DEU NO X

LAUDEIR ÂNGELO - A CACETADA DO DIA

ALEXANDRE GARCIA

CULPA DA SERPENTE

A área em marrom mostra o transbordamento do Rio Jacuí, carregado de sedimentos, no início de maio.

A área em marrom mostra o transbordamento do Rio Jacuí, carregado de sedimentos, no início de maio

Está literalmente na nossa genética o pecado de transferir para os outros as nossas culpas. A primeira leitura da missa de domingo foi do Livro do Gênesis, em que Adão, para justificar-se por ter comido o fruto proibido, diz a Deus que foi Eva quem lhe ofereceu. Eva, por sua vez, põe a culpa na serpente, que acaba amaldiçoada. Racionais, o homem e a mulher, no início de tudo, no gênese, põem na genética da humanidade o lavar de mãos com que depois Pilatos permite crucificar Jesus. A culpa é dos outros e, enfim, do irracional. Está no dia a dia e mais se evidencia na prática política.

Os prefeitos de Porto Alegre que por anos não fizeram a manutenção dos diques e comportas são todos responsáveis pelas consequências da inundação. Mas assinaram uma nota denunciando o atual prefeito. Os prefeitos nos municípios inundados, no Guaíba e no Taquari, que permitiram habite-se para edificações em bairros que ficaram embaixo d’água em 1941 e enchentes subsequentes, são todos responsáveis pelo desastre, assim como os vereadores que votaram em permissões para empreendimentos imobiliários em zonas de risco certo. Mas fica mais fácil todos endossarem os ambientalistas que culpam o irracional, a serpente, isto é, o clima, que é inimputável, diferente das autoridades irresponsáveis.

Aqui em Brasília não há enchente do Lago Paranoá, mas estão sendo recorrentes as enxurradas de votos derrubando vetos do governo. O presidente, que não pode usar o engodo de “catástrofe climática”, prefere culpar suas lideranças no Congresso e seus ministros por não conversarem com deputados e senadores. As pesquisas de opinião mostram queda na aprovação do governo e inflação na desaprovação, e o presidente culpa seus marqueteiros, encarregados da propaganda, que não souberam demonstrar que um jirimum e uma picanha são iguais. 

Lula mandou importar 1 milhão de toneladas de arroz para baixar o preço, num país que tem arroz até para exportar, sem pensar na situação dos arrozeiros gaúchos, que produzem 70% do arroz nacional. Eles sofreram três secas com prejuízos consecutivos e, agora, a grande enchente. Fizeram um leilão em que o país inteiro se escandalizou com os vencedores, como a lojinha Queijo Minas de Macapá ou um fabricante de sorvete. O presidente ficou irritado com a repercussão negativa e acha que a culpa é do secretário de Política Agrícola e ex-ministro da Agricultura, Neri Geller, já que quem fez o leilão na Conab é um indicado de Geller. O presidente da Conab, Edgar Pretto, gaúcho como os arrozeiros prejudicados e deputado estadual por três legislaturas, criador e coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Alimentação Saudável, lavou as mãos e não se insurgiu contra a compra. A serpente é forte.

Adão e Eva precisam parar com isso. Já perderam o paraíso por isso. A culpa é da serpente, mas os expulsos do paraíso foram eles. Que transmitiram a genética aos descendentes. Jogam lixo no chão, entopem bueiros, mas a culpa é dos governos que não limpam. Criam mosquito em casa, mas a culpa da dengue é da falta do fumacê. Já imaginaram se todos renegassem a transferência de culpa? Freud teria menos trabalho e seríamos mais felizes e viveríamos melhor entre nós mesmos. Eta, mania de lavar as mãos! “Não fui eu, foi o outro.” Os que estão mandando e desmandando em nossas vidas foram eleitos por nós. Assumamos a responsabilidade – ou a culpa – e tratemos de recusar o fruto proibido, que muitos nos oferecem como delicioso, na campanha eleitoral. Depois não digam que foi a serpente que nos ensinou a votar em abóbora com sabor de picanha.

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

HÉLIO CRISANTO – SANTA CRUZ-RN

RESSACA DE VAQUEJADA

Um sujeito já quase embriagado
Bebe cana com cinco raparigas
Sem notar a zuada de umas brigas
Faz poeira no chão todo animado.
Outro chega da farra já cansado
Prende o burro no pau de uma latada
Sanfoneiro tocou sem ganhar nada
Bota o fole no saco insatisfeito;
“Desmantelo de tudo quanto é jeito
Aparece em bolão de vaquejada”

Cinco horas, o dia amanhecendo
Um caboclo reclama da ressaca
Um pinguço mijando numa estaca
Não faz conta de quem passa lhe vendo.
Outro bebe num bar e sai devendo
Carregando num copo uma bicada
Uma moça vomita embriagada
Cai por cima de um carro de confeito;
“Desmantelo de tudo quanto é jeito
Aparece em bolão de vaquejada”

DEU NO JORNAL

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LAUDEIR ÂNGELO - A CACETADA DO DIA

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PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

ÚLTIMO PORTO – Raimundo Correia

Este o país ideal que em sonhos douro;
Aqui o estro das aves me arrebata,
E em flores, cachos e festões, desata
A Natureza o virginal tesouro;

Aqui, perpétuo dia ardente e louro
Fulgura; e, na torrente e na cascata,
A água alardeia toda a sua prata,
E os laranjais e o sol todo o seu ouro…

Aqui, de rosas e de luz tecida,
Leve mortalha envolva estes destroços
Do extinto amor, que inda me pesam tanto;

E a terra, a mãe comum, no fim da vida,
Para a nudeza me cobrir dos ossos,
Rasgue alguns palmos do seu verde manto.

Raimundo da Mota de Azevedo Correia, São Luís-MA (1859-1911)

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA