MAURÍCIO ASSUERO - PARE, OLHE E ESCUTE

Na semana passada falamos sobre a questão sexual na Igreja Católica. O desejo sexual reprimido cria um monte de alternativas para pedófilos ou tarados. Hoje vamos falar sobre a questão política da Igreja. Começo dizendo que há uma interpretação errada do Evangelho no que concerne ao posicionamento de Cristo em relação aos ricos. Jesus não condenou ninguém, apenas esclareceu que a riqueza é um óbice à evolução espiritual porque deixa as pessoas presas ao materialismo.

Há uma passagem na qual um jovem rico pergunta o que deveria fazer para chegar ao reino de Deus e Jesus responde dizendo que ele cumprisse os mandamentos e que vendesse tudo que dia e distribuísse com os pobres. Diante da recusa, Jesus sentenciou: “é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar nos reinos dos céus”. Muitos ainda pensam que a “agulha” é essa usada para costurar. Agulha eram as ruas estreitas de Jerusalém. Tão estreita que um camelo não conseguia dobrar uma esquina.

A intepretação do Evangelho ao pé da letra levou, sempre, as pessoas a temer a Deus e isso foi um instrumento importante de dominação. Mas, desde a Idade Média que a Igreja exerce um poder político, basta lembrar que o Papa fazia a coroação de reis. Eu entendo que a Igreja tem o direito de cobrar políticas públicas, de se preocupar com a população carente, etc., entretanto, discordo da posição ideológica. Não há como ser cristã assumindo uma ideologia que fere diretamente os preceitos do Cristo.

Uma das representações mais intensas da Igreja Católica é a CNBB – Confederação Nacional de Bispos do Brasil. Essa confederação foi criada em outubro de 1952 e teve como seu primeiro secretário o conhecido Dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife durante 21 anos, ou seja, igual período que durou o regime militar no Brasil. Durante esse período surgiram segmentos dentro da Igreja que, eventualmente, ao buscar a defesa de uns, incitava a luta armada de outros.

Uma das vertentes mais fortes na igreja foi a Teologia da Libertação defendida por Leonardo Boff que acabou sendo excomungado da Igreja em 1977 pelo Papa João Paulo II. A base para a expulsão de Boff foi que a Teologia da Libertação era de cunho marxista e violava os preceitos da Igreja. Eu era estudante universitário e havia me tornado fã de Frei Betto e hoje eu digo veementemente que ao ler os livros de Frei Betto eu troquei o Cristo que eu conheci em Tabira – que falava de perdão, amor ao próximo, e por aí – por esse de cartucheira atravessada no tórax e uma submetralhadora em cada mão. Mais tarde, a decepção foi intensa e eu perdi a referência de Cristo que eu tinha.

As pautas da ideologia marxista são, frontalmente, contra aquilo que a igreja prega. Contracepção, por exemplo. Mesmo durante o período de propagação da AIDS no começo dos anos 1980, a igreja se colocou contra o uso de camisinha e essa semana um juiz negou provimento de uma causa movida contra o Hospital São Camilo, em São Paulo, por uma paciente que queria a implantação de um DIU, mas o hospital disse que era contra os princípios que pregados pela instituição e não fez. O juiz entendeu que o hospital tinha razão.

A questão do aborto é colocada como uma política pública e as pessoas que defendem querem que a igreja aceite e até apoie. Dom José Cardoso quando era arcebispo de Olinda e Recife, excomungou um médico e um monte de outros profissionais que fizeram o aborto de uma criança de 9 anos. Esse procedimento foi realizado na maternidade da Encruzilhada, uma das mais conhecidas do Recife.

Eu penso que a questão é simples: se não concorda com os preceitos impostos, saia, concorra a cargo eletivo e procure aprovar projetos de acordo com sua convicção. O padre, o bispo, o Papa, quem quer que seja, tem o direito de defender uma linha de pensamento, mas na hora que faz isso no cargo, mistura homem e instituição e aí fica-se a ideia de que é a instituição quem defende tal proposta.

Uma coisa eu acho interessante: que defende o comunismo, nunca viveu num país comunista. Essa foi uma das coisas que mais me incomodou quando era estudante universitário com a cabeça voltada para o socialismo: o único revolucionário que saiu do Brasil para viver num país comunista foi Gregório Bezerra, enquanto os demais usufruíram das benesses de país capitalista. Miguel Arraes foi para a Argélia, Francisco Julião foi para o México, Leonel Brizola foi para o Uruguai e vai por aí.

Cabe lembrar, no entanto, que um cardeal chamado Karol Wojtyla, viveu na Polônia quando jovem, quando lá havia o regime comunista e que quando se tornou Papa João Paulo II trabalhou, ao lado de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, para acabar com o comunismo no leste europeu. E conseguiram. As repúblicas socialistas soviéticas derretam ao calor da liberdade democrática; o muro de Berlim caiu, unificando a Alemanha. Pergunta-se: existem pessoas na Igreja Católica que gostariam de ver tudo como antes?

Confesso que a linha é muito tênue. Alertar sobre direitos e garantias individuais não parece semelhante a doutrinar. No meu entendimento quando a igreja incentiva invasões ela está trabalhando por coisas terrenas e para mim seria de vital importância lembrar: “Dai a César o que é de César. Dai a Deus o que é de Deus”. É por isso que carrego minha igreja nas costas.

7 pensou em “A IGREJA E SEU PAPEL: PARTE 2

  1. Caro Maurício, não tinha visto a parte 1 de sua coluna sobre a Igreja e seu papel, voltei e li as duas partes.

    A Igreja foi fundada por Cristo em sua passagem há cerca de dois mil anos atrás:

    Mateus 16, 18. “Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela;”

    Esa Igreja mudou o rumo da história da civilização ocidental, que passou a uma nova era fundamentada em:

    – Todos os homens são iguais, coisa que não existia até então;

    – Exaltação à família como o núcleo base da sociedade, daí a colocação do matrimônio como monogâmico e indissolúvel;

    – A prática do perdão e da caridade como a forma de se chegar à Deus. A vingança e o olho-por-olho ficou para trás;

    – a valorização da vida em todas as formas, da liberdade de pensamento e do direito à propriedade.

    A filosofia e a moral cristã tem seu fundamento nos pensamentos de S. Tomás de Aquino e Santo Agostinho, que foram buscar suas bases em Sócrates e Platão, na Grécia antiga.

    A Igreja, como instituição humana não é infalível, nem santa. Nestes últimos 2 mil anos teve altos e baixos, porém moldou nossa sociedade.

    Sua influência e poder foi tão grande que gerou dissidências nos últimos 500 anos, sendo que nos últimos 200 anos, derivado do iluminismo, surgiu o Marxismo, que tem como fundamento a destruição dos valores colocados acima.

    O Marxismo e socialismo foram repudiados de forma veemente pelo Papa Pio XII, de tal forma que quem tem este pensamento está automaticamente excomungado da Igreja

    Quem não se encaixa nos valores fundamentais, pode procurar outras religiões, que não seria discriminado pelos verdadeiros cristãos.

    Também quem já se separou, é homossexual, também pode procurar consolo espiritual na Igreja, que não será repudiado.

    Que a Igreja Católica passa por um cisma, isso é um fato e se principiou no Concilio Vaticano II. É a pior crise de sua história e passará por isso.

    É um assunto extenso e esta é minha posição

    Abraço

    • João, acho que temos visões semelhantes. Hoje a religião tem tudo, menos os ensinamentos cristãos. Com raras exceções a gente vê, aqui ou ali, uma semente do Evangelho. O resto é dominação, abuso, vergonha.

    • João, apenas pra complementar: Cristo não tinha preconceito. Pedro disse que “Deus abomina o pecado, mas ama o pecador”. Então, não é por ser homossexual que o cara será esquecido por Deus. Eu falei sobre Frei Damião, que quase santo aqui no nordeste, e tem uma coisa que aconteceu com minha irmã que a deixou arrasada.
      Ela frequenta a igreja da Penha e saí de casa antes das 5h, toda sexta-feira pra ir a essa igreja porque tinha a “benção de São Félix”. Numa ocasião ela viu Frei Damião indo para o confessionário e correu pra “se confessar” com ele. Ela se ajoelhou, fez aquele ritual, e aí ele perguntou qual a situação civil dela. “Divorciada!”, respondeu. “Então levante-se e quando resolver sua situação, você se confessa”.
      Ela me contou isso a noite quando eu cheguei em casa. Estarrecida, chorava. Daí, eu perguntei o que ela tinha respondido e ela disse “nada”. Então, eu disse:” você deveria ter mandado ele pra puta que o pariu. Jesus nunca rejeitou ninguém, porque esse bosta se acha superior a ele?”.
      Ela caiu na risada, relaxou e nunca mais quis saber de Frei Damião. Continuou indo a igreja. Era muita católica.

      • Caro Assuero, a situação da sua irmã é bem representativa do que é a fé católica.

        Uma pessoa quando se casa na Igreja promete diante de Deus e da sociedade que será para toda a vida.

        Evidentemente que, por diversas razões pode depois chegar à conclusão que a continuação do casamento está fazendo mal a si, ou mesmo pode ser abandonada pelo marido.

        Se for só a separação, esta pessoa, diante da Igreja, ainda estará casada e poderá se confessar e comungar.

        No entanto, se se casar novamente, segundo a doutrina católica, estará em pecado e não poderá mais ter acesso aos sacramentos, tais como confissão dos pecados e comunhão. Mas pode ter acesso à igreja, rezar, participar de missas, etc.

        Talvez seja esta a interpretação do Frei Damião; dura, porém correta do ponto de vista teológico.

  2. Belo e incisivo texto Maurício, concordo plenamente, quanto ao comentário excelente (como sempre) do nosso João Francisco está certíssimo, em especial em seu último parágrafo e apenas um adendo: Papa non habemus hodie!

    • Marcos, também concordo com o ponto de vista de João. A religião tornou-se um instrumento de dominação e se ramificou pra doutrinação ideológica

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