DEU NO X

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

BUDISMO MODERNO – Augusto dos Anjos

Tome, Dr., esta tesoura, e…corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, Cruz do Espírito Santo, Paraíba (1884-1914)

DEU NO JORNAL

LAUDEIR ÂNGELO - A CACETADA DO DIA

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

DEU NO JORNAL

REZA FORTE DE DONA GINA

* * *

Depois que li está notícia aí em cima, me veio uma ideia à cabeça.

Acabei de enviar mensagem para o CNS dando uma sugestão.

Sugeri que aquele órgão contrate Dona Gina, a maior catimbozeira de Palmares, pra participar deste novo programa de cura do governo federal, através do SUS.

Num tem doença que Dona Gina num resolva!!!

DEU NO X

MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

A IDADE PÓS-CONTEMPORÂNEA

Aprendemos na escola que a história se divide em Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea. Eu nunca gostei dessa classificação, por ser muito voltada à Europa ocidental para algo que deveria ser universal, e porque é uma classificação datada; afinal, toda época é contemporânea de alguma coisa. Além disso, pressupõe um conjunto fechado: o que virá depois da idade contemporânea?

A discussão se torna importante porque eu acho óbvio que estamos em um quinto período. Vamos relembrar os anteriores para entender:

A Idade Antiga se caracteriza pelos grandes impérios. É uma visão eurocêntrica, que ignora o mundo além dos domínios romanos, gregos ou persas. Seu marco final é a queda do último imperador de Roma, Rômulo Augusto, em 476.

Seguiu-se a Idade Média, que ao contrário da anterior se caracterizou pela descentralização. Com o fim do poder de Roma, a Europa se dividiu em centenas de pequenos feudos, cada um governado pelo seu príncipe, duque ou conde, com pouca interação entre eles. O comércio diminuiu e durante cinco séculos o progresso tecnológico foi mínimo. Somente por volta do século 10 é que o comércio e a interação entre as diferentes comunidades voltou a crescer.

A Idade Moderna tem como marco inicial mais comum a queda de Constantinopla em 1453, embora alguns autores prefiram outros eventos como a viagem de Colombo em 1492 ou a reforma protestante em 1517. De qualquer forma, este período se caracteriza pela “globalização” que interliga Europa, América, Ásia e África através do comércio e do estabelecimento de colônias (o interior da África só participaria deste processo séculos depois). Politicamente, os pequenos feudos perdem importância e o poder se centraliza nos grandes estados nacionais.

Um fator comum nestas três épocas é a divisão social entre nobres e plebeus. Os primeiros exercem o poder, promovem guerras, constroem castelos, conquistam e perdem territórios. O restante da população apenas trabalha e sobrevive; do que produzem, ficam apenas com o mínimo necessário para não morrer, o resto é tomado na forma de impostos.

A Idade Contemporânea, que tem como marco inicial a Revolução Francesa (1789), nasceu junto com o iluminismo. Foi nessa época que as pessoas comuns deixaram de ser apenas mão-de-obra e passaram a ser vistas como indivíduos. A justiça, por exemplo, deixou de ser simplesmente a vontade do rei e passou a ser estabelecida por leis. A Revolução Industrial trouxe uma abundância sem precedentes para o cidadão comum, e pode-se dizer que o século 19 viu mais mudanças do que qualquer outro na história. Por volta de 1800 uma casa de classe média era iluminada por velas ou lampiões de óleo, e a única máquina existente era talvez uma roca de fiar lã. Viagens eram feitas a cavalo e o único meio de comunicação era a carta. Cem anos depois, havia fonógrafos, fogões a gás, máquinas de costura, lâmpadas elétricas, automóveis, trens, telégrafos. O comércio internacional cresceu enormemente. Mas, voltando ao início do parágrafo, o mais importante é que pela primeira vez o progresso beneficiava principalmente o cidadão comum e não a elite governante.

E é aí que tudo se complica. Os otimistas gostam de ver esse progresso existindo até hoje, falando em “conquistas sociais”. Para eles, o mundo continua melhorando. Para os pessimistas, como eu, a coisa não é bem assim.

Terminado o século 19, a Primeira Guerra Mundial mostrou que o povo continuava correndo o risco de morrer em um campo de batalha simplesmente porque alguns reis ou presidentes não tinham nada melhor para fazer. E quando a guerra terminou, os antigos costumes do feudalismo, onde as pessoas eram tratadas como propriedade pelos poderosos, voltou com nova roupagem: o regime de servidão mudou de nome para nacionalismo; a obediência ao rei virou obediência ao governo, e a justificativa deixou de ser o “direito divino” e passou a se chamar “contrato social” ou “estado democrático de direito”. A obrigação de pagar impostos, essa não mudou muito, só aumentou em variedade e em quantidade.

Além da Primeira Guerra, outros fatos poderiam ser escolhidos como marco final da Idade Contemporânea: a Grande Depressão em 1929, o fim do padrão-ouro em 1971 ou o anúncio oficial de que o governo se concedeu o direito de fazer o que quiser em nome da “segurança nacional”, após o 11 de setembro de 2001.

Mas nada se compara ao que aconteceu entre 2020 e 2022, no período conhecido como “a pandemia”. Foi quando a população do mundo renunciou a seus direitos de adulto e declarou que prefere viver como criança, sendo cuidada pelo papai governo. O governo declarou que era preciso evitar aglomerações, e para isso iria limitar o horário de funcionamento dos supermercados e reduzir o número de ônibus, e a população apoiou. A OMS declarou que não adiantava usar máscaras, mas um mês depois disse que todos deveriam usar máscaras, e todos não só obedeceram como transformaram o uso em motivo de orgulho, talvez em um reflexo atávico dos tempos em que tampar a boca era o tratamento dado aos escravos como símbolo de sujeição.

Nessa época, governos do mundo inteiro disseram que iriam ignorar todos os protocolos sobre testes e certificações de novos medicamentos, e que iriam usar o dinheiro público para adquirir, a qualquer preço, vacinas que não haviam sido testadas, e cujos fabricantes declaravam explicitamente que não assumiriam nenhuma responsabilidade em caso de efeitos colaterais indesejados. Os governos ainda ordenaram que a população deveria não apenas receber essas vacinas não testadas, mas acreditar que “a ciência” garantia que elas eram seguras; quem duvidasse deveria ser xingado de “negacionista” ou “terraplanista”. A população obedeceu alegremente.

Governos do mundo inteiro declararam que, em nome do “bem comum”, eles poderiam fazer o que quisessem, e que coisas como Liberdade de Expressão, Direitos Individuais ou Segurança Jurídica eram coisas antigas, fora de moda e perigosas. O povo aplaudiu, agradecido, e pediu mais.

Nesta Idade Pós-Contemporânea, as pessoas não têm mais noção própria do que é verdade; ao invés disso, a mídia informa aquilo que o governo determinou que é verdade, e todos se sentem confortáveis em acreditar. Em nome de uma certa “democracia”, todos gostam daquilo que todos devem gostar e têm medo daquilo que devem ter medo – discordar da maioria, por exemplo.

Algum dia, talvez tenhamos um novo Iluminismo, e as pessoas (ou pelo menos algumas delas) voltem a acreditar que possam pensar por si mesmas. Ou antes disso teremos uma guerra nuclear e uma nova Idade Média.

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

A ROQUEIRA

O baiano Danilo abriu a janela da confortável suíte do Hotel Ponta Verde, encheu-se de recordações, estava extasiado com mar azul com matizes verdes. Logo telefonou para um amigo da cidade onde há 40 anos morou e cursou por cinco anos a Faculdade de Engenharia de Alagoas.

Danilo passou alguns dias sendo alvo de almoços e jantares por parte dos colegas. No sábado, enquanto esperava o amigo no lobby do hotel, avistou uma senhora, pareceu-lhe familiar, achegou-se, e o coração disparou ao reconhecer aquela jovem alegre, bonita que ensaiava, cantava e dançava o rock nas festas de Maceió. Doce e inesquecível namorada. Com certeza, chamou-a pelo nome.

– Tereza!

Espantada, ela levantou-se, aproximou-se, o sangue ferveu e explodiu ao reconhecer o amor de juventude, um grito saiu da goela.

– Danilo! Não é possível.

Abraçaram-se longamente, pensamentos rodando, 40 anos de lembranças repentinas e sentimentos passados. Ao arrefecer o ânimo e a emoção, sentaram-se no sofá sorrindo um para outro. Lágrimas correram nas faces de Tereza. Em um relance, o baiano fez uma rápida análise de seu ex amor: devia estar pelos sessenta, ainda uma mulher bonita, cabelos castanhos longos e lisos envolviam o rosto pouco machucado pela idade, olhos vivos castanhos, brilhavam cheio emoção. A boca carnuda era a mesma, ele dizia na época que seus lábios pareciam com os da Brigite Bardot. Tereza interrompeu-o:

– O que está olhando, seu cabra? Estou em forma, graças a muita malhação, bisturi e hormônios.

Conversaram bastante, Danilo contou que estava em Maceió para comemorar 40 anos de formatura. Confessou que, mesmo no tempo de casado, nunca esqueceu aquele amor juvenil, puro e bonito. Tereza emocionada deu um beijo em sua face, resumiu sua vida.

– Fiquei viúva há cinco anos, 3 filhos, 4 netos. Há algum tempo apareceu um câncer no seio, muita luta contra a doença, parece que venci, os últimos exames estavam bons. A compreensão da morte transformou minha cabeça. Hoje quero aproveitar o que resta, tenho vivido intensamente nesses últimos anos. Entendi que a vida é uma dádiva. Sou uma coroa alegre que ama estar viva.

Nesse momento apareceu um colega de turma vinha buscar Danilo para o almoço de despedida. Cumprimentaram-se, ela conhecia o engenheiro. Tereza perguntou o restaurante do almoço, ficou de telefonar para Danilo.

Passava um pouco das três horas no agradável restaurante Akuaba os engenheiros com esposas deleitavam-se numa caprichada moqueca de arabaiana com cerveja. Rolavam histórias, memórias e muito uísque. De repente surgiu Tereza, deu boa tarde, cumprimentou o pessoal, puxou uma cadeira, sentou-se junto a Danilo e cochichou no seu ouvido:

– Não lhe largo mais.

Chegaram no hotel às sete da noite cantando antigas canções. Sozinhos no elevador, beijaram-se. No quarto amaram-se como se o mundo fosse acabar. Danilo havia tomado uma azuladinha, ficou surpreso com a performance de Tereza; parecia uma loba no cio.

Depois do banho, enrolados em toalhas, sentados na varanda, pediram uma garrafa de uísque, os dois abriram os corações, contaram histórias de suas vidas. Tereza lembrou o pacto que fizeram de não escrever cartas. Ela na ilusão dele retornar sofreu muito quando soube que ele estava morando no Canadá.

– O tempo passou e eu desisti de você, meu querido, no que fiz bem. Casei-me, mas nunca lhe esqueci. Essa é a verdade.

– Não há mais tempo de pedir desculpas. Assim que retornei à Bahia, meu pai, deputado, logo arranjou um emprego irrecusável no Canadá. Tive dificuldades com a língua e a parte técnica nos primeiros meses, logo estava dominando a tecnologia moderna de construção. Tive vontade de lhe escrever, mas achei que estaria alimentando uma ilusão. Numas férias em Salvador conheci uma prima bonita e rica. Casei-me. Depois de 10 anos retornei ao Brasil, sempre com bons empregos arranjados pelo deputado, meu pai. Tenho dois filhos, três netos e um casamento desmanchado há alguns anos. Preferi ficar solteiro e boêmio. Nunca me prendi à outra mulher, acho que no inconsciente eu estava amarrado à você. Hoje me deu essa clareza. Tenho certeza, embora velhos, reencontrei o amor de minha vida.

Tereza aproximou-se deu um beijo em sua boca, desceu no queixo, beijou-lhe o peito cabeludo e o ventre, os corpos rolaram no tapete. Só adormeceram depois de mais sexo e muito uísque. Estavam bêbados.

Amanheceu o domingo, Danilo deu-lhe um beijo no rosto, ela acordou-se e o puxou, se amaram do jeito dos velhinhos, mas valeu. Passaram o domingo conversando no apartamento do hotel. Desceram apenas para dar uma volta na orla, tomar uma cervejinha numa barraca. O resto do domingo deitaram-se no tapete, se cheirando, se beijando, contando histórias, relembrando o tempo que Tereza era roqueira num conjunto da garagem de sua casa no bairro da Cruz das Almas e como ele gostava de dançar o rock levantando-a em volta de sua cintura.

Afinal chegou a segunda-feira ingrata, só para contrariar. Danilo tinha que deixar o carro alugado no aeroporto, o avião decolava às 14:00 horas para Salvador. Tereza o acompanhou, retornaria de táxi. O carro deslizava na grande avenida. Num impulso ela beijou sua mão, seu rosto, suas pernas. Danilo dirigindo e sorrindo pedia cuidado e juízo. Ao parar num sinal vermelho, uma van cheia de freiras parou justaposta ao carro de Danilo. As noviças ao perceberam o que eles estavam fazendo, ficaram escandalizadas, fizeram o sinal da cruz, balançaram a cabeça repreendendo aquela falta de vergonha. O semáforo fez-se verde, Danilo acelerou, ao mesmo tempo deu um grito, sorrindo.

– Sua maluca!

Na hora do embarque despediram-se entre beijos e lágrimas. Tereza retornou feliz da vida. Passou a semana recordando os bons momentos. Na quinta-feira telefonou para Danilo.

– Meu amor, agora não vou desistir de você nunca. Estou com a passagem para Salvador. Chego às 15:30 amanhã. Vou lhe procurar.

– Não precisa. Estarei no aeroporto.