Jogo de “bila”
Tínhamos hora para tudo, lembro bem. Tínhamos hora para brincar, hora para dormir, hora para estudar e fazer o dever de casa – isso, claro, sem incluir a hora de obedecer e à quem obedecer.
O domingo era sagrado. Pela manhã a Santa Missa.
A tarde era livre para passear, para o cinema e, até mesmo para a Cidade das Crianças. Mudando da adolescência para a juventude, a manhã era do futebol ou da praia.
Assim, o que mudou do nosso tempo de criança para o tempo das crianças atuais?
A criação, respondo eu. A forma que os pais de hoje criam seus filhos – muito diferente da forma com que foram criados.
O pai de antigamente tinha o hábito de “passear com o filho de 16, 16 ou 18 anos” incentivando para que ele “começasse a gostar de mulher – no sentido sexual, mesmo”. Era um incentivo à iniciação.
Os pais de hoje mudaram. Optam por outras práticas, que, se por um lado são aceitas e compreendidas por boa parte da sociedade, por outro, precisarão ser aprovadas por Deus – e o ônus de tudo recairá sobre o pai, e, mais tarde, sobre o filho que aderiu a essas práticas.
Falo tudo isso porque, a primeira vez que entre num cabaré – lugar de antigamente, onde mulheres faziam sexo por dinheiro – quem me “conduziu e esperou pela consumação da prática”, foi um irmão mais velho, devidamente autorizado (também financiado) pelo meu pai.
Grosso ou não, sem educação ou não, mas pensando no “bom encaminhamento” do filho, quando um pai ouvia do filho algum pedido “fora do projeto de encaminhamento adotado”, respondia-lhe com um tabefe e um safanão, além de suspender por tempo indeterminado a “mesada das estripulias”.
Hoje é diferente. Hoje, se um pai ouve um pedido estrambótico de um filho, tipo:
– Paizão, meus seios cresceram bastante com a medicação que tomo. Estou precisando de um “soutien”!
Em resposta, totalmente diferente do pai de antigamente, escuta:
– Bebê, qual é a cor que você prefere e a pontuação adequada?!
Arre égua!
É assim, ou não é?
Com visão futurística, os pais e mães de antigamente ensinavam os filhos a obedecer. Em qualquer lugar ou situação, na ausência dos pais, os irmãos mais velhos tinham que ser obedecidos. Eles, os irmãos mais velhos, seriam punidos se, nessas situações, não se fizessem obedecer.
Outra vertente infantil era a brincadeira. A forma de brincar, e com o que brincar.
As escolas adotavam na grade curricular, uma matéria rotulada de “Trabalhos Manuais”, que era um incentivo ao desenvolvimento e ao despertar dos jovens em algum tipo de profissão. Também, como incentivo, havia na grade curricular a matéria “Canto Orfeônico”, forma de despertar na juventude o gosto pela música, como Músico.
Em casa os pais “ajudavam” dando aos filhos, não um “soutien”, mas, uma serra tico-tico, um alicate, pregos, serrote e madeira para que eles fizessem os seus próprios brinquedos.
Felizmente, ainda não havia Fábrica Estrela, fabricante dos brinquedos plásticos – o que acabou eliminando qualquer tipo de incentivo à juventude.
Foi assim que apareceram o Mestre Vitalino e a Zabé. Primeiro em casa, depois a profissionalização para custear a vida.
O currupio
Lembro bem que andávamos horas à procura de tampinhas de garrafas. Com elas fazíamos brinquedos mil – mas o preferido era o “currupio”, onde fazíamos dois furos e neles passávamos um barbante. Tal qual a foto postada acima.
Navegação nos mares para a guerra
O pior castigo que os pais de antigamente aplicavam aos filhos, era “proibir de brincar”. Qualquer que fosse a brincadeira. E aquilo doía. O “não brincar” era um castigo muito maior que o próprio castigo.
Quantas vezes, punido justamente por algum malfeito, eu ia para o quintal. Ali, cumprindo castigo, era esquecido pelos de casa por várias horas. Era nesse momento que os anjos da bondade tomavam conta de mim.
Eu pegava uma bacia, enchia de água até as bordas superiores. Transformava aquela bacia num açude e às vezes, até num oceano, onde navegavam meus barquinhos de papel – que eu aprendera fazer, também, durante as aulas de “Trabalhos Manuais”!
O castigo se transformava em algo lúdico, bom, poético e uma prática escolar ganhava valor.