JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

Mãos envelhecidas aprenderam a esperar

Carmem, Dona Carmem, Carminha. Era esse o nome de uma mulher que nasceu, cresceu, casou, teve filhos, e viveu longos anos na comunidade conhecida como Europinha, parte do município de Beberibe no Estado do Ceará.

Naquele tempo, quando perdurava a seca contínua, que não atendia à esperança das orações pela vinda das chuvas, a vida não era fácil para ninguém. Dona Carminha, claro, não podia ter para si e para a família, algo diferente.

A “reca” de filhos que teve com o marido Augusto – foram oito, ao todo – conseguiu sobrevida por conta do sacrifício que os pais faziam para garantir que, na hora do “dicumê”, os pratos não estivessem vazios – ou cheios de nada.

Oito filhos. Cinco rapazes e três moças sobreviveram pelo esforço desmedido dos pais, com maior atuação de Dona Carminha na responsabilidade de quase tudo. Augusto se encarregava “apenas” do abastecimento das necessidades domésticas. O mais era com Dona Carminha.

O que se soube tempos depois, foi que, daqueles oito filhos, apenas três (rapazes) conseguiram atravessar a adolescência e atingir os degraus dos adultos. Problemas de saúde e de convivência levaram os outros cinco.

Os três que ficaram, casaram e foram cuidar das famílias. Augusto teve problemas de saúde e também teve o CPF cancelado, e foi morar ao lado direito do “Pai”, na Vila da Eternidade.

A Europinha inteira tinha noção dos esforços de Dona Carminha para atravessar o Mar Vermelho e conduzir com boa performance os três filhos. Enfrentou necessidades, e viu a fome de muito perto, sem necessitar do uso de lupa.

Fez o que todas as mães fazem. Sacrificou-se, por entender que “cuidar de filhos” é papel e responsabilidade dos pais. E assim, por conta do destino, ela continuava viva, mas só.

Dona Carminha envelheceu e cansou. Cansou fisicamente, mas continuou jogando o jogo da vida contra as dificuldades, da mesma forma como fazem tantas outras mães.

Só, em casa – sem receber de volta a atenção, o carinho ou o sacrifício que ofereceu aos oito filhos, fortalecidos quando a prole ficou reduzida a apenas três. Tudo aumentou. A atenção dobrou, o carinho aumentou e o sacrifício triplicou.

Nada em troca. Nem a necessária atenção.

Esperando a visita dos filhos

Eis que, a festa pagã que comemora o dia dedicado às Mães quase sempre no segundo domingo de maio chegou. Para Dona Carminha era um dia igual a tantos outros que ela, aos 75 anos convivera.

Mas, aquele “Dia as Mães” para Dona Carminha foi diferente. Não por ter recebido atenção ou carinho dos filhos. Foi diferente porque foi encontra-la sentada numa cadeira de rodas num abrigo para idosos e, na prática, desamparados.

Após o almoço servido no abrigo, a sesta vespertina para descansar de tanto descanso, e descaso. Banho, melhor roupa, cabelos penteados e a espera na área de visitas do abrigo.

Espera. Espera, e espera. A claridade do dia foi embora, e foi substituída pela lugubridade noturna.

Nada mudou. Apenas a espera continuou. Os filhos, provavelmente, se deliciavam na frente da televisão sendo cúmplices de um bom filme da Netfix.

E assim vai ser sempre. Alguns continuarão esperando apenas o desfecho da vida e a certeza de que, antes, toda a missão foi cumprida.

6 pensou em “A ESPERA!

  1. Bom dia ZéRamos! O tema é dolorido, mas oportuno, não consigo entender este abandono para com os pais, afinal o cabra só existe, porque seus pais existiram primeiro, ralaram e muito, as vezes em condições adversas e no final são simplesmente ignorados. Não curti a velhice de meus pais, eu tinha 27 anos, quando morreram em 1975, o “velho” tinha 57 minha “velha” 47 anos e confesso, sinto falta, eles não curtiram os netos, não nos conheceram na fase adulta, mas assim é a vida, uma coisa possa afirmar, EU não os abandonaria em hipótese alguma!

  2. Uma estória triste , porém acontece muito em nossa “civilização ” . Pessoas muitas vezes são largadas em asilos ou hospitais pelos próprios parentes . Muitos até deixam de comer para dar aos filhos , servem de cavalinho para alegra-los , os que não tem condições os carregam no colo para tratamento . Sofrem por eles e no apagar das luzes , não encontram nem parte do carinho que tanto dedicaram . Uma pena que seja assim. Acabam só em asilos ou hospitais. Vi em sua coluna pouco tempo atrás uma senhora de aparência sofrida chorando. Mães não deveriam chorar , nem morrer . Perdi a minha aos cem anos , ela era o meu nenê , e faz uma enorme falta . Nunca a vi chorando , mas eu chorei. É uma tristeza que não tem fim.

    • Joaquim, só entende isso quem foi tratado em qualquer situação pela mãe que, muitas vezes esconde uma doença grave para cuidar da saúde dos filhos.

  3. Lindo texto e muito realista, prezado José Ramos!

    Esse é o prêmio que muitas mães ou pais, que lutaram com dificuldade para alimentar e criar seus filhos, recebem de alguns, quando estão velhos, viúvos e inválidos.. Os filhos desnaturados procuram se livrar dos pais idosos, para não terem trabalho…

    São mães ou pais velhinhos, que passeiam, tropegamente, os seus últimos anos, ou seus últimos dias de vida, pelos pátios silenciosos e tristes dos asilos. Os filhos os esqueceram e lhes deram uma morte antecipada.. É revoltante!!!

    Um abraço, e um semana repleta de Saúde, Paz e Alegria!
    .
    Violante Pimentel Natal (RN)

    • Violante, obrigado. Como todos os pais e mães são iguais, mudando apenas de endereços, tratemos de não envelhecer. Kkkkkkkkkkkkkkk

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