Quem nasce onde eu nasci
E se cria sem escola,
Andando com pés descalços
Ou corrulepe de sola,
Ou cresce pra ser vaqueiro
Ou cantador de viola.
Geraldo Amâncio
Um carrinho de brinquedo
O meu pai fez e me deu
As rodas eram de tábua
Porque não tinha pneu
O volante era um cordão
E o motorista era eu.
Chico Sobrinho
Minha infância foi na casa
Com três janelas na frente
A cruz de palha na porta
Lata de flor no batente
O jumento dando as horas
E o galo acordando a gente.
João Paraibano (1952-2014)
Papai achava esquisito
Quando numa roça eu ia
Cortava um jerimum verde
Na sombra passava o dia
Só desenhando boneco
Da casca da melancia.
Sebastião Dias
O cronograma do tempo
Mudou todo o meu destino
Enganado pelos sonhos
Eu tornei-me um peregrino
Por isso sinto saudades
Dos bons tempos de menino.
Rubens do Valle
O tempo da criança é fixo no que ela precisa, um ritmo natural que vem do corpo dela, dos sentidos e do cérebro, porque a natureza e nosso corpo são sábios e sabem nos guiar nesse processo. Quando vem um adulto e interfere nesse tempo, tira-se essa naturalidade.
O bom de ser criança e ter o dia para sonhar sem se preocupar com o amanhã. Brincar até à exaustão e depois dormir sem remorsos ou pesadelos. Bagunçar tudo sem depois ter que arrumar. Fazer birra e chorar e minutos depois estar novamente rindo com toda a energia.
A sextilha de Rubens do Valle está de acordo com o que penso sobre a infância: O cronograma do tempo/Mudou todo o meu destino/Enganado pelos sonhos/Eu tornei-me um peregrino/Por isso sinto saudades/Dos bons tempos de menino.
Vitorino,
É gratificante com um excelente comentário o tempo da criança e o quanto é bom se viver esse período da vida sem as preocupações da vida adulta. Ressalto que a infância é um momento único e tem seu tempo muitas vezes encurtado pelas obrigações próprias do mundo adulto. Para favorecer espaços de brincar, é preciso ter clareza de que este é um direito da criança e que se ela não o tiver garantido durante este período, o tempo não poderá repor o que foi perdido.
Aproveito a ocasião para compartilhar uma estrofe do poeta e repentista Rubens do Valle:
Os sonhos sempre caminham
Pela mente da criança
O medo é quem lança dúvidas
Na mente que não se lança
Podem até fechar portas
Mas Deus abre a esperança.
Saudações fraternas,
Aristeu
As sextilhas de crianças nos versos dos repentistas sentimos vontade de ser criança. É uma saudade, às vezes, tão boba, mas ela existe sim e a gente sente falta do nosso passado, de pequenas e simples coisas, de voltar no tempo mesmo. Se eu fosse eleger a melhor estrofe teria dificuldade, porém a que mais me impressioou foi a de Sebastião Dias: Papai achava esquisito/Quando numa roça eu ia/Cortava um jerimum verde/Na sombra passava o dia/Só desenhando boneco/Da casca da melancia.
Messias,
Grato por seu formidável comentário ressaltando a saudade do tempo de criança. Faço um breve destaque de como as crianças ententem o tempo. A questão da temporalidade e da forma como as crianças entendem a passagem do tempo está relacionada com a experiência familiar. Recorrem a lembranças de objetos (presente de Natal e aniversário), festas, nascimentos, para organizar o tempo com sentido de progressão.
Utilizo esse espaço democrático do Jornal da Besta Fubana para compartilhar uma estrofe do poeta e repentista Heleno Severino:
A criança desprezada
No lugar que chega diz:
Pai me gerou, mãe me teve,
Pai me enjeitou, mãe não quis,
Pai tem outra, mãe tem outro,
Só eu que vivo infeliz.
Saudações fraternas,
Aristeu
Aristeu,
Parabéns pela homenagem as nossas crianças.
Quanta coisa mudou,
Neste tempo peregrino.
No meu tempo de menina
Muita boneca eu tinha.
Eram feita de tecido
Costuradas com linha.
Do carretel, quando findava a linha
Era feito um peão,
Meu irmão enrolado a linha
E o peão rodopiava em círculo.
Assim foi uma infância que poucos problemas tinha.
Deixo assim a minha colaboração na sua coluna. Muito sonho e pouca rima,mas tudo feito com estima.
Abraços.
Carmen.
O cronograma do tempo
Mudou todo o meu destino
Enganado pelos sonhos
Eu tornei-me um peregrino
Por isso sinto saudades
Dos bons tempos de menino.
Rubens do Valle.
Carmen,
Parabéns pelo seu lindo poema com o tema de infância. Utilizo um brevíssimo comentário para abordar esse gênero literário que tanto admiramos. Um poema é um texto literário composto de versos, e que podem conter rimas ou não. Assim, diferente da prosa, escrita em texto corrido, o poema é escrito em versos que se agrupam em estrofes.
Tipos de versos:
Versos regulares: também chamados de versos isométricos, são aqueles que possuem a mesma medida.
Versos livres: também chamados de versos heterométricos, são os aqueles que possuem medidas diferentes, ou seja, são irregulares.
Versos brancos: também chamados de versos soltos, são aqueles que não apresentam esquemas de rima, no entanto, podem apresentar métrica (medida).
Compartilho o poema do pernambucano Manuel Bandeira (1886 – 1968), integrante da Geração de 22, foi publicado no livro Libertinagem (1930). Na obra, são evidentes as influências modernistas, como o verso livre e as temáticas cotidianas:
EVOCAÇÃO DO RECIFE
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!
A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão
(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão…)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.
Saudações fraternas,
Aristeu
Parabéns, prezado Aristeu, pela lindíssima e emocionante postagem, “A CRIANÇA NOS VERSOS DOS REPENTISTAS”!
Todas as sextilhas me impressionaram, pela beleza e lirismo.
Destaco:
“Minha infância foi na casa
Com três janelas na frente
A cruz de palha na porta
Lata de flor no batente
O jumento dando as horas
E o galo acordando a gente.
João Paraibano (1952-2014)”
Uma ótima semana, com muita saúde e Paz!
Violante,
Agradeço o seu estimulante comentário que sempre me inspira e me ajudar a ver o assunto abordado de uma forma mais abrangente. A origem do meu texto foi um artigo sobre a influência da infância na vida madura.
O que acontece hoje na vida das pessoas não é fruto apenas da visão focada no presente e no futuro. O fato é que o passado também possui um papel determinante no que ocorre, de tal modo que haja grande influência da infância na vida adulta.
Dependendo do conjunto de experiências, aprendizados e elementos aos quais uma criança é exposta, ela pode se tornar um adulto com capacidades e comportamentos melhores. Entender tanto os traumas como as alegrias entram na conta e são trazidos no crescimento, ajudando a construir caráter e personalidade.
Aproveito a ocasião nesse espaço democrático do Jornal da Besta Fubana para compartilhar um poema de Casimiro de Abreu (1839-1860), um dos maiores poetas da segunda geração romântica do Brasil, com a prezada amiga:
MEUS OITO ANOS
Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã.
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberto ao peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Desejo um semana plena de paz, saúde, alegria
Aristeu
Belíssimo, o poema “MEUS OITO ANOS”, do grande poeta Casimiro de Abreu (1839-1860),
Obrigada, Aristeu, por compartilhá-lo comigo! Adorei!
Uma semana cheia de paz, saúde e alegria para você também!