ARISTEU BEZERRA - CULTURA POPULAR

Eu fico impressionado
Com o sapo do sertão
Fazer capulhos de espumas,
Branca da cor de algodão,
Sem mastigar Sonrisal;
Sem usar pasta dental;
Sem ter barra de sabão.

Geraldo Amâncio

A pixilinga tem sido
Um dos insetos mais graves
Que suja sem aparelhos
Voa sem aeronaves
E vive através do sangue
Que tem na vida das aves.

Geraldo Pereira

A cabra abana as orelhas
Para espantar o mosquito,
E se acocora lambendo
Os cabelos do cabrito,
Depois vai olhar de longe
Pra ver se ficou bonito!

João Paraibano (1953-2014)

Na madrugada altaneira,
Geme o vento atrás do monte;
Um cururu toma banho
Na água fresca da fonte,
E a lua dorme emborcada
No colchão do horizonte.

Sebastião Dias

Eu admiro demais
É uma gata parir,
Pegar o filho na boca,
Levar para onde quer ir.
Nem fere o filho no dente
Nem deixa o gato cair.

Cicinho Gomes

11 pensou em “A FAUNA NOS VERSOS DOS REPENTISTAS

  1. É muito bom iniciar a semana lendo estrofes escolhidas com muito critério sobre a fauna nos versos dos cantadores de viola. Fiquei sensibilizado com a beleza dos versos de Geraldo Amâncio Eu fico impressionado/Com o sapo do sertão/Fazer capulhos de espumas,/Branca da cor de algodão,Sem mastigar Sonrisal;/Sem usar pasta dental;/Sem ter barra de sabão.:

    • Fernando,

      Grato por seu comentário gentil. Geraldo Amâncio é um dos maiores talentos do admirável mundo do repente, além de ser uma pessoa humilde e generoso tratando bem todos os seus colegas da difícil arte de fazer versos improvisado.
      Aproveito esse espaço democrático do Jornal da Besta Fubana para compartilhar uma das mais belas estrofes do poeta e repentista Geraldo Amâncio:

      O amor de duas feras
      Que também se querem bem
      Tem o mesmo amor do homem
      Quando ama e abraça alguém
      Só não tem a falsidade
      Que o amor do homem tem.

      Saudações fraternas,

      Aristeu Bezerra

  2. Acredito que deve dar muito trabalho fazer uma seleção de versos dos competentes repentistas. A estrofe de João Paraibano (1952 – 2014) faz justiça a sua fama de quem melhor soube cantar o sertão, senão, vejamos seus belos versos sobre a fauna: A cabra abana as orelhas/Para espantar o mosquito,E se acocora lambendo/Os cabelos do cabrito,/Depois vai olhar de longe/Pra ver se ficou bonito!

    • Messias,

      Agradeço seu comentário com observação importante sobre a dificuldade de escolher entre tantas estrofes bem elaboradas para fazer uma seleção. Digo com sinceridade que é um trabalho prazeroso, pois fico conhecento melhor cada um dos talentosos, criativos e geniais repentistas. Usufruo dessa ocasião para contar um episódio da vida de João Paraibano (1952 – 2014) para o prezado amigo:

      O poeta participaba de uma festa e devido a um desentendimento com sua esposa, por motivos de ciúmes, foi preso. Conta-se que, quando se viu preso o repentista aos prantos e um pouco alcoolizado, declamou os seguintes versos de improviso para o delegado:

      Doutor eu sei que errei

      Por dois fatos: dama e porre.

      Por amor se mata e morre.

      Eu nem morri, nem matei,

      Apenas prejudiquei

      Um ambiente de classe.

      Depois de apanhar na face

      Bati na flor do meu ramo.

      Me prenderam porque amo

      Quanto mais se eu odiasse.

      Poeta mesmo ofendido

      Sabe oferecer afeto.

      Faz pena dormir no teto

      Da morada de um bandido,

      Se humilha, faz pedido

      Ninguém escuta a voz sua,

      Não vê o sol, nem a lua

      Deixar o espaço aceso.

      Por que um poeta preso

      Com tantos ladrões na rua?

      Sei que não sou marginal,

      Mas por ciúmes de alguém,

      Bebi pra fazer o bem,

      Terminei fazendo o mal.

      Eu tendo casa, quintal,

      Portão, cortina, janela,

      Deixei pra dormir na cela

      Com a minha cabeça lesa,

      Só sabe a cruz quanto pesa

      Quem está carregando ela.

      Poeta é um passarinho

      Que quando está na cadeia

      Sua pena fica feia,

      Sente saudade do ninho,

      Do calor do filhotinho,

      Da fonte da imensidade.

      Se come deixa a metade

      Da ração que o dono bota,

      Se canta esquece da nota

      Da canção da liberdade.

      Doutor, se eu perder meu nome

      Não acho mais quem o empreste,

      A minha mulher não veste,

      Minha filhinha não come

      E a minha fama se some

      Para nunca mais voltar.

      Não querendo lhe comprar,

      Mas humildemente peço:

      Se puder, rasgue o processo

      E deixe o poeta cantar.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  3. O artigo está excelente. Temos oportunidade de ler versos criativos, belos e devidamente metrificados. Se fosse eleger a melhor estrofe, teria dificuldade, entretanto o meu voto vai para os versos de Sebastião Dias: Na madrugada altaneira,/Geme o vento atrás do monte;/Um cururu toma banho/Na água fresca da fonte,/E a lua dorme emborcada/No colchão do horizonte.

  4. Vitorino,

    É gratificante recebe seu excelente comentário. Utilizo o Jornal da Besta Fubana para divulgar a cultura popular. Tenho o objetivo de tornar mais visível a arte da cantoria de viola e demonstrar como temos verdadeiros gênios no admirável universo do repente.
    Compartilho um desafio de autoria da dupla Sebastião Dias e João Paraibano – ”improviso sobre o Fim,” em que utilizam septilhas (uma estrofe de sete linhas, com uma repetida nas linhas 6 e 7), comparando o crepúsculo com o fim da vida.)

    IMPROVISO SOBRE O FIM
    Autores: Sebastião Dias – João Paraibano

    Quando o céu mostra o crepúsculo
    Que um dia chega ao fim
    Um aperto, uma saudade
    Eu sinto dentro de mim
    Enquanto estou contemplando
    Eu fico a Deus perguntando
    Se o fim da vida é assim.

    Quando a tarde chega ao fim
    Na terra esfria o calor
    Abelha volta ao cortiço
    O sereno cai da flor
    É quando a lua de prata
    Dança por cima da mata
    Deixando o chão de outra cor.

    No sertão do interior
    Tudo fica diferente
    O sol um príncipe cansado
    Vai descansar no poente
    A natureza entristece
    Que o fim do dia parece
    O fim da vida da gente.

    Na morte do sol poente
    Até escure o monte
    A brisa canta um poema
    No bojo fresco da fonte
    E o sol parece um espelho
    Pintando o céu de vermelho
    Pra morrer no horizonte.

    A brisa bafeja o monte
    O mar, a calma, a luz
    Deus transforma a natureza
    Mas a vida continua
    Que o céu prepara um quarto
    Pra o tempo fazer o parto
    Do nascimento da lua.

    Canta rouca a mãe da lua
    Silencia o rouxinol
    A mãe amamenta o filho
    Entre as dobras do lençol
    Um guarda faz sentinela
    E a lua serve de vela
    Na despedida do sol.

    No azul do arredor
    Se estende a nuvem fria
    O céu nos mostra um semblante
    De tristeza e nostalgia
    E a minha pergunta infinda
    Do mesmo jeito de dia.

    Quando a terra silencia
    Na mata azul alta encerra
    O manto negro da noite
    Se estende em cima da terra
    O vento sopra de leve
    Rasgando o lençol da neve
    Que a chuva estendeu na serra.

    Saudações fraternas,

    Aristeu

  5. Aristeu,
    Belo artigo. Parabéns!
    Como passar despercebido o seguinte verso, nos mostra quão delicado é o amor não importa a espécie.

    Eu admiro demais
    É uma gata parir,
    Pegar o filho na boca,
    Levar para onde quer ir.
    Nem fere o filho no dente
    Nem deixa o gato cair.

    Assim deveria ser a atitude da raça chamada, humana!
    Feliz Semana.
    Carmen.

    • Parabéns, prezado Aristeu, pela excelente postagem “A FAUNA NOS VERSOS DOS REPENTISTAS.”.

      A seleção de repentistas está fantástica e todas as estrofes são lindas,
      Entre todas, destaco a septilha do poeta Geraldo Amâncio,, que diz:

      “Eu fico impressionado
      Com o sapo do sertão
      Fazer capulhos de espumas,
      Branca da cor de algodão,
      Sem mastigar Sonrisal;
      Sem usar pasta dental;
      Sem ter barra de sabão.”

      Uma ótima semana, com saúde e Paz!

      • Violante,

        Grato por seu assistencial comentário que sempre é um estímulo a minha pesquisa no admirável universo do repente. A escolha dos versos da septilha de Geraldo Amâncio é revelador de quem possui DNA poético.
        Geraldo Amâncio é um dos mais completos artistas da viola. Poeta de inspiração encantadora pela beleza e raridade das imagens que esbanja em seus improvisos.
        Compartilho com a prezada amiga Geraldo Amâncio glosando o mote:

        FOI COM DOR NO CORAÇÃO
        QUE EU DEIXEI MEU LUGAR

        Não voltei pra minha aldeia,
        já faz tempo que eu não vejo
        meu primeiro realejo,
        e a minha bola de meia;
        brincar de toca na areia
        nunca mais pude brincar
        também não fui mais puxar
        na porteira do pião.
        Foi com dor no coração
        que eu deixei o meu lugar.

        Minha mãe cortou a fala,
        quando eu disse: eu vou partir,
        porém antes de eu sair,
        botou a roupa na mala,
        depois veio até a sala,
        só para poder rezar;
        para Deus me acompanhar,
        ela fez uma oração.
        Foi com dor no coração
        que eu deixei o meu lugar.

        Minha terra de Iracema,
        eu deixei um certo dia,
        pra viver de cantoria
        e papai disse, sem problema,
        treine para cantar tema,
        desafio e beira-mar,
        se um cantador lhe açoitar.
        abandone a profissão.
        Foi com dor no coração
        que eu deixei o meu lugar.

        Eu deixei o meu jardim,
        minha primeira morada,
        mas arranjei namorada,
        filho solteiro é assim,
        mãe esperava por mim,
        pensava de eu regressar,
        filho depois de casar,
        não volta pra casa não.
        Foi com dor no coração
        que eu deixei o meu lugar.

        Desejo uma semana plena de paz, saúde e alegria

        Aristeu

        • Obrigada, prezado poeta Aristeu, por compartilhar comigo estes belíssimos versos do poeta Geraldo Amâncio, glosando o bonito mote:

          ” FOI COM DOR NO CORAÇÃO
          QUE EU DEIXEI MEU LUGAR”

          Uma preciosidade!

          Desejo a você também, uma semana plena de paz, saúde e alegria!

    • Carmen,

      Agradeço seu primoroso comentário. Concordo plenamente que o amor está presente entre os seres irracionais, pois está intrínsico na alma. A sexftilha que você escolheu demonstra a sua sensibilidade poética. Aproveito a ocasião para compartilhar uma estrofe do poeta e repentista Cicinho Gomes com a prezada amiga:

      Eu admiro o canção
      Na cabeça de uma estaca;
      Olha pra baixo e pra cima
      Acuando a jararaca
      Como quem diz : “Ó meu Deus!
      Ah se eu tivesse uma faca!”

      Saudações fraternas,

      Aristeu

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