FUMAÇA DE SEGUNDA-MÃO

Dizer a um cigarrista que o tabagismo faz mal à saúde é “chover no molhado”. Mais que ninguém, eles são muitíssimos sabedores dos malefícios provenientes dessa prática. Quaisquer arguições que lhes vierem, ainda que por parte de profissionais de saúde, lhes soarão como cantilenas enfadonhas. Destarte, deixemos-lhes sossegados; entregues à malignidade das suas baforadas deliciosas.

A evocação deste tema não exprime o propósito de fazer o cigarrista abjurar da sua prática viciosa, mas, isto sim, por em relevo o fato de que essa prática acomete os cigarristas de uma espécie de ablepsia, a bem dizer uma cegueira, que os impede de enxergar os efeitos da fumaça sobre os arredores. A fumaça, aliás, malcheirosa, é terrivelmente nociva à circunvizinhança pela simples razão de que ela envenena o ar que outras pessoas respiram. O fascínio que os cigarrista nutrem por essa pistola de pulverizar veneno retrata fielmente o oximoro: “lúcida loucura”.

Se não há meios, médicos ou jurídicos, capazes de fazer os tabagistas desapegarem-se do seu penitente e deleitável vício – tão confortante porque afaga, quanto nefasto porque condena -, ao menos que aos circunstantes seja assegurado o direito de não inalar a perniciosa fumaça; de segunda-mão. Mais que “sem noção”, como são habitualmente rotulados, os fumantes são egoístas, desleixados, insensíveis aos direitos de outrem. A insensibilidade do fumante é tanta que ele não se constrange em sujar a água do rio mesmo sabendo que logo abaixo, a jusante, aquela água será bebida por outras criaturas de Deus: uma criança, um idoso, um cordeiro.

Mas se os fumantes negligenciam a própria saúde nada resta aos não fumantes senão velar pelas suas almas. Que Deus os haja!