CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

Barra de São Miguel, 30 km ao sul de Maceió, é uma das praias mais bonitas do Brasil, tornou-se município no final da década de 1960 e eu fui candidato à prefeito em 1972, eleito, exerci o cargo entre 1973 e 1977. Tive duas alegrias: uma quando tomei posse, outra quando passei o mandato. Foi minha primeira e única experiência política.

Barra de São Miguel foi revelada ao Brasil e ao mundo pela prefeita que me antecedeu, uma senhora nativa, batalhadora. Dona Leonita Cavalcante. Viúva corajosa conseguiu educar seis filhos, Angélica, Manduca, Júlia, Isabel, Rosinha e Miriel. Tornaram-se pessoas trabalhadoras, brilhantes, graças à dedicação e ao amor daquela extraordinária mulher. A Prefeita morava em uma enorme casa, estilo barroco, piso de tijolos batido, ajanelada, no centro da cidade. Fim de semana recebia a família e os amigos. A casa se enchia de agregados. A moçada aproveitava a praia, uma extensa passarela de areia fina e branca servindo de tapete para água do mar. Encravada mar adentro uma faixa de pedras, de arrecifes naturais, complementava a beleza cênica. Na enchente da maré, a água transbordante forma pequenas cachoeiras, espetáculo apaixonante.

Na hora do almoço Dona Leonita servia deliciosas comidas em uma mesa enorme, antiga, de madeira grossa. O almoço preparado pela própria Leonita tinha o sabor divino de suas mãos: carapeba, arabaiana ao molho de camarão, fritada de siri, e o indelével, delicioso, sacro-santo arroz de polvo.

Durante a noite os jovens convidados carteavam baralho acompanhado de cerveja até o amanhecer, ou aportavam em algum bar com muitas conversas, biritas, inacreditáveis histórias bem humoradas. Dona Leonita, mamãe grande, cuidava muito bem de suas filhas, das amigas, e dos rapazes. Controlava, tinha disciplina. Ai de quem desobedecesse às regras determinadas.

Certa manhã, partimos de Maceió para Barra em caravana, quatro carros, incluindo o de Dona Leonita e sua cunhada Dona Moema que lhe acompanhava.

No caminho passamos pela bela cidade barroca de Marechal Deodoro, resolvemos calibrar com algumas cervejas. Os carros estacionaram em frente a um bar com uma enorme sinuca, perto da casa onde o Marechal Deodoro da Fonseca nasceu. A moçada revezava na sinuca e cerveja: os irmãos Bentes, Edson Frazão, Alfredo Zagalo, Guilherme Palmeira, Esdras Gomes, Manduca e as filhas da Dona Léo e outros convidados.

Jogamos, bebemos intermináveis saideiras. De repente apareceu um menino chato, peru de jogo. Ficou grudado na borda da mesa de sinuca, peruando e atrapalhando as jogadas. Depois de mandar, várias vezes o menino se afastar da sinuca, Frazão, com sua irreverência intempestiva e irresponsável, disse para o garoto chato: “Ôh menino, tem o que fazer não? Aqui nessa cidade tem Delegado? Pois vá dizer a ele, que ele é corno!”

O menino desapareceu. Meia hora depois, por sorte, Angélica avistou quatro soldados, um gordo senhor e o menino, descendo a ladeira vindo na direção do bar. Ela percebeu a situação, alertou que o delegado estava chegando com a Polícia. Foi um desespero para esconder Frazão. O Magro se enfiou no sótão do bar, calado, permaneceu escondido.

O delegado apareceu brabo perguntando quem o tinha chamado de corno. O infrator ia ser preso por ofensa à autoridade. Dona Leonita interferiu, disse que o rapaz falou de brincadeira, e que tinha voltado para Maceió. O delegado, amigo de nossa Prefeita, depois de muita conversa, tomou outro rumo.

Alguém veio nos informar: o delegado havia bloqueado as saídas da cidade, estava revistando todos carros. Dona Leonita teve a idéia: deitaram o magro Frazão no chão traseiro do carro, coberto por uma manta. Conseguiram passar pelo ofendido delegado que olhava atentamente enquanto o carro passava pelos policiais.

À noite estávamos em três rodas de jogo de baralho na casa da Barra, quando bateram na porta. Era o delegado de Marechal Deodoro com a Polícia. Dona Leonita foi atender, Frazão escondeu-se ligeiro no banheiro do fundo do quintal. O diálogo foi difícil, o delegado foi informado que o indivíduo estava hospedado naquela casa, só saía com ele preso, não podia ficar desmoralizado, foi chamado de corno; ofensa mortal naquela época.

Foram horas de conversa, de negociação. Afinal Dona Leonita usou seus melhores argumentos: serviu à comitiva um gostosíssimo arroz de polvo, uma deliciosa fritada de maçunim, acompanhando cerveja bem gelada. O gordo delegado com olhar glutão foi esvaziando todos os pratos com cerveja. Dona Léo com conversa e comida, venceu. O delegado partiu de bucho cheio, sonhando com o divino arroz, com promessa de castigo por parte da Prefeita ao ofensor e de um jantar especial para ele na próxima semana.

Dona Leonita deixou de lado o coração bondoso, deu uma espinafração no magro Frazão. Ele ficou sério, ouviu tudo caladinho.

Hoje Barra de São Miguel é um local chique, atração turística do Brasil e do mundo, uma das praias mais bonitas do Nordeste. Todo novo rico, constrói ou compra uma casa na Barra de São Miguel.

A prefeitura é disputadíssima, o novo prefeito é o ex senador Benedito de Lira, pai de Arthur, o presidente da Câmara.

Um comentário em “A BARRA DE DONA LEONITA

  1. Estimado Capita: Assisti ontem, no Cabaré do Berto, sua exposição. E o parabenizo por dois motivos: sua memória notável e o seu senso de humanidade demonstrado ao longo da sua vida, inclusive para com os encarcerados. Você mostrou que nossas Forças Armadas, em sua grande maioria, é composta de gente pensante, que sabe que a Terra é uma só para todos e a Fraternidade deve ser universal, sem preconceitos nem cavilações. Deus o proteja sempre.

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