VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

Nos meados do século passado, depois de passar seis meses em Lisboa, em visita aos pais, Dalva regressava, enfim, ao Brasil, louca de saudade do marido e não vendo a hora de cair nos seus braços. Viajava num navio repleto de passageiros, de diversas nacionalidades.

No restaurante do navio, conversando com o imediato, Dalva ficou sabendo que ali viajavam mais de 1.000 pessoas, entre passageiros e tripulantes.

O navio parecia uma cidade flutuante, onde Dalva não conhecia ninguém.

Os passageiros de 1ª classe, na maior parte argentinos, passavam a maior parte do tempo, bebendo e jogando.

No tombadilho, passageiros ingleses, que se dirigiam ao Rio e a Buenos Aires, fumavam, discretamente.

Durante o almoço, a saltitante e atraente senhora percebeu que o comandante, um bonito “marujo” britânico, tinha os olhos fixos nela. Ela desviou o olhar, mas continuou sentindo-se observada. Ficou incomodada com isso, pois era uma senhora casada e de respeito. Mesmo assim, sentiu-se envaidecida, por atrair o olhar de um homem tão bonito, onde havia tantas mulheres mais bonitas e jovens.

À noite, Dalva não desceu para o jantar.

No dia seguinte, durante o almoço, o comandante continuou a olhá-la insistentemente, a ponto de esquecer o whisky que tomava.

Era um inglês bonito, alto, forte, louro, bigode, pele corada e olhos azuis. Aparentava beirar os 50 anos.

A insistência do olhar do homem irritou Dalva, mas, ao mesmo tempo, massageou seu ego, ao sentir que, com 49 anos, ainda “dava um ponche”.

Após o jantar, o comandante desceu da casa de comando ao tombadilho. Aproximou-se de Dalva e lhe falou em inglês. Declarou-se apaixonado por ela, desde o primeiro minuto em que a viu.

Ela fez o possível para não ser indelicada. Disse-lhe que era casada e que o marido estava a esperá-la no Brasil. Mas, de nada adiantou. Dalva ficou tensa com a insistência do comandante, mas sua autoestima aumentou, consideravelmente.

No dia seguinte, o comandante passou o dia quase todo a persegui-la, insistindo em declarar sua paixão violenta.

Nessa época, não se falava em assédio sexual e as mulheres normais sentiam-se envaidecidas, quando eram cortejadas. Certos galanteios eram bem-vindos.

À tarde, no salão de música, o comandante se aproximou de Dalva, com os olhos inchados pela insônia e pelo desejo, e lhe declarou novamente a paixão violenta que ela lhe despertara. Convidou-a para ir, à noite, ao seu camarote. Disse-lhe, com voz trêmula e olhar apaixonado, que se ela não fosse lá até meia noite, meia hora depois ele seria capaz de meter o navio a pique, em pleno oceano, e não escaparia ninguém.

Dalva se viu entre a cruz e a espada. Sem saber se a ameaça era coisa séria ou brincadeira, se aconselhou com anjos, arcanjos e todos os santos do mundo e tomou a mais séria decisão da sua vida:

Evitou a morte de mais de mil pessoas, indo ao camarote do comandante e satisfazendo aos seus desejos.

Esse segredo, ela guardou para sempre, como um sonho “das mil e uma noites”.

12 pensou em “A HEROÍNA

  1. Violante,

    Parabéns pela crônica abordando a paixão. Você consegue explicar o ato heróico de Dalva por uma história bem elaborada pelo comandante britânico. A paixão é capaz de alterar aspectos do comportamento e pensamento da pessoa, que passa a demonstrar um excesso de admiração por aquilo que lhe causa paixão. A impulsividade, o desespero e a inquietação são outras características que costumam estar associadas ao sentimento de paixão.

    A diferenciação entre o amor e a paixão já foi tema de estudo de inúmeros filósofos e psicólogos ao longo dos anos. Platão, por exemplo, alega que a paixão é o desejo de vislumbrar algo que não consiste na realidade essencial, ou seja, contentar-se em viver com um ideal imaginário.
    Por outro lado, o amor se configura como a busca pela verdade essencial, em outras palavras, encontrar naquilo que ama o que lhe falta, tornando-se assim pleno e completo.
    Alguns psicólogos ainda dizem que, mesmo a paixão sendo uma emoção intensa, esta é considerada efêmera, sendo que costuma durar pouco tempo. Neste momento a paixão pode chegar ao fim ou transformar-se em amor, que pode durar (ou não) a vida toda.

    Desejo um final de semana pleno de paz, saúde e alegria

    Aristeu

    • Obrigada pelo valioso comentário, prezado Aristeu!
      Gostei imensamente da diferenciação que você fez entre o amor e a paixão.

      A paixão violenta, quase sempre, é fogo de palha, que queima rápido.
      Há pessoas que gostam de viver paixões violentas, e passam pela vida sem conhecer o amor.. Raramente, uma paixão violenta se transforma em amor. .

      Conforme você citou, “Platão, por exemplo, alega que a paixão é o desejo de vislumbrar algo que não consiste na realidade essencial, ou seja, contentar-se em viver com um ideal imaginário”. Esse é o chamado “amor platônico”

      No caso de Dalva, a violenta paixão declarada pelo comandante do navio, parecia uma louca atração sexual.
      Mas, o importante foi que, “entre gregos e troianos” , se salvaram todos.

      E Dalva se sentiu uma heroína! rsrs.

      Um final de semana pleno de paz, saúde e alegria, para você também!

  2. Violante.

    Primeiramente bom dia…. você falou em galanteios e assédios. Concordo em parte com você. Hoje, só é assédio se o cara anda de busão, toma um pingado no café da manhã e marmita fria no almoço.

    Um sujeito que chega em uma moça e dá uma “cantada” nela, desde que esteja dirigindo uma Ferrari, uma Lamborghini, ou um Bugatti, jamais será um assediador. Será sempre um cavalheiro, não importando a sua intenção. Assédio só é assédio se o sujeito for pobre.

    • Prezado Roque,
      boa tarde!

      Obrigada pelo honroso comentário!

      O que houve entre Dalva e o comandante do navio foi uma paquera e uma declaração de amor, que terminou numa aventura inesquecível para ela.

      Nessa época, não se falava em assédio sexual e as mulheres normais sentiam-se envaidecidas, quando eram cortejadas. Certos galanteios eram bem-vindos.
      Dalva e o comandante eram pessoas maduras e independentes, e se ela se entregou àquela aventura, foi por livre e espontânea vontade. Não precisava ser tão caridosa…rsrs.
      Na idade em que se encontrava, para ela foi a glória!!! rsrs

      Concordo com você, quando diz:

      “Um sujeito que chega em uma moça e dá uma “cantada” nela, desde que esteja dirigindo uma Ferrari, uma Lamborghini, ou um Bugatti, jamais será um assediador. Será sempre um cavalheiro, não importando a sua intenção. Assédio só é assédio se o sujeito for pobre.”

      Assédio de pobre é enxerimento ou atrevimento… Assédio de rico é galanteio…rsrs

      Bom final de semana!

  3. D. Violante,

    O único comentário que poderei fazer será assinalar que a tal cidadã era muito caridosa.

    Carlos Eduardo

    • Obrigada pela presença, prezado Carlos Eduardo Carvalho dos Santos!

      Seu comentário foi incisivo… A tal cidadã mostrou que era excessivamente caridosa…Salvou mais de mil vidas,,,,rsrsrs

      Grande abraço!

  4. E o cabra, o marido deixou a digníssima esposa seis meses sem. Foram 6 torturantes meses em Lisboa sem dar umazinha? Aí é sacanagem da grossa, pois, como diria Arnaldo Jabor:
    O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado. O amor é sonho dos solteiros. Sexo é sonho dos casados.

    Taí a certeza de que basta o sujeito casar para ter cada vez menos sexo. Seis meses sem tal “brincadeira” parece uma eternidade, não é mesmo?

    Talvez em uma próxima crônica, Violante nos brinde com o que foram os tais seis meses pela ótica do marido.

    Beijão de Sancho na musa maior desta escrota gazeta de todos nós.

    • Obrigada pelo comentário gentil, querido Sancho!

      Uma mulher casada, passar seis meses em Lisboa, longe do marido, somente uma visita aos pais justificaria. Por isso, Dalva não via a hora de matar a saudade dele. e cair nos seus braços.
      Para o marido, deve ter parecido uma eternidade.

      A viagem de volta de Dalva colocou-a frente à frente com uma tentação diabólica, que ela jamais havia cogitado. Cedendo aos caprichos do comandante do navio, ela terminou se sentindo uma heroína: Evitou a morte de mais de mil pessoas!!!rsrs..

      Beijão, querido amigo!

  5. Querida Violante Pimentel, a Dama das Crônicas do JBF,

    Desculpe-me não ter podido comentar suas belíssimas crônicas por esses dias. O trabalho me come o tempo e mal tenho condições de ler, mas leio, e tenho a convicção que depois quem eu termino de ler acabo apreciando uma obra-prima do cotidiano.

    Fraternais saudações com paz, saúde e harmonia para essa família linda.

  6. Obrigada pelo carinho de suas palavras, querido amigo Cícero Tavares!

    É uma satisfação contar com um leitor do seu nível. Fico feliz, quando você comenta meus escritos.
    Gosto muito de suas crônicas, e da sua verve hilária.

    Grande abraço! Muita saúde e Paz!.

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