Neste excelente vídeo, Paulo Polzonoff, jornalista, tradutor e escritor brasileiro, faz inteligentes comentários sobre o perigo da ideologização de tudo, até do futebol.
Reflitamos sobre isso.
Assistamos ao vídeo: “Como votaram os jogadores da Seleção do Brasil na Copa do Mundo”.
Decisões contrárias à lei máxima do país, a Constituição, causam insegurança jurídica e política
Nunca se valorizou tanto o único parágrafo do primeiro artigo da Constituição: “Todo o poder emana do povo, que o exerce através de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Democracia vem do grego: demos é povo e kratos é poder. É o regime em que o povo é origem do poder. O povo transfere seu poder pelo voto, mas mantém seu poder original. Quem foi escolhido pelo voto está representando o povo. Autoridade sem voto recebe poder de modo indireto, através de mecanismos criados pelos representantes eleitos. Os constituintes cuidaram de registrar a origem do poder logo no primeiro artigo, como a anunciar que a Constituição a seguir tem origem no povo e existe para servir o povo. O supremo poder é do povo. O povo é o alfa e o ômega – início e fim – em uma democracia.
Na democracia, vale a vontade da maioria do povo, expressa por plebiscito, referendo ou eleição. O último referendo foi em 2005: 64% dos eleitores decidiram que é livre o comércio de armas. No entanto, há quem insista em contrariar essa vontade expressa de uma maioria de quase dois terços. A última eleição teve um vencedor com pouco mais da metade dos votos válidos. No segundo e decisivo turno, se abstiveram, votaram em branco ou anularam o voto quase 38 milhões de eleitores. O vencedor teve 60 milhões de votos e vai governar para 215 milhões de brasileiros. A pequena diferença entre os dois candidatos exigiu mais informações sobre o sistema digital, mas as dúvidas se mantiveram, servindo como a gota que transbordou um cálice cheio de violações sucessivas à Constituição, nos últimos anos.
Duas medidas poderiam evitar a inquietação que hoje paira sobre o país. Se o Supremo não tivesse derrubado a decisão de mais de 70% dos congressistas, admitindo o comprovante impresso do voto, estaríamos conferindo as apurações com a transparência estabelecida pelo artigo 37 da Constituição. E, se os presidentes do Senado – Alcolumbre e Pacheco – tivessem atendido a requerimentos de senadores para investigar violações da Constituição que atingiram o devido processo legal, a liberdade de expressão e a autonomia dos poderes, já se teria dado um basta precoce nos avanços extraconstitucionais de guardiões da Constituição. Ministros do Supremo se tornaram legisladores, constituintes e políticos, segundo esse o argumento mais comum de 62 requerimentos que dormitam à espera de agendamento no Senado.
Hoje se percebe até risco de convulsão por causa da inação do presidente do Senado, ao tempo em que ministros do Supremo agem cada vez mais além de seus limites. Sentindo que o Senado não está representando uma parte do povo, esse povo apela aos quartéis, formando um crescente pedido de ajuda. Esse povo exerce, no caso, a alternativa da democracia direta, prevista no primeiro artigo da Constituição. Se os representantes nada fazem, nem dão satisfação – ao contrário, silenciam ou ironizam –, esse povo desapontado com as instituições mostra seu poder, mais legítimo que outro qualquer, porque é o poder original.
A juíza colombiana Vivian Polania foi suspensa por três meses, sem direito à remuneração, por ter aparecido seminua durante uma audiência virtual.
De acordo com a Comissão Judicial Disciplinar do Norte de Santander (CNDJ), Vivian desrespeitou a própria função e as pessoas presentes na audiência.
No vídeo, é possível ver a magistrada deitada, vestindo apenas uma blusa e peças intimas, além de fumar um cigarro, enquanto preside uma sessão sobre um atentado com explosivos em uma brigada do Exército, em Cúcuta, cidade a cerca de 600 quilômetros da capital Bogotá.
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Essa juíza perde longe pros nossos togados do SPTF.
Estes daqui do Brasil são completamente despidos: de caráter, de saber jurídico, de isenção e de vergonha no fucinho.
E quando se despem das capas, aí a merda aparece fedendo e poluindo o país inteiro.
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#Ops Jueza olvida apagar su cámara y aparece fumando y semidesnuda en una audiencia en Cúcuta, Colombia.
Luego de esas imágenes salió a la luz, otra filmación donde Vivían Polonia confunde la marihuana con la valeriana y sugiere tomar gotas de la misma. pic.twitter.com/XaDlJbqGRp
A expectativa em Brasília é que o ministro Nunes Marques acolha a representação de Bolsonaro contra Lula e Gleisi Hoffmann, por ataques à sua honra.
Difícil mesmo será o tribunal condenar os acusados.
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É mais fácil um eleitor petista raciocinar, ou um hipopótamos sair voando, do que esse supremo tribunaleco condenar o seu casal de comparsas, a parelha Ladrão e Amante.
O flagrante que fecha esta postagem escancara a realidade de maneira indesmentível.
Ao invés de um cela, uma sala.
Prestem atenção nos fucinhos das figuras.
O sorriso e a cara de felicidade da galêga na foto já diz tudo:
“Nós não vamos te condenar nunca, meu lindinho querido!!!”
Enganou-se quem acreditava que o país voltaria ao normal após a eleição, em termos de liberdade de expressão. A voracidade censória continua, com contas e perfis de empresas e pessoas físicas nas redes sociais sendo rotineiramente derrubados ou desmonetizados. É o novo normal: na democracia em vigor, todos são livres para dizer o que pensam, desde que todos pensem como eu.
Nem é preciso ser jornalista: mesmo pessoas comuns estão pensando duas vezes antes de emitir uma opinião diferente, de fazer uma crítica construtiva, de contestar a decisão de uma autoridade ou de postar no Twitter ou no Facebook qualquer coisa que contrarie a narrativa do pensamento único que aos poucos vai sendo imposta, na marra, a todos os brasileiros.
Isso gera a percepção crescente de que não estamos mais vivendo uma situação de normalidade democrática, mas sim a aurora de algo muito diferente da democracia – algo de contornos ainda nebulosos, mas já assustadores. A percepção de muita gente é essa.
O medo corrói e exaspera a alma daqueles que se veem impotentes diante da escalada kafkiana dos acontecimentos e não sabem mais a quem recorrer. Em um primeiro momento, a gente se percebe medindo as palavras, praticando a autocensura para escapar de diferentes formas de cancelamento.
Mas isso cansa, e com o tempo, a se confirmar essa percepção sombria, a tendência é os sobreviventes ficarem quietos mesmo, ou mudarem democraticamente de assunto. Nem todo mundo tem vocação para mártir, e um dia, talvez, todos aprenderemos a ficar democraticamente calados.
Porque calar democraticamente metade da sociedade parece ser o objetivo da outra metade, com o apoio democrático da mídia e da própria Justiça. Tudo em defesa da democracia.
Em uma ditadura declarada seria até mais fácil, porque todos saberiam exatamente o que pode ou não pode ser dito. Mas, no estranho sistema que parece se estabelecer aos poucos no Brasil, os limites do que é e do que não é permitido dizer são difusos, tênues, móveis, voláteis.
Em um sistema assim não há regras claras, porque faz parte do método do Ministério da Verdade estabelecer os crimes e as penas ad hoc, caso a caso, após o fato que será julgado: é necessário que seja assim, porque, na democracia de um lado só, tão ou mais importante quanto o que é dito é quem diz.
“Posso interpelar um político na fila de embarque em um aeroporto?”
“Posso opinar sobre uma decisão de um ministro do Supremo?”
“Posso mentir, caluniar ou ofender um adversário político?”
“Posso manifestar o desejo de que um presidente seja afastado, ou mesmo de que ele morra?”
“Posso contar uma piada ligeiramente misógina ou politicamente incorreta?”
“Posso me aglomerar sem máscara para assistir a um jogo da Copa do Mundo, mas ao mesmo tempo acusar de genocida quem não usa máscara em uma reunião?”
“Posso dar um joinha quando alguém fizer um desabafo sobre a situação do país em um grupo privado de WhatsApp?”
“Posso torcer para que um atleta quebre a perna?”
Hoje a resposta a estas perguntas não é “sim” nem “não”, é um democrático “Depende. De que lado você está? Em quem você votou?”
Se você estiver do lado certo, poderá usufruir plenamente a liberdade de expressão que é inegociável na democracia. Mas, se estiver do lado errado, só terá mesmo o direito de ficar caladinho(a).
Como disse recentemente alguém muito importante, não podemos de forma alguma permitir a volta da censura no Brasil. A não ser, é claro, nos casos em que podemos sim.
E o pior é que muitas pessoas estão comemorando alegremente a escalada da censura, das perseguições e de outros ataques à liberdade.
Alguns comemoram por inocência, outros por ideologia, outros, ainda, por deficiência de caráter mesmo – da mesma forma como festejam, por exemplo, a lesão de Neymar na Copa.
Sim, a sociopatia chegou a este ponto: torcer para o melhor jogador da seleção brasileira se machucar, porque é bem feito pra ele. Todo mundo sabe que Neymar representa uma ameaça à democracia.
Então vamos combinar assim: de agora em diante fica decretado que, como aliás já acontece informalmente com artistas, intelectuais e outras celebridades, os ídolos do futebol precisarão de atestado de pureza ideológica para continuar ganhando seu pão. Sem esse atestado, eles serão sumariamente classificados como fascistas e linchados, na praça pública da internet, por um exército de ativistas virtuosos, especialistas na prática do ódio do bem.
É assim que funciona na nova democracia.
E são estas pessoas que dizem que o amor venceu.
O problema é que no Brasil até o passado é imprevisível, e muita coisa sempre pode acontecer. Como na canção do Cazuza, ainda estão rolando os dados. Mas, diferentemente do que diz a mesma canção, parece que o futuro não repetirá o passado. Porque o tempo não anda para trás.
Pelo menos é o que sinaliza a sequência de expectativas frustradas em curso, neste período de transição que ainda nem chegou à metade mas já está deixando muita gente de cabelo em pé.
É uma transição estranha – e , seguramente muito diferente daquela de 20 anos atrás, quando, apesar das desconfianças e incertezas, havia no país um clima de esperança e festa, de crença na possibilidade de algo novo e melhor acontecendo no Brasil.
Hoje não se vê esperança nem festa, ao contrário: há protestos nas ruas e apreensão crescente dentro de casa, inclusive e principalmente na casa daqueles que votaram no candidato vencedor por nojinho e aversão estética ao presidente que ora se despede, em enigmático silêncio.
Posso estar redondamente enganado e sempre torcerei para o Brasil dar certo, independentemente de quem estiver no poder. Mas a percepção neste momento é de inevitável pessimismo, porque o governo eleito não está demonstrando nem a habilidade nem a agilidade necessárias, sobretudo em momentos de crise, no relacionamento com diversos atores decisivos para o seu êxito ou fracasso futuros. Se não, vejamos:
– Existe a percepção de que o governo eleito não está demonstrando habilidade nem agilidade no relacionamento com o mercado, ao contrário: a cada fala desastrosa e a cada nome especulado para o Ministério da Fazenda, a bolsa cai e a expectativa de inflação sobe. Para piorar as coisas, os nomes que foram vendidos na campanha eleitoral como fiadores de moderação e racionalidade na condução da economia já foram escanteados – ou estão se afastando por conta própria. O mercado reage mal, e é natural que isso aconteça;
– Existe a percepção de que o governo eleito não está demonstrando habilidade nem agilidade no relacionamento com as ruas, ao contrário: continua apostando na narrativa que desqualifica os manifestantes como golpistas, e os protestos como antidemocráticos. Além de não estar colando fora da bolha, essa narrativa só serve para irritar o cidadão comum e acirrar a polarização da sociedade;
– Existe a percepção de que o governo eleito não está demonstrando habilidade nem agilidade no relacionamento com a classe política, ao contrário: a falta de articulação e a aparente bateção de cabeça entre as lideranças que disputam poder tornam cada vez mais remota, por exemplo, a aprovação da chamada PEC da Transição), pelos menos nos termos, no prazo de validade e no valor inicialmente propostos. Enquanto isso, o Centrão acumula poder, sugerindo que não haverá carta branca do Congresso, ainda que a pusilanimidade e o fisiologismo de muitos parlamentares sejam sempre um fator a considerar.
Resta o apoio quase incondicional de dois atores. Sobre o Poder Judiciário já não é mais prudente falar – e alguns episódios recentes sugerem não ser mais prudente sequer um cidadão buscar o socorro da Justiça quando se sentir violado em seus direitos, porque a resposta pode ser uma punição ou, pelo menos, um “Perdeu, mané”.
Sobre a grande mídia, ela ainda aposta na narrativa partidária e militante que prevaleceu durante toda a campanha eleitoral. Mas já começam a pipocar sinais de insatisfação: um editorial de alerta aqui, uma cobrança de responsabilidade fiscal ali, uma mudança de vocabulário acolá, tudo isso sugere que o tom do noticiário político pode mudar muito nos próximos meses, a depender dos acontecimentos.
Fato é que hoje ninguém sabe ao certo como o Brasil estará daqui a um mês, muito menos daqui a um ano. Nem se sabe tampouco quem ainda terá direito à fala: talvez todas as vozes dissonantes já tenham sido democraticamente caladas. O amor terá vencido.
Tempos muito estranhos. Mas, como diz a citada canção do Cazuza, o tempo não para.