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CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

DEU NO JORNAL

ENTENDA A PEC DA TRANSIÇÃO E POR QUE ELA PREJUDICA A SUA VIDA

Deltan Dallagnol

Lula quer uma PEC de transição que lhe garanta a possibilidade de furar o teto de gastos em 198 bilhões de reais por ano, violando regras básicas de responsabilidade fiscal, sem correr risco de impeachment.

Para colocar a opinião pública a favor da PEC, Lula afirmou há uma semana que o teto de gastos suprime recursos da saúde, educação, ciência, tecnologia e cultura para entregá-los a banqueiros. Para ele, o teto impediria o investimento social.

É mais um engodo de Lula. Toda pessoa responsável por um orçamento familiar ou empresarial entende que precisa, como regra, gastar menos do que ganha. Se gastar mais, vai se endividar com empréstimos e gastos no cartão. Conforme sua dívida cresce, os bancos cobrarão taxas de juros maiores porque o risco de um calote se torna maior.

A cada mês, um valor maior do orçamento doméstico precisará ser separado para pagar os empréstimos, que crescerão com o volume da dívida e a taxa de juros. Se a dívida crescer demais, chegará a um ponto em que se tornará impagável. A família ou empresa se tornará insolvente, quebrará.

É para evitar essa bola de neve de crescimento da dívida do país que foi criada em 2016 a regra do teto de gastos, que estabelece uma limitação para as despesas do governo, que não podem superar aquelas do ano anterior, reajustadas pela inflação.

Essa regra de “responsabilidade fiscal”, controle fiscal ou controle de contas foi inserida na Constituição por meio da Emenda 95 e seu descumprimento acarreta crime de responsabilidade do Presidente da República, que pode resultar no seu impeachment.

Por isso, Lula busca autorização do Congresso, por meio de uma nova emenda à Constituição, para realizar despesas acima do teto. Contudo, mesmo que a PEC seja aprovada, permitindo um gasto maior do que a receita, ela não inventa o dinheiro.

O problema, muito mais do que jurídico, é econômico. De onde virão os recursos?

Há três soluções possíveis: o aumento irresponsável da dívida que gera recessão econômica; a impressão de dinheiro que acarreta inflação e pode encontrar óbice na autonomia do Banco Central estabelecida recentemente por lei; e o aumento de uma carga tributária já bastante alta que dependeria do Congresso.

A solução que está nas mãos do presidente é o aumento da dívida, aquela mesma solução já conhecida da família ou empresa que se endivida. Contudo, essa solução não funciona quando as contas não comportam mais endividamento.

O governo toma empréstimos por meio da emissão e venda de títulos da dívida pública, que são comprados por investidores nacionais e estrangeiros, diretamente ou indiretamente quando fazem aplicações em fundos de investimento nos bancos.

O empréstimo será honrado na data e forma estabelecida no título. O governo pode pagar o empréstimo com recursos oriundos dos tributos, ou rolar a dívida emitindo novos títulos da dívida pública.

Se a dívida ficar muito elevada ou houver um descontrole das contas públicas, aumenta a desconfiança dos investidores de que o país não terá condições de honrar a sua dívida. Países que deram calote, como Argentina, Rússia e Grécia, sofreram consequências gravíssimas na economia como perda do poder de compra da moeda, descontrole inflacionário, desvalorização do câmbio, desemprego e diminuição do padrão de vida da população.

O volume da dívida brasileira é hoje de cerca de 77% do PIB, o que é bastante alto em comparação com outros países emergentes. Por conta da PEC da transição de Lula, que promete um impacto de 800 bilhões mais juros ao longo de quatro anos, economistas têm projetado um crescimento da dívida pública de cerca de 10 a 20 pontos até o fim do próximo governo, aproximando-se do valor do próprio PIB.

O teto de gastos foi criado justamente num contexto de descontrole do aumento da dívida pública, logo após o governo Dilma, para dar confiança de que o país honraria a sua dívida e, assim, favorecer a venda dos títulos e a rolagem da dívida. O teto dá sustentabilidade à dívida e tem previsão de durar 20 anos.

A violação do teto de gastos, fora de circunstâncias extraordinárias, destrói a regra e a confiança de que a dívida será honrada. Com isso, a venda dos títulos só ocorrerá mediante a sua oferta pelo governo com uma taxa de juros maior.

Essa taxa de juros paga pelo governo, atrelada aos mencionados títulos, acaba balizando a taxa de juros de toda a economia. De fato, instituições financeiras só emprestarão para pessoas como eu e você se cobrarem de nós uma taxa de juros maior do que aquela que receberão se comprarem títulos do governo, pois o risco de emprestar ao governo é menor.

Assim, se os juros da dívida pública subirem, também subirão os juros que instituições financeiras cobram de empreendedores, agricultores, industriais e consumidores, desacelerando a atividade econômica, porque ela depende em grande medida de financiamentos.

Além disso, uma alta taxa de juros desestimula o empreendedorismo e a geração de riqueza. Pessoas preferirão comprar títulos públicos que lhes rendam altos juros do que investir em empreendimentos econômicos que exigem tempo e energia e implicam riscos.

Assim, o descontrole fiscal prejudica o crescimento do Brasil, a renda e o emprego. É o que o governo promoverá ao extrapolar o teto de gastos, exatamente o contrário do desenvolvimento econômico e social que afirma buscar.

Some-se que aumentar dívida para financiar despesas ordinárias, como quer o PT, viola a regra de ouro fiscal de que só se aumenta dívida para fazer investimentos, porque eles aumentam a riqueza produzida e a capacidade do país de pagar a dívida feita. Ampliar a dívida sem ampliar a riqueza significa transferir injustamente às gerações futuras o encargo de pagar as contas da geração atual.

A PEC da transição pode trazer um benefício instantâneo, de curto prazo, mas trará prejuízos significativos no médio e longo prazo. Por suas consequências desastrosas, a PEC da transição já foi apelidada de PEC do estouro, da gastança, do apocalipse ou da Argentina. Com ela, Lula descumpre sua promessa de campanha de responsabilidade fiscal.

Nesse cenário, é natural que o índice da bolsa de valores caia. Não é uma conspiração do mercado. As ações da bolsa representam o valor das empresas e, num cenário de recessão e perda de renda e emprego, elas crescerão menos, o que as desvaloriza.

Por tudo isso, é enganosa a narrativa de que o teto favorece banqueiros em prejuízo dos brasileiros. É o contrário: investidores rentistas ganham mais quando os juros sobem. Na verdade, o teto protege a saúde das contas que é condição para a prosperidade de todos.

É também mentirosa a alegação de que o teto impediria o gasto social. A responsabilidade fiscal é condição necessária para a social. Além disso, recursos para os investimentos sociais, que são bastante importantes, podem e devem ser obtidos mediante remanejamento e não aumento de despesas.

Dentre os 30 países com maior carga tributária do mundo, o Brasil é o que menos retorna os recursos arrecadados para a população na forma de serviços públicos essenciais. Não se trata de gastar mais, mas de gastar melhor, reduzindo a ineficiência e o desvio do dinheiro público, no que os governos do PT foram pródigos.

Ao tomar conhecimento dos planos de Lula, Henrique Meirelles desejou boa sorte a investidores. Nós brasileiros precisaremos mais do que de boa sorte. Precisamos de uma boa atuação do Congresso para impedir a catástrofe moral e econômica que o governo do PT planeja impor aos brasileiros.

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

⁠SONETO À MANEIRA DE CAMÕES – Sophia de Mello Breyner Andresen

Esperança e desespero de alimento
Me servem neste dia em que te espero
E já não sei se quero ou se não quero
Tão longe de razões é meu tormento.

Mas como usar amor de entendimento?
Daquilo que te peço desespero
Ainda que mo dês – pois o que eu quero
Ninguém o dá senão por um momento.

Mas como és belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano,
E de eu te possuir sem tu te dares.

Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Porto, Portugal (1919-2004)

DEU NO JORNAL

A IGNORÂNCIA DE LULA SOBRE OS EFEITOS NEGATIVOS DO DÉFICIT

Editorial Gazeta do Povo

Lula, presidente eleito: relatório do Banco Inter prevê aumento na dívida pública com a PEC fura-teto

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, vem dizendo que não faz sentido respeitar o teto de gastos definido em lei nem o equilíbrio das contas públicas enquanto houver pobreza no país. Lula tem afirmado publicamente que o governo deve gastar mais (sem informar qual o limite) a favor das pessoas e famílias pobres, mesmo sem receitas de impostos suficientes para pagar a conta. Por óbvio, Lula está propondo que os gastos e os déficits fiscais sejam pagos com mais dívida do governo ou emissão de moeda. Ao presidente eleito deveria ser perguntado se ele sabe que déficits repetidos por vários anos, pagos com mais dívida ou impressão de dinheiro, têm consequências graves e nocivas à economia, especialmente aos pobres, e completamente alheias às vontades dos governantes.

Cabe ressaltar, por exemplo, que há diferença entre os efeitos de um déficit feito para construir uma obra (uma ferrovia, um hospital ou uma escola) e os efeitos de um déficit feito para aumentar gastos burocráticos ou custeio com a máquina pública. Mas a diferença nesse caso se refere apenas à qualidade do gasto, não aos efeitos do déficit em si, pois as consequências do aumento da dívida pública ou do aumento da moeda circulante usado para pagar os gastos são as mesmas em ambos os casos. Se o governo decidisse gastar mais com programas direcionados aos pobres e pagasse esses novos gastos com recursos diminuídos de outras despesas, de forma a não piorar o saldo das contas, ocorreria apenas mudança no destino dos gastos, sem provocar elevação do déficit e sem a necessidade de o governo fazer mais dívida ou emitir moeda.

Mas não é disso que Lula anda falando. O que ele anda dizendo é que manterá os gastos que já consomem todo o orçamento público e que vai estourar o teto de gastos definido em lei para aumentar as despesas com programas direcionados aos pobres. A intenção pode parecer algo nobre, porém, se fosse possível explodir as contas públicas, gastar mais e mais, e fazer déficits todos os anos sem criar problemas nem destruir a economia, certamente não haveria pobres no mundo. Por um raciocínio simples, é fácil saber que há limites para o endividamento público, pois quem empresta dinheiro ao governo na moeda nacional são pessoas e empresas, por intermediação do sistema bancário ou comprando diretamente títulos do Tesouro Nacional. E isso tem limites claros.

Sem a possibilidade de fazer dívida ilimitada, a persistência de gastos deficitários obriga o governo a fabricar dinheiro (expansão da base monetária, na linguagem dos economistas) destinado a pagar as contas. É nesse ponto que as nobres intenções não impedem consequências desastrosas capazes de espalhar sofrimento a todos, principalmente aos pobres. O que determina o nível de bem-estar social e o padrão de consumo de um povo é o tamanho da produção de todos os bens e serviços comparado com o tamanho da população. Ou seja, é a economia real que define o padrão de vida, e não o quanto de dinheiro existe em circulação em forma de moeda manual e moeda escritural.

O total de moeda em circulação (os meios de pagamentos) representa o total do produto nacional em circulação (o Produto Interno Bruto, PIB), e a relação entre essas duas quantidades (total de moeda dividido pelo total de produto transacionado) dá um quociente que se poderia chamar de “preço nacional médio”. Se houver aumento do total de moeda manual ou escritural em circulação e não houver aumento do PIB transacionado, esse quociente (preço nacional médio) aumentará, ou seja, haverá aquilo que qualquer pessoa conhece como “inflação”.

Tendo sido presidente da República por dois mandatos, Lula já devia ter aprendido os princípios mais elementares da ciência econômica. Por exemplo, ele deveria saber que todo o dinheiro que existe em circulação – nos bolsos e nas contas das pessoas, das empresas e do governo (municípios, estados e União) – é uma espécie de representação de todos os bens e serviços disponíveis no mercado. Se houver criação de dinheiro a partir do nada, seja moeda em notas de papel ou moeda escritural na conta do governo, o país terá mais dinheiro para representar os mesmos bens e serviços, logo, o dinheiro passa a valer menos. Inflação é isso. Os preços aumentam para se adequar à nova situação de mais dinheiro sem mais produto.

A inflação é a forma mais cruel de anular as boas intenções que levam à emissão de dinheiro acima do aumento do produto nacional, com o triste efeito de punir especialmente aqueles que foram usados como justificativa para explodir os gastos: os pobres. Não é preciso dizer que a inflação pune mais severamente os pobres e os assalariados de baixa renda que as classes de renda mais alta, pois a sociedade percebe isso o tempo todo. Ou Lula não sabe essas coisas e pode acabar impondo sofrimento à população, ou ele sabe e mesmo assim fará a nação sofrer por sua demagogia e incompetência. Goste-se ou não do governo que se encerra, o fato é que o Brasil estava se recuperando após três tragédias ao mesmo tempo: a pandemia mundial do coronavírus, a grave seca que durou 18 meses e os efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia.

O governo pode ser tentado a aumentar impostos para sustentar novos gastos, embora Lula não esteja deixando nada claro. Ele segue dizendo que vai revogar o teto de gastos, que é, no fundo, um limite imposto ao déficit público. A hipótese de aumentar tributos é perigosa, pois a carga tributária atual já é muito alta e eventuais novos aumentos acabariam por puxar a economia para baixo. Tudo isso resumido pode redundar em interrupção da recuperação econômica que começou em 2022. Assim, cabe à sociedade ficar vigilante e pressionar o governo para evitar imprudência fiscal e medidas que notoriamente terminam em inflação ou recessão, ou ambas.

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