JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

Mestre José Nivaldo pede artigo para seu Jornal. Isso não é pedir. Manda quem pode (ele). E obedece quem tem juízo(eu). Ou pensa que tem, o que dá é uma alegria, receber notícias dele. E uma honra, merecer um pedido assim. Não dá para recusar. Aproveito então para refletir sobre pessoas que se dedicam à Arte de Escrever. Como José Nivaldo, sucesso editorial no mundo todo (já vi livros seus na Romênia). E que lançam nessa aventura sem tamanho que é fazer um jornal como esse.

Para começar, lembro que os capitéis dos templos romanos eram povoados por figuras animais que vieram das páginas do Apocalipse. Expressando-se nessas figuras receios, remorsos, virtudes, o mel e o fel que habitam o indeterminado cidadão comum. Avançamos no tempo. Até (Friedrich) Nietzsche. Que fez seu bestiário baseando, na moral, a busca de poder que eleva o Übermensch (em tradução livre, o Novo Homem).

Inspirado nesses capitéis, representava o homem com figuras animais. O camelo, com a moral pesada do eu devo. O menino, com a moral simples do eu sou. E o leão, com a moral onipotente do eu quero. Nesse zoológico de símbolos, será legítimo perguntar qual animal deveria representar a imprensa. Mais amplamente, os meios de comunicação. E, se assim for, talvez devêssemos escolher o camaleão. Por sua infinita capacidade para mudar sempre. Com a moral ambígua do eu me adapto. Sobretudo hoje, quando a Grande Mídia já desistia de fazer jornalismo.

A verdade é um mistério. E nula. Fernando Pessoa até dizia (O Marinheiro), “isso é tão estranho que deve ser verdade”. E tudo vem de longe. Nos livros, um exemplo, sempre se diz que tudo começou com (Johannes) Gutenberg (1398 – 1468). Só que não é bem assim. Os tipos móveis não foram inventados por ele. Já sendo usados, na China e na Coréia, milhares de anos antes. Feitos em porcelana, madeira e metal. O título de Pai da Imprensa, que lhe é atribuído, se deve ao fato de que teria editado o primeiro livro. A Bíblia de Gutenberg, assim se diz. Problema é que essa Bíblia de Gutenberg nunca existiu. Trata-se de uma história inventada. Como tantas outras.

Para pagar dois empréstimos de 800 florins, cada, o coitado foi obrigado a entregar, em 1455, ao banqueiro Johannes Fust, materiais e obras em preparação. Entre elas, o projeto de uma Bíblia de 42 linhas. Apenas projeto. Que acabou depois realizado, inteiramente, por Peter Schöffer. Quando veio a público a Bíblia de Shöffer e Fust, em 1456, já Gutenberg havia voltado ao anonimato em que sempre viveu. Sem que se conheça um único livro impresso por ele. Nem havendo sequer um retrato seu. Nada. Ficou apenas o anúncio, alardeado por ele nos bons tempos, de que estaria fazendo uma Bíblia. Que nunca fez, mais uma vez se diga. Apesar disso, e por força das repetições, continuamos a falar na Bíblia de Gutenberg. Um caso claro em que a adaptação camaleônica de uma mentira, em ver sua repetição, continuada, finda por se converter em verdade.

Escrever, adaptando bem conhecida sentença de Guimarães Rosa, é muito perigoso. Se partirmos da ideia de que o fundamento de todas as liberdades é a da consciência, vamos ter que reconhecer duas exigências básicas. Uma, antes, é não ter censura. Nenhuma consciência livre se forma sob o peso da censura. E outra, depois, o poder dizer tudo que se quiser. Fora isso, de que valeria ter uma consciência livre? Só que não é assim. Ao menos por enquanto. Tanto que projeto de um Libel Reform Act, elaborado pelo Annemberg Institute (de NY), quase chegou a ser aprovado pelo Congresso dos Estados Unidos. E, nele, “opiniões, charges e fotos opinativas” poderiam ser livremente editados. Sem risco de processo. Um dia será assim, no mundo todo, podem acreditar.

Voltando a nossa conversa, e para muito além dos símbolos, dando à arte de escrever alguma dignidade, ela deve se fazer a partir de alguns compromissos básicos – com sua consciência, com sua circunstância e com seu tempo. Ao menos deveria ser assim. É o que fazem os que se comprometeram na grande aventura que é fazer o Poder. E viva o Poder. O jornal Poder, é claro.

16 pensou em “A ARTE DE FAZER “O PODER”

  1. Padre José Paulo encerra sua escrita, dizendo “E voltando a nossa conversa…”
    Escrever é também conversar por escrito. Uma conversa que não pode ser interrompida. Cabra bom esse “padre”!!!

  2. Pego de Brito o final: Cabra bom esse “padre”!!!

    Sancho treina às sextas neste JBF com o intuito de um dia (quem sabe) conseguir embaralhar as palavras e conseguir PARIR um primor de texto como este (masterpiece) A ARTE DE FAZER “O PODER”.

    A cada texto que redijo recebo de Berto gama considerável de “esporros” pela mediocridade de minha lavra, mas (narrativo mas) peço sempre “mais uma chance”, prometendo “melhorar na próxima”. Um dia o manda-chuva fubânico desiste e me demite (torço que vá tarde tal decisão).

    E aproveito todo meu tempo livre para ler exaustivamente os luminares do JBF, como J.P., tentando dar à luz algo aproveitável.

    Dando à arte de escrever alguma dignidade TERMINO dizendo que escrever não sei, mas (esperto mas), reconhecer um primoroso texto está entre minhas virtudes.

    Um ótimo domingo ao mestre e aproveito então para refletir sobre pessoas que se dedicam à Arte de Escrever. E os artistas da ESCRITA batem ponto neste JBF de tanta gente maravilhosa.

    Até sempre…

  3. O que eu posso dizer ao colibri que toda manhã vem sorver o néctar da flor do noni do quintal de minha casa, após ler A ARTE DE FAZER “O PODER” do Dr. José Paulo?

    Que o dia está mais sábio!

    Parabéns, amigo, por nos brindar com sabedoria.

  4. Que pena, talvez até para parecer mais erudito do que é, Cavalcanti inventa uma história de que tão disparatada que é, quer parecer ser a verdade dos fatos. Ora, negar a Gutenberg a edição da Bíblia em alemão, na verdade um opúsculo, dos quais se pode encontrar exemplares em igrejas luteranas até aqui no Brasil. Curitiba, por exemplo. Nos 400 anos desta epopeia tive o privilégio de ter em minhas mãos o feito, que ao mesmo tempo, é o ato fundador do que passamos chamar de imprensa. Ou seja, não a cópia, mas a reprodução em escala. E mais: o gênio de Gutenberg dá um salto triplo-carpado na história. Se a Igreja Católica até o início do século XX impedia que algumas congregações tivessem acesso à Bíblia- é o caso dos jesuítas – a distribuição da Bíblia em alemão adiantou a alfabetização entre os germanos em pelo menos 300 anos. E mais: Como escreve o professor de história Joseph Loconte, do King’s Colege: “Lutero ofereceu mais do que uma teoria do empoderamento individual. (Ao traduzir a Bíblia para o alemão) Ele entregou uma declaração espiritual de direitos. Talvez isso seja suficiente para demonstrar a afirmação que de que Martinho sumiu na irrelevância.

    • JBF é cultura…

      (…) uma história de que tão disparatada que é, quer parecer ser a verdade dos fatos. (…)

      J.P.Cavalcanti vs B.Russel… Um dos dois cometeu um enorme equívoco…

      Algum terceiro texto para dirimir dúvidas?

  5. Considero o ZéPaulinho uma inteligência desamerdalhada, pessoano por derradeiro, pernambucano pra baralho e sempre antenado com os altos e baixos de um Brasil que desejamos grande, sem mitos, com apenas mate, muita pinga, mulher bonita, políticos honestos e gente fraterna. Sou leitor meditativo e rabiscativo dos seus escritos. Sempre com Fernando Pessoa: o livro das citações dele em minha cabeceira. Considero José Paulo Cavalcanti Filho um talento brasileiro pra lá de arretado de ótimo.

    • Estendo a Fernando Antonio Gonçalves as seguintes palavras cavalcantianas: aproveito então para refletir sobre pessoas que se dedicam à Arte de Escrever. E os artistas da ESCRITA batem ponto neste JBF de tanta gente maravilhosa.

      Caríssimo Fernando Antonio Gonçalves,

      Este JBF está REPLETO de “talento brasileiro pra lá de arretado de ótimo”.

      Ótimo domingo, mestre.

  6. Obrigado a todos pelos incentivos, embora eu não consiga atacar nem os cadarços do Zé Paulinho, admiração minha desde os tempos universitários !!!

  7. Obrigado a todos os amigos. Fraternalmente. Só um pedido a B. Russel ( acho de bom gosto, esse heterônimo, que o Bertrand merece uma homenagem assim, embora considere que melhor seria falar em seu próprio nome ) . Procure, nos livros, a “ Bíblia de Shöffler e Fust “ . Vai levar um susto. Se não tiver tempo, pode recorrer à internet. Se também não tiver tempo, nem para isso, veja no exemplar que tem. Se está lá escrito Gutenberg, ou aqueles dois. Vai ser divertido. A questão é a lenda. Depois que se cria, todos acreditam. Não tem como enfrentar isso. Até Elvis, segundo muitos, não morreu. Fazer o quê? Abraços.

    • Academia Brasileira de Letras

      Escritor José Paulo Cavalcanti Filho é o vencedor do Prêmio José Ermírio de Moraes/2012

      O Prêmio José Ermírio de Moraes de 2012, da Academia Brasileira de Letras, foi concedido no dia 27 de setembro ao escritor pernambucano José Paulo Cavalcanti Filho pelo livro “Fernando Pessoa – uma quase autobiografia”, volume da editora Record de 734 páginas nas quais o autor aborda “amores, ofícios, a arte de fingir, seus 127 heterônimos, o gênio e a liturgia do fracasso” do poeta português.

      O prêmio, no valor de R$ 80 mil, foi instituído pela família de José Ermírio de Moraes e pelas indústrias Votorantim em 1995.

      Roberto Campos, Wilson Martins, Evaldo Cabral de Melo, Cícero e Laura Sandroni, Decio de Almeida Prado, Luiz Felipe de Alencastro foram alguns dos vencedores do prêmio, em anos anteriores.

      O Acadêmico Marcos Vilaça, ex-Presidente da ABL, afirmou: “A Academia hoje reconheceu o trabalho de um pesquisador competente e obstinado. É a mais importante biografia de Pessoa, desfazendo equívocos de décadas em torno do homem”.

      Ocupante da cadeira 27 da Academia Pernambucana de Letras, o jurista José Paulo Cavalcanti Filho (Recife, 21 de maio de 1948) é advogado formado pela Faculdade de Direito do Recife. Foi secretário-geral do Ministério da Justiça e Ministro (interino) da Justiça, no governo José Sarney. Foi também Presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), da EBN (depois EBC) e do Conselho de Comunicação Social (órgão do Congresso Nacional), Consultor da Unesco e do Banco Mundial.

      30/9/2012

      Fonte:
      https://www.academia.org.br/noticias/escritor-jose-paulo-cavalcanti-filho-e-o-vencedor-do-premio-jose-ermirio-de-moraes2012.

      Ao longo de minha doce vida – avizinhando-me do pórtico de minha triunfante edificação septuagenária – conheci muitos intelectuais eruditos, porém poucos da estirpe do Dr. José Paulo.

      A meu juízo, quem consegue amealhar em sua caminhada profissional tão faustoso currículo, jamais sentirá necessidade de “parecer mais erudito do que é”.

      Dessa forma, presto minha irrestrita solidariedade ao culto colega de atividade advocatícia, José Paulo Cavalcanti Filho, por quem nutro admiração e respeito.

      Parabéns, nobre colega, pelo excelente artigo!

      Abraços desde Fortaleza.

      • Fonte:
        https://www.academia.org.br/noticias/escritor-jose-paulo-cavalcanti-filho-e-o-vencedor-do-premio-jose-ermirio-de-moraes2012.
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        Caro José Paulo Cavalcanti,

        Ao longo de minha doce vida – avizinhando-me do pórtico de minha triunfante edificação septuagenária – conheci muitos intelectuais eruditos, porém poucos da estirpe do Dr. José Paulo.

        A meu juízo, quem consegue amealhar em sua caminhada profissional tão faustoso currículo, jamais sentirá necessidade de “parecer mais erudito do que é”.

        Dessa forma, presto minha irrestrita solidariedade ao culto colega de atividade advocatícia, José Paulo Cavalcanti Filho, por quem nutro admiração e respeito.

        Parabéns, nobre colega, pelo excelente artigo!

        Abraços desde Fortaleza.

        Boaventura Bonfim.

    • Imagino que o padre José Paulo tivesse intenção de comentar meu comentário. (sic). Explicando só que B não é de Bertrand mas de Bernardo Russel vem depois de Schilling. Está claro? Então, por que dar uma aula de analfabetismo botando aspas em “Bíblia de Shöfffer e Fust”, quando se refere a “nos livros”. Tente ser mais claro – se for possível. Imagina que seminaristas tenham atividades mais instigantes na sacristia, quando tomam aquele vinho doce e relaxam…Acho que você José Paulo está meio avariado porque não diz coisa com coisa. E quanto a lenda do Elvis, dá pra imaginar o que não pedia o padre superior…Seria love tender?
      P.S. Que tal, na condição de padre, embora meio precário mentalmente, nos explicar esta figura estrambótica do Papa Francisco. O que homem que hoje é a garantia das hierarquias homossexuais dentro do Vaticano. E por isso mesmo ele deixou o modesto apartamento apartamento destinado aos prelados e foi morar na Casa de Santa Marta, onde exibe um crucifixo ornado com uma foice e um martelo. Onde recebe turbas de sindicalistas argentinos que controlam as organizações criminosas chamadas “barras”. E por que Francisco ficou quietinho enquanto G.Soros e outras organizações criminosas financiavam a introdução do aborto na Argentina. Não foi lá que deu a bênção para o ditador Maduro? Onde se hospeda aquele que é chamado como o “Garoto do Papa”, Grabois, um ativista violento, que prega ocupações de terras produtivas e desfila pelos meios fascino-peronistas como uma estrela.

      • Caro B. Russel:

        Sem entrar no mérito do debate, apenas para informar:

        O colunista fubânico José Paulo Cavalcanti usa o título de “Padre” porque foi ordenado e nomeado por mim, que sou Papa da Igreja Católica Apostólica Sertaneja, a ICAS.

        A ICAS é uma festiva e debochada entidade que criei ainda nos anos 70 do século passado.

        Vários outros leitores e colunistas também são da nossa Igreja e tem postos que vão desde Padre até Cardeal.

        Como os Cardeais Pedro Malta, Bernardo e Jessier Quirino, entre vários e vários outros.

        Abraços e bom dia.

  8. Obrigado, Mestre Boaventura. Não tenho palavras. Devo o gesto. E uma última lembrança a B Russel. Tu é doido?, homem. Vou lá falar mal do Papa Francisco? Ao contrário. Já não acredito em Deus. Nem no céu. Mas, suponha, esteja eu errado. Se o Homem lá de cima ver que crítico seu Papa, aí é que estou perdido. E não entro lá, nunca. Façamos assim. Você critica. E eu só assinto, tranquilo. Abraços fraternos.

    • Se tudo não passa de brincadeirinha. Prefiro não rir quando não há graça mas petulância.
      Aqui me despeço- se graça— mas não vou gastar em pinga os duzentos com que me envaidece colaborar para um repertório humano tão rico que multipliquei com orgulho até pra gaucho abichornado.
      Meu mais alegre e sentido respeito ao mestre — quiçá sultão — Berto Filho

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