VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

Seu Luiz Murá era um senhor sessentão, sempre de bem com a vida e muito bem humorado. Contador antigo, fazia “a escrita” de vários estabelecimentos comerciais, e frequentava sempre a Receita Federal para pegar informações. Muito bem relacionado, todos gostavam dele, do seu alto astral e do seu grande senso de humor.

Carmen Pimentel era fiscal da Receita Federal, cargo que passou a se chamar, posteriormente, Auditor Fiscal dos Tributos Federais.

Nessa época, estava no auge o grande sucesso de Chico Buarque, “A Banda”, e era a música mais tocada nas rádios de Natal.

Carmen Pimentel estava em pleno expediente na Receita Federal, quando entrou na sua sala Seu Luiz Murá, o contador, com sua costumeira pasta na mão. Como Carmen era especialista em “Imposto de Renda”, era a ela que seu Murá sempre se dirigia para pedir orientações. Ela tinha amizade pessoal com o contador e o atendia muito bem.

Como também era muito bem humorada, numa tarde em que Seu Luiz Murá foi lhe fazer consultas sobre declaração de imposto de rendas, Carmen, funcionária antiga, perto de se aposentar, quis brincar com o contador e cantou baixinho um trecho da música “A Banda”:

“O velho fraco esqueceu o cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou….”

Imediatamente, Seu Luiz Murá respondeu à provocação, como se respondesse a um desafio, cantando outro trecho da mesma música “A Banda”:

“…E a moça feia debruçou na janela,
Pensando que a banda tocava pra ela…”

Os funcionários da Receita Federal que ouviram a resposta de Seu Murá não se contiveram, e a gargalhada foi geral. Seu Murá tinha presença de espírito e não ficou por baixo na provocação de Carmen. A simpatia por Seu Murá ainda aumentou mais depois desse episódio.

* * *

Republicada atendendo a pedido do leitor Boaventura Bonfim.

21 pensou em “A BANDA

  1. Querida Violante, A Banda é a música mais famosa do grande Chico Buarque. Ganhou de “Para não dizer que não falei das Flores – Caminhando” – de Geraldo Vandré, o festival da Record de 67 e é a música mais tocada por todas as Furiosas do nosso Brasil.

    Um jovem de hoje talvez não saberá dizer de cabeça nenhuma música do Chico. Mas se ouvir os acordes da marchinha “A Banda”, irá se lembrar que já ouviu.

    Sua história é saborosa e cheia de picardia.

    Beijos

    • Adorei seu comentário, querido João Francisco!

      Chico Buarque tinha 22 anos, quando venceu o Festival da Record de 67, com a composição “A Banda” , esta preciosidade. E o páreo foi forte, pois “Pra não dizer que não falei de Flores”, de Geraldo Vandré, é uma composição belíssima.

      Sou fã incondicional do grande compositor Chico Buarque, independentemente de suas posições políticas.

      Considero Chico Buarque um patrimônio da nossa MPB.

      Beijos, amigo!

  2. Cara colega
    Violante Pimentel

    Hoje você pegou a viola e pôs-se a contar um “causo”, bela paródia, uma das melhores anedotas, piadas que já vi sobre os amores na 3ª idade. Uma beleza ! Você é a “Contadora de Causos da Besta Fubana”.

  3. “Para não dizer que não falei das Flores – Caminhando” – de Geraldo Vandré – Que canção, senhores, que canção. Ganharia de qualquer “bandinha manca” em qualquer país sério.

    Eis uma daquelas injustiças que a mim ninguém explica enquanto vou caminhando e cantando e seguindo as canções. A bandinha do chico não se classificaria nem para a respecagem no Festival da Canção da minha Desengano querida.

    Enquanto isso, lemos a musa maior do JBF e VEMOS QUE

    “…a Violante, tão bela se debruçou na janela,
    Sabendo que a banda tocava pra ela…

  4. Obrigado, caríssima Violante, por atender ao meu pedido de republicação dessa sua espirituosa crônica. O que mais me chamou a atenção nessa sua bem narrada história foi a verve espirituosa do “velho” contador Luiz Murá. Porque além de responder a provocação à altura, o velho Murá ainda se mostrou musicalmente atualizado, pois ele cantou justamente a sequência da mesma estrofe da música:
    “O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
    Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
    A moça feia debruçou na janela
    Pensando que a banda tocava pra ela”.

    Agradeço também ao caro Editor Berto pela republicação da Crônica.

    Parabéns! Um forte abraço. Boaventura.

    • Prezado Boaventura:

      Foi uma grande satisfação, atender ao seu pedido e ver a minha crônica republicada pelo querido Editor Luiz Berto.
      Realmente, o contador Luiz Murá demonstrou estar musicalmente atualizado e ser dono de uma acurada presença de espírito.

      Grande abraço e uma ótima semana!

  5. Obrigada pelo comentário gentil, querido Sancho.

    O III Festival Internacional da Canção, de 1967, ocorreu em plena ditadura militar.

    Nesse cenário de ditadura, Geraldo Vandré concorreu ao Festival com sua lindíssima composição, “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores”, também conhecida como “Caminhando”. Música de protesto, como se o compositor estivesse clamando, gritando para que todos entendessem que não seria possível fazer revolução munidos de flores.
    Ainda ficou em 2º lugar, não sei como, pois a censura era tão pesada e a canção tão simbólica, que isso rendeu consequências aos jurados, que tiveram seus carros quebrados e sofreram insultos por causa da escolha.

    O Brasil estava vivendo os anos mais conturbados de sua história. A opressão aos movimentos sociais e culturais foi se intensificando, até se concretizar através do AI-5, editado pelo presidente Artur da Costa e Silva, em 13 de dezembro de 1968..

    “A Banda”, de Chico Buarque, apesar do lirismo, finaliza com um protesto, quando diz:

    “Mas para meu desencanto
    O que era doce acabou
    Tudo tomou seu lugar
    Depois que a banda passou
    E cada qual no seu canto
    E em cada canto uma dor
    Depois da banda passar
    Cantando coisas de amor,”

    Grande abraço!

  6. Violante: m-a-r-a-v-i-l-h-a! Tudo! Tudo muito legal, dito em poucos parágrafos. Coisa de quem sabe contar (você também, amiga, e não apenas o Seu Murá). Violante, sem ser pretensioso, acho que a tecnologia moderna reduziu nossa convivência como pessoas e essa redução procrastinou nossas amizades feitas no calor do dia-a-dia.

  7. Obrigada pela gentileza do comentário, querido amigo José Ramos!

    Fiquei feliz com suas palavras.

    Você tem razão, quando diz que “a tecnologia moderna reduziu nossa convivência como pessoas e essa redução procrastinou nossas amizades feitas no calor do dia-a-dia.”
    Na verdade, o calor humano desapareceu e a presença foi substituída por vídeos e áudios.

    Nada substitui o calor humano e a conversa “olhando nos olhos.”

    Grande abraço e uma ótima semana!

  8. Belíssima e saborosa crônica.

    O camarada Muriá se “desembaraçou, com muita maestria, fazendo uma perfeita junção de argúcia com sutileza.

    Lembrou muito o Churchill, e seus petardos venenosos em respostas ao seus adversários políticos.

    Em plena tribuna na câmara dos comuns a adversária, deputada Nancy Astor, pronunciou o seguinte comentário mordaz: “Se o senhor fosse meu marido, eu lhe daria veneno.
    E Churchill, muito matreiro e perspicaz, respondeu: Se eu fosse seu marido, eu tomaria.

    Parabéns, Violante!

  9. Obrigada pelo comentário gentil, prezado Marcos André!

    Realmente, a presença de espírito de Seu Murá, ao dar uma resposta à altura da provocação recebida, lembrou o ímpeto de Churchill, com suas respostas inteligentes e ferinas.
    Esse caso contado por você, referente a uma discussão entre ele e a adversária, deputada Nancy Astor, “em plena tribuna na câmara dos comuns”, foi hilário.

    Com a resposta dada à amiga Carmen, Seu Murá mostrou que estava atualizado musicalmente e tinha um acurado senso de humor. Respondeu à provocação, cantando a sequência da mesma estrofe da música “A Banda”:

    “O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
    Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
    A moça feia debruçou na janela
    Pensando que a banda tocava pra ela”.

    Grande abraço e uma excelente semana!

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