VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

A Gripe Espanhola de 1918 se alastrou pelo mundo, inclusive pelo Brasil, fazendo inúmeras vítimas. O Rio Grande do Norte também foi atingido.

Quando eu era adolescente, gostava muito de conversar com uma tia-avó muito idosa, Idila dos Santos Lima, irmã da minha avó-materna, a poetisa Anna Lima. Ela falava muito sobre a Gripe Espanhola (1918), que tinha vitimado duas irmãs suas, muito jovens, Luzia e Olindina.

Tia Idila provinha de uma prole de nove irmãos, incluindo Anna Lima, Dr.Luiz Antônio dos Santos Lima e Dr. Nestor dos Santos Lima. Com o passar do tempo, os irmãos foram morrendo, restando ela, como única sobrevivente.

Apesar do grande número de vítimas, resultante da epidemia da Gripe Espanhola, a história registra a grande luta dos médicos, em busca de soluções, através de remédios que pudessem evitar a ação da “influenza”. As autoridades, preocupadas em evitar o alastramento da gripe, fizeram uso dos jornais em todo o território nacional, para divulgar uma série de medidas consideradas úteis, visando minimizar os riscos de se contrair a doença.

Por coincidência, as recomendações eram quase as mesmas de hoje, no combate à atual Pandemia do COVID-19 (CORONAVÍRUS).

Durante a Gripe Espanhola de 1918 (INFLUENZA), a Inspetoria de Higiene recomendava ao povo:

1- Evitar aglomerações, principalmente à noite.

2- Não fazer visitas.

3- Tomar cuidados higiênicos com o nariz e a garganta; inalações de vaselina mentolada, gargarejos com água e sal, com água iodada, com ácido cítrico, tanino e infusões contendo tanino, como folhas de goiabeira e outras.

4- Tomar como preventivo, internamente, qualquer sal de quinino, nas doses de 25 a 50 centigramas por dia, e de preferência no momento das refeições.

5- Evitar toda fadiga ou excesso físico. O Doente, aos primeiros sintomas, deve ir para a cama, pois o repouso auxilia a cura e afasta as complicações e contágio; também, não deve recebe,r absolutamente, nenhuma visita.

6- Evitar as causas de resfriamento é de necessidade, tanto para os sãos, como para os doentes e convalescentes. As pessoas idosas devem aplicar-se com mais rigor ainda, todos esses cuidados.

Além dessas recomendações que foram publicadas a pedido da Inspetoria de Higiene, os médicos começaram a se manifestar rapidamente, acerca de quais seriam os remédios mais adequados para combater a epidemia que estava se abatendo sobre a população naquele momento.

No dia 19.10.1918, foi publicada no jornal “A República” uma carta enviada pelo Dr. JANUÁRIO CICCO, com recomendações à população natalense, as quais foram republicadas durante vários dias, nos meses de outubro a dezembro, no mesmo jornal. A carta continha um conjunto de medidas prescritas pelo DR JANUÁRIO CICCO, com o objetivo de combater a Influenza, abaixo reproduzida:

“ Sr. Redator de “A REPÚBLICA”,

Acreditando auxiliar a defesa da Saúde Pública, contra a epidemia de gripe ou influenza espanhola que, celeremente, se dissemina por toda a parte, e, por isso mesmo, sem medidas de profilaxia geral, devo aconselhar à população deste estado, o que se fez na França, na memorável epidemia de 1889 e 1890.

Parece ter sido Hochard o divulgador do efeito dos sais de QUININO contra a gripe e este juízo mereceu a confirmação de todos os médicos eminentes. Embora alguns contestassem o valor profilático da QUININA por ser vaso-constritor e portanto, hipertensor e como a gripo-toxina é deprimente e hipertensora, o remédio preferido antes e durante a moléstia é a QUININA, porque ela é ainda anti-térmica, anti-séptica, abrevia a convalescença e se opõe à astenia.

Ninguém espere adoecer para fazer uso dos sais de quinina; é necessário tomá-lo como preventivo, tanto mais quanto o professor Hochard acrescenta serem as formas ligeiras da gripe, sem febre, apenas com coriza e uma simples traqueíte, mas suscetíveis de agravação do que outra qualquer, pela insidiosidade da moléstia e suas complicações.

Ainda como medida de profilaxia individual, é indispensável fazer a desinfecção das fossas nasais e da boca com soluções de fenol (50 centigramas por 1.000 de água), água thenicada (5 gramas para 1.000), fenosalil (2 gramas para 1.000), água oxigenada, etc… Os cuidados da pele são indispensáveis e o uso diário de banhos mornos é aconselhável. A pulverização ou insuflação nas fossas nasais de um antiséptico não irritante (Subnitrato de bismute- 6 gramas, benfoime pulverizado – 6 gramas, ácido bórico – 20 centrigramas, mentol – 10 centigramas) completam as medidas de defesa às cavidades.

À menor indisposição que se sinta, frio, arrepios, mesmo quebrantamento de forças, coriza, guarde-se o leito, não devendo afrontar-se às correntes de vento para atenuar ou evitar como diz o professor G. André, o segundo ou terceiro ato deste drama.

O professor Mossé afirma que o QUININO exerce uma ação preventiva sobre as manifestações da infecção gripal e por este motivo deve ser usada em dose relativamente elevada. E aproveitando as múltiplas propriedades dos sais de quinina, dei às farmácias uma forma pilular, cujo uso será indicado de acordo com a idade.

Não é novidade farmacêutica, mas a QUININA, associada a outros elementos anti-fluxionários, age, levantando as forças vitais contra o bacilo da gripe e anulando a gripo-toxina sobre os centros nervosos.

Não é para reclamar as pílulas que dou aqui instruções de profilaxia, mas sendo a classe desafortunada que maior tributo paga às epidemias, formulei uma receita de fácil aquisição e emprego.

Seria até para louvar se os poderes competentes distribuíssem recursos, mandando um funcionário da inspetoria de higiene em toda choupana fornecer esta ou qualquer outra fórmula farmacêutica contendo QUININA e aconselhando: Cuidados higiênicos nas habitações, evitando as bebidas alcoólicas, os excessos, a fadiga, as aglomerações; escolher uma alimentação sadia, beber água fervida para fugir das complicações intestinais e trazer o ventre desembaraçado. São estas as precauções e os conselhos a seguir, é tudo o quanto se pode fazer à falta de outra profilaxia.

Muito grato pela publicação destas linhas, se asseguro: Vosso amigo e admirador Januário Cicco.”

É interessante notar o valor que, já na época da Gripe Espanhola, se deu ao sal de quinino, tanto no processo preventivo, quanto curativo, o que fez com que este produto atingisse em algumas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, um preço astronômico, provocando uma intervenção do poder público no sentido de frear a especulação, que foi a distribuição do produto por órgãos do governo. Outra tentativa de combater a disseminação da epidemia foi a utilização da vacina destinada ao combate da varíola .

No livro A Gripe Espanhola em São Paulo, escrito por Cláudio Bertolli Filho, consta uma análise de 27 receitas prescritas por médicos que atuaram na capital paulista, onde são identificadas 178 diferentes drogas, com predominância de calomelanos (soluções com baixa concentração de mercúrio), os compostos de quinino, os chás de erva e o fósforo. A primeira substância tinha uma função purgativa, pois o ideário médico da época considerava que a eliminação do bolo fecal e a regularidade das funções intestinais eram o caminho mais acertado para a eliminação das toxinas, produzidas pelo micróbio da Influenza.

Apesar da evolução fantástica da Medicina, atualmente, mais de 100 anos depois da Gripe Espanhola, a Quinina continua sendo usada, agora na luta pela cura do CORONAVÍRUS, associada a outros medicamentos.

Que a Cloroquina tenha êxito!

Dr. Januário Cicco (30 de abril de 1881 · São José de Mipibu-RN / 1 de novembro de 1952 – Natal-RN)

11 pensou em “A HISTORIA SE REPETE

  1. Já que estamos falando em remédios antigos (o Sponholz lembrou das pílulas do Dr. Ross), aqui vai mais um exemplo: é um anúncio publicado em revistas espanholas por volta dos anos 1920:

    “Mães de família:
    Aos seus filhos, quando vão à escola.
    Ao seus marido, quando vai ao trabalho.
    Aos seus pais quando saem a passeio.
    Dê a todos eles Pastilhas Valda.
    Com elas se evitarão e se curarão constipações, laringites, gripes, influenza, enfisemas, etc.”

  2. Violante,

    A sua bela crônica faz um histórico da Gripe Espanhola de 1918. É uma aula para ensinar não desprezar a cautela a fim de evitar que a morte vá atingir um grande número de pessoas. Há uma lógica que grupos de risco devem se isolar para evitar uma contaminação e ter que enfrentar uma internação. O paciente do grupo de risco possui uma defesa imunológica que responde precariamente a um processo infeccioso, ou seja, irá correr um risco de vida. Informo que o Codiv-19 não escolhe idade, pois pessoas de todas faixas etárias já foram atingidas, inclusive, adolescentes. A prevenção é o caminho mais curto e inteligente para vencer essa pandemia.
    Aproveito a oportunidade nesse espaço democrático do Jornal da Besta Fubana para compartilhar uma sextilha do poeta e repentista Rubens do Valle sobre o Covid-19 com a prezada amiga:

    O coronavírus veio
    Como água que transborda
    Rico, pobre, velho e novo
    insistentemente aborda
    Abatendo muita gente
    Pra vê se o mundo acorda.

    Saudações fraternas,

    Aristeu

    • Obrigada pelo generoso comentário, prezado poeta e pesquisador Aristeu Bezerra! Você tem uma qualidade raríssima: Valoriza e respeita os seus confrades.

      Muito inteligente e pertinente, a sextilha do poeta e repentista Rubens do Valle,
      sobre o Covid-19.
      Muito grata, por compartilhá-la comigo.

      Um grande abraço! Muita Saúde e Paz!

      Violante Pimentel Natal (RN)

  3. Ótimo relato sobre a Gripe Espanhola, amiga, vamos torcer para que essa onda do corona, passe logo, e sem grandes danos para nossa população. O que é difícil.

    • Obrigada pelo comentário, poetisa Dalinha Catunda! Temos que torcer muito e pedir a Deus para que esse pesadelo termine logo. O Poder de Deus é infinito…
      .
      Um grande abraço, amiga, e que atravessemos esta pandemia incólumes! Que Deus nos proteja!

    • Maravilha de crônica, Violante Pimentel.

      Fez lembrar do meu falecido sogro, originário daí de Natal/RN, comandante de marinha mercante Eutrópio Martins. Como marinheiro, contava ele que em São Paulo, a população cansada do malogro dos medicamentos oficiais, partiu para o conhecimento popular, que alcançara comprovado êxito contra a gripe espanhola (que de espanhola nada tinha).
      Surgiu no interior de São Paulo um xarope/remédio popular = a maceração de pedaços de limão com casca, mel e um pouco de cachaça. Alguns adicionavam alho na formula. Por ser recorrente no interior do estado, ficou conhecida como caipirinha.
      Hoje, mais modernizada, leva açúcar e gelo. Alguns atribui a morte do presidente Rodrigues Alves a sua recusa no uso da “medicina” popular. Este veio a falecer em 1919 e nem chegou a assumir seu segundo mandato como presidente, por conta da gripe espanhola.

      • Obrigada pela gentileza do comentário, prezado Marcos André M. Cavalcanti! Gostei de saber que o seu sogro é originário de Natal.e foi comandante da Marinha Mercante.
        A medicina popular, antigamente, fazia milagres!
        No interior nordestino, o limão com mel de abelha sempre foi um excelente expectorante, Esse xarope do qual seu sogro falava, feito de limão macerado com a casca, mel, alho e um pouco de cachaça, deve ter curado muita gripe, por aí afora. Quer dizer que a “caipirinha” é um derivado desse xarope…rsrs
        Uma pena, o Presidente Rodrigues Alves, acometido da gripe espanhola, não ter confiado na “medicina popular.

        É o caso, também, do Quinino, remédio para Impaludismo (Malária), que foi usado, com relativo êxito, durante a “gripe espanhola.”. Atualmente, está sendo usado para curar o CORONAVíRUS, associado a antibióticos. É a CLOROQUINA).

        Um abraço! Muita Saúde e Paz!

  4. Obrigada pelo comentário, poetisa Dalinha Catunda! Temos que torcer muito e pedir a Deus para que esse pesadelo termine logo. O Poder de Deus é infinito…
    .
    Um grande abraço, amiga, e que atravessemos esta pandemia incólumes! Que Deus nos proteja!

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