JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

Echarpe Pashmina – preferência de Clay Dolores

Clay Dolores, era o nome da moça. Cerca de 1,80m servindo de mural para uma jovem de rara beleza, pele mais macia que a própria seda, sem jamais fugir da moda vigente, e uma conta bancária que contrastava com a sua magreza elegante.

Linda! Uma jovem mulher linda!

Olhos pequenos e azuis, semelhantes aos olhos da loba branca vivendo e aparecendo furtivamente nas matas geladas do Alasca – desses aparecimentos que, ainda que não anunciados por trombetas, chamam e merecem atenção até dos pássaros que conseguem sobrevoar as áreas conservadas pela Natureza.

Herdeira, consciente que seria um dia a principal responsável pelo conglomerado empresarial que os pais construíram, num desses passeios de gôndolas por Veneza, conheceu “Raimundo”, um paraibano de Sapé – e por ele se apaixonou.

Raimundo era plantador de abacaxis em Sapé – um fruto que mais parece um torrão de açúcar, que consegue ser mais doce mais vezes que o abacaxi de Turiaçu – e certo dia cansou daquela labuta diária do plantio.

Vendeu parte do que tinha na agricultura familiar, pegou duas ou três cuecas, uma calça jeans rasgada no joelho, muito mais pelo uso que por moda, conseguiu a emissão do passaporte e entrou para um projeto de trabalhar como garçom em Veneza. Enquanto esperava o visto e a resposta do Consulado, estudou o básico do italiano nas 24 horas do dia.

Recebendo o visto, Raimundo chegou dias depois em Roma, e sequer esperou pela bênção do Papa. Num pulo só, mudou para Veneza e, em poucos dias já trabalhava na cozinha de um propagado restaurante, como Auxiliar.

Como era esforçado e não demorou a conhecer os melhores “cicchetti! (tiragosto em italiano), passou a trabalhar como Garçom. Surgia ali a oportunidade de contatos, de vivência e de conhecer melhor a cidade que o fez abandonar em definitivo a sua Sapé.

Foi exatamente quando trabalhava no “Vecio Fritolin”, um dos melhores bares e restaurantes de Veneza, que Raimundo teve o primeiro contato com Clay Dolores, à quem serviu o maravilhoso vinho “Tramin”. A gentileza com que Raimundo serviu a cliente, acabou cativando Clay, e uma nova e boa amizade estava formada.

Encontros em dias de folga. Passeios e convivência que acabaram levando a outro tipo de envolvimento. Algo forte, seguro e com perspectivas de boa culminância. Como dizia minha falecida Avó, passaram a transar oficiosamente.

Eis que, em pleno período invernoso, quando a echarpe é mais útil que a calcinha, Clay Dolores recebeu um comunicado familiar, solicitando sua presença sem demora – problema grave de saúde na família.

Em meio às tantas preocupações e soluções imediatas, Clay Dolores não demonstrava tanta aflição, preocupada exclusivamente com quem deixara momentaneamente em Veneza, em meio a tanta alegria de viver, bons vinhos, bons restaurantes e gente bonita. A vida – pelo menos a dela – enfim!

Em segredo familiar, foi quase que obrigada a revelar o motivo de tamanho alheamento pela situação presente, em detrimento dos momentos vividos em terras italianas. A certeza da felicidade pessoal lhe deu coragem e essa a levou à revelação:

– Estou amando. Literalmente apaixonada. Me sentindo mulher completa, gente, feliz!

– E, podemos saber quem é esse príncipe? Indaga a aflita Mãe.

– É uma criatura ma-ra-vi-lho-sa. É o Bill!- Mas, filha, o Bill que está ao seu nível, é o Bill Clinton! E esse é casado com a Hillary! Afirma, ainda mais preocupada, a Mãe.

– Não “mama”! Na realidade, Bill é um tratamento carinhoso. É o Raimundo!

– Rai, o quê? Quase tendo um infarto, incrédula pela paixão da filha, quer saber mais a Mãe.
– “Mama”, é uma história muito longa. Coisas do amor que a vida nos prepara.

Clay Dolores a empresária salva pela echarpe

O doente da família, hospitalizado havia dias, não resistiu muito e acabou atendendo chamado do Criador para voltar ao barro. Passados alguns dias, missas de encomenda da alma, apoio espiritual à viúva, Clay Dolores retorna à Veneza para chorar no ombro do agora, Bill.

Passado aquele período de luto e sofrimento, a vida precisava ser tocada e o funcionamento do conglomerado de empresas tinha que voltar ao normal.

O toque da campainha na residência de Clay, a fez levantar do confortável sofá, abrir a porta e receber uma mensagem:

– Volte, imediatamente. Preciso de você, pois perdi forças e vontade de viver!

A intimação, na realidade, era para que Clay Dolores assumisse o comando das decisões empresariais, que não poderiam ficar sem direção e sem um norte.

Mas, havia Bill. E a relação com ele era mais forte. Era a sua vida que estava sendo dividida.

Clay arrumou apenas uma das muitas malas, com poucas roupas e a intenção de demorar muito pouco. O destaque na mala, uma echarpe “Pashmina”, uma das menos usadas na Itália, por conta do alto custo. A facilidade e rapidez do transporte a levou de volta à casa em poucas horas.

As conversas entre Mãe e filha aconteciam dentro de uma normalidade, de acordo com a casualidade. A mãe, enfim, se interessou por saber mais detalhes sobre Bill, ou, Raimundo.

Clay não tinha motivos para esconder detalhes, haja vista que a situação financeira do namorado muito pouco ou quase nada lhe interessava – o que ela queria e amava, era ele, o sujeito. Para ela, provavelmente, o primeiro e único amor verdadeiro de sua vida.

– Mãe, ele é um homem simples, trabalhador, honesto e muito carinhoso. É Garçom!

– O quuuêêê?

Como poderia, uma jovem com tamanha estrutura patrimonial, com dinheiro para ser consumido por cinco ou seis gerações, se bem administrado, se apaixonar por um Garçom?

– Volte hoje ainda e, por respeito, termine esse relacionamento e venha cuidar do que construímos durante anos para você.

Clay Dolores pegou a mesma bagagem que trouxera e saiu de casa. Em vez de voltar para Veneza e cumprir o desejo da matriarca, foi para Torino, mais distante de tudo. Entregou-se literalmente à bebida e a vulnerabilidade psicológica acabou por leva-la às drogas.

Viciou-se. Tornou-se dependente das drogas químicas. Suas contas bancárias rarearam e algumas tiveram saldos zerados. Nunca mais se comunicou com a mãe – e preferia não ter que encontrar Bill para não ter que contar-lhe o que a mãe lhe impusera.

Dormir nas sarjetas passou a ser sua melhor hospedagem. Nenhuma alimentação, nenhum banho, nenhuma comida. Só droga, droga e mais droga. Chegou a um avançado estágio de anorexia.

Por outro lado, a família começou a se preocupar. Telefonemas, mensagens de todos os tipos, e nada de resposta. Parentes mais próximos foram até Veneza, em vão. Continuaram as buscas e a procura, agora também por “Bill”, o Garçom.

Bill não existia. Era um tratamento carinhoso entre os dois, Clay Dolores e Raimundo. Nenhuma notícia. De ninguém. A Itália começou a ser literalmente “revirada” com distribuição de fotos por todas as instituições de segurança e hospitais. Nada. Nenhuma pista.

Como que estivessem esgotando todas as formas de procura e investigação, a Polícia italiana resolveu investigar as compras feitas através do cartão de crédito.

Alguns anos atrás – seis, para ser mais preciso – a emissão de uma venda estranha, principalmente pelo valor pago por uma única peça: uma echarpe.

Com a informação foi criada uma nova pista, e quem passou a ser procurada foi “a moça da echarpe”. Echarpe Pashmina, peça fabricada com lã e seda pura, com a qual os usuários se protegem do clima frio exagerado.

As buscas continuaram, agora com novas pistas. Até que, numa vivência comunitária de drogados com dependência química em Torino, foi encontrada uma jovem, já não tão jovem por conta do uso das drogas, que, para se proteger do frio, continuava usando uma echarpe. Echarpe Pashmina. Era Clay!

Após meses seguidos de tratamento intenso, Clay Dolores condicionou sua volta para casa, e para o gerenciamento dos negócios da família, com a aceitação de Bill, agora como seu marido.

Novas buscas em Veneza, agora para encontrar “Bill”, digo, Raimundo. No restaurante “Vecio Fritolin”, onde acontecera o primeiro encontro de Clay com o então Raimundo, mais tarde “Bill”, foi dada a informação que, Raimundo voltara para o Brasil, mais propriamente para Sapé, para gerenciar uma fábrica de beneficiamento de abacaxis, que havia sido comprada por uma família de italianos.

Como o comprador italiano falecera poucos anos atrás, ……. bem, aí já é outra história.

* * *

Este é um dos 50 contos que comporão meu segundo livro, “Cinquenta contos de réis” que está em fase de conclusão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *