“Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta.
Não tendes vós muito mais valor do que elas?
E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura?
E, quanto ao vestuário, por que andais solícitos?
Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam;
E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles”.
Mt 6,26-29
Lírios da Paz no campo
O mundo está moderno. Pessoas estão a caminho e, deduz-se, vão demorar chegar para um encontro. Outras, faz tanto tempo que chegaram, estão ávidas para ir embora – deixando o encontro para Pasárgada. Mas, é bom lembrar que, lá, nem todos são amigos do Rei.
Elvira, “Vivi”, filha primogênita e única daquele casal que herdou fortuna dos pais e dos avós. Fazendeiros ricos que continuaram investindo no agronegócio no interior goiano. Investiram, duplicaram a riqueza e empregaram centenas de pessoas. Boa gente, melhor dizendo.
Além do alto investimento na bovinocultura e ovinocultura, o casal investiu, também, na floricultura. Os resultados imediatos satisfizeram e, nesse campo, o investimento foi maior, quando problemas familiares surgiram.
Vivi, filha do casal, sentia incômodos e deficiência visual. Diagnosticada, adquirira doença visual rara, de nome “presbiopia”, provavelmente fruto de sequelas de uma toxoplasmose.
O patamar financeiro dos pais de nada servia para resolver o problema de Vivi. Os pais se dedicaram inteiramente à filha. Nada lhe faltava.
Vivi não ficou cega. Teve acuidade visual diminuída em noventa por cento, o que lhe causava profunda tristeza e irritação. O amor e a dedicação dos pais aliviavam os problemas.
A rotina doméstica mudou intempestivamente. O pai, que se acostumou a resolver quase todos os problemas ao lado da esposa, passou a resolvê-los só. A mãe precisou dividir as tarefas diárias, dedicando a maioria delas à Vivi.
A parte da manhã era rotina um passeio no campo, onde os “lírios da paz” – todos brancos! – eram cultivados. Vivi acompanhava a mãe, que aproveitava para colher ramalhetes de lírios que colocava num vaso na janela. Todo dia os lírios eram trocados, e a janela, sempre aberta, permitia que o vento perfumasse levemente os aposentos de Vivi.
– Vamos filha! Vamos passear no campo e colher lírios!
– Vamos mãe. Já estou pronta. O que a senhora faz com os lírios que são substituídos?
– Tiro uma das pétalas e guardo. Depois, dou o destino necessário pata as pétalas que sobram. Rezo, e as jogo no córrego pedindo Paz!
– Deus tem sido bom e tem atendido seus pedidos?
As duas saem em direção ao campo. O vento trazia um perfume inconfundível, enquanto mãe e filha caminhavam em passos lentos, usufruindo a paz dos lírios no campo.
Por um momento, o comentário de Vivi (“que coisa mais linda mamãe, a beleza de cada lírio branco contrastando com o verde das folhas”) chamou a atenção da mãe, e lágrimas rolaram pelos seus olhos.
– Nem duvido que você esteja vendo tudo isso, filha!
– Deus é bom, mãe. Sinto, como se estivesse vendo!
E as duas se abraçaram fraternal e carinhosamente. A mãe aproveitou para colher os ramalhetes de lírios brancos. As duas, agora em passos mais lentos para aproveitar aquele momento de paz e felicidade, voltaram para casa.
Os lírios do vaso na janela foram trocados. A mãe arrancou suavemente uma pétala e guardou. Saiu da casa e foi até o córrego, onde “ofereceu” aos santos, os lírios brancos da paz.
No novo dia que chegou, após o café matinal, e antes da saída do pai para o trabalho na granja, Vivi pediu:
– Pai, compra um computador e me dá de presente!
Ainda que achasse aquele pedido estranho, o pai ouviu e nada respondeu. Os dias se passaram e o computador com teclado apropriado foi instalado no cômodo de Vivi.
Os dias de Vivi passaram a ser diferentes. Mais alegres. Parecendo até que algumas horas foram acrescentadas nas vinte e quatro normais. Apesar disso, os passeios no campo de lírios não diminuíram. Ao contrário. Ficaram mais divertidos e aquilo alegrava também a mãe de Vivi. Era visível a felicidade da filha, ainda que acometida de problema tão grave e de difícil solução.
Certo dia, operando o computador, Vivi falou em voz alta:
– Como é você? Perguntou Vivi, no exato momento que a mãe entrava no quarto com uma pequena bandeja nas mãos. O susto foi enorme.
– Com quem você está falando filha? Perguntou a mãe, aflita!
– Com um rapaz que conheci ontem no Facebook. Respondeu Vivi.
– Deus dos céus! (“Minhas preces quando jogo os ramalhetes de lírios no córrego estão sendo ouvidas por Deus”)
Além do teclado especial para deficiente visual, o pai de Vivi comprou, também, fones/microfones modernos, o que permitia que a filha mantivesse contatos com outras pessoas.
Aquele era um momento diferente. Frank, o nome do interlocutor e, agora, amigo de Vivi.
A casa recebeu novo astral. A preocupação com a “presbiopia”, contraída por Vivi diminuiu ante a possibilidade de recuperação total: graças ao amor.
Vivi nunca falou para Frank o seu problema visual. Os momentos de alegria com o relacionamento superaram qualquer necessidade de revelação. O amor poderia curar tudo.
Uma visita de Frank à casa de Vivi foi marcada. Chegado o dia, Vivi recebeu da mãe o comunicado que a visita havia chegado. As duas preferiram receber o visitante no cômodo onde Vivi permanecia sempre. A janela foi aberta. As cortinas foram amarradas e o ar puro que entrava fazia do cômodo um lugar prazeroso.
A mãe de Vivi convidou Frank para ir ao encontro da filha, no quarto. Os três estavam juntos. A mãe preferiu deixá-los a sós. Vivi, tão emocionada com o momento, permaneceu sentada e acessando o computador.
Frank se aproximou, cumprimentou Vivi. A jovem pediu para que Frank lesse uma postagem recente que fizera. Só então Frank percebeu a diferença especial do teclado, concluindo que Vivi era cega. Embora não fosse.
Lírios da Paz na janela
Vivi levantou, cumprimentou Frank e o convidou a ir até a janela, de onde poderiam olhar os lírios no campo.
Aquele horizonte branco que apareceu, visto da janela, por um momento foi visto pelos dois. Vivi, intempestivamente, viu o campo repleto de lírios da paz. Agora, também do amor.