as folhas do “pé de lírio”. Ninguém a convencia do contrário.

Mas, aquela lagarta fora proibida de sair do “pé de lírio” para tentar passear pelo caramanchão. Se desobedecesse, seria jogada para o chão, onde viraria “jantar das galinhas”!

Eis que Zefa passou a chamar aquela lagarta de “Comadre”. Ninguém entendia essa escolha. Nunca houvera batismos, crismas nem passagens nas fogueiras juninas. Mas, estava decidido por Zefa: era “Comadre”. E pronto!

“Comadre”, enquanto continuava comendo folhas, acalentava dois desejos: voar, era o primeiro. Voar para conhecer o caramanchão, era o segundo desejo.

O tempo passava correndo. “Comadre” rezava todos os dias antes de “pegar o travesseiro reparador”. Rezava pedindo à Deus para que se transformasse num casulo. Acordava durante a noite, em meio aos sonhos onde se “pegava” voando para aquele mundo florido que era o caramanchão.

Estava terminando o outono. Em seguida chegaria o inverno e, se o mundo continuasse mundo, em breve viria a primavera – tempo da floração e da vida colorida.

“Comadre” foi atendida pela Natureza e se transformou numa borboleta

Certo dia, com os olhos grandes e quase saltando das órbitas, “Comadre” sentiu calafrios. Olhou em volta de si mesma e percebeu algumas alterações. Tinha em volta de si, o início da formação de um casulo e, quando tudo estivesse concluído, a realização dos sonhos de querer voar. Voar e conhecer o caramanchão.

As folhas protegeram o casulo das fortes chuvas. Foi assim, durante o duradouro inverno.

Na casa, Zefa dava voltas procurando a “Comadre”. Mal sabia que “Comadre” agora vivia a transformação de tudo dentro de um casulo e em breve realizaria o sonho de voar. Na verdade, “Comadre” nunca se conformou em ser uma lagarta devoradora de folhas, sem o direito de conhecer as belezas da vida – pelo menos a beleza que ela imaginava existir ali ao lado. Naquele lindo e florido caramanchão.

Parecendo um milagre – e era, o milagre da transformação pela Natureza! – logo no primeiro dia da primavera o casulo se abriu. Dele, aos voos ainda cambaleantes saiu uma borboleta, que durante alguns meses não passava de uma lagarta.

E agora, realizando sonhos que acalentaram a vida anterior, como se tivesse conhecimento do que a lagarta sonhava, a borboleta voou e pousou nos primeiros ramos floridos que enfeitavam o caramanchão.

MORAL DA HISTÓRIA: “Ainda que você seja uma gorda e vagarosa lagarta, nunca desista do sonho de querer voar.”

8 pensou em “A LAGARTA QUE QUERIA VOAR

  1. Maravilha de texto ZéRamos, mas o terceiro parágrafo me levou a infancia, “dedos desmentidos”, ri muito, há tempos não escutava esta frase. Quantos dedos “não desmenti” subindo em árvores e caindo, ou jogando futebol (era goleiro).e usava o tal emplastro. Obrigado amigo e bom domingo!

    • Marcos: o goleiro “desmentia” o dedo da mão. O jogador de linha arrancava o chaboque do dedão do pé, quando errava a bola e acertava o chão. Kkkkkkkk

  2. Porra, Zé,
    Haja coração… Li com muito cuidado o texto, temendo a cada linha que ao metamorfoser-se, a comadre da Comadre matasse a borboleta. Ufa, isso não aconteceu.
    Quanto aos“dedos desmentidos”, assim como Marcos também muito usei emplasto envolto em pano velho, pois como o comentarista, também fui goleiro (glorioso Juparanaense Sport Club), de minha Desengano querida.

    Abração, Zé Poeteiro (não confundam com punheiteiro, que é outra coisa)!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    • Sancho, começo pelo fim do seu comentário. Quando a gente tocava uma punheta na gente mesmo, era muito bom. Quantas vezes eu transava com Vera Fischer, Jane Fonda e outras dessas mais. Affmaria! Hoje, infelizmente, tem gente que gosta de “tocar” é nos outros. Zulive!

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