DEU NO X

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

JACOB FORTES – BRASÍLIA-DF

PROPAGANDA À MODA ANTIGA

Na cidade de Pau dos Ferros, RN, há um alto-falante montado sobre uma bicicleta que, rua acima rua abaixo, faz ressoar, de modo audível, a propaganda de uma farmácia denominada Menino Jesus. A propaganda anuncia, a preços módicos, a existência de medicamentos contra doenças diversas. Os nomes dessas doenças são enunciados sob os ditames do arcaísmo, a bem dizer, gritados os nomes arcaicos, sob o imperativo do vernaculismo regional.

Vejamos: antojo, espinhela caída, dor nos quartos, dor de viado, moleira mole, quebranto, frieira, cobrelo, lombriga, pereba, curuba, gastura, sovaqueira, impingem, piloura, pano branco, sânie, bicheira, bicho-de-pé, fastio, bucho quebrado, dente queiro, corpo reimoso, micuim, sete-couros, difruço, papeira, tísica, esporão-de-galo, íngua, solitária, estalecido, boqueira, calombo, resguardo entupido, menino preguiçoso, tosse de cachorro, pé desmentido, e por aí além.

A opção de enunciar os títulos arcaicos das enfermidades pode até não incrementar o faturamento da farmácia, mas, é preciso convir, revela uma maneira assaz industriosa, e evidentemente bem-humorada, de chamar a atenção da clientela para o estabelecimento, cujo nome, aliás, inspira a ideia de santidade e confiança. Cada qual engenha como acha que deve engenhar.

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

MINHA DESGRAÇA – Manuel Antônio Álvares de Azevedo

Minha desgraça não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco…
E, meu anjo de Deus, o meu planeta
Tratar-me como trata-se um boneco…

Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro…
Eu sei… O mundo é um lodaçal perdido
cujo sol (quem mo dera) é o dinheiro…

Minha desgraça, ó cândida donzela,
O que faz que meu peito assim blasfema,
É ter por escrever todo um poema
E não ter um vintém para uma vela.

Manoel Antônio Álvares de Azevedo, São Paulo (1831-1852)

DEU NO X

DEU NO JORNAL

É LADRÃO MAS VOTO NELE

O cineasta José Padilha, de “Tropa de Elite”, disse à revista Veja que votará em Lula, mas admite:

“Não tem como negar que, desde o mensalão até o fim dos governos do PT, houve uma corrupção institucionalizada gigante”.

* * *

O ilustre cineasta reconhece que houve a ladroagem na era PT.

E mesmo assim ele diz que vai votar no ladrão que promoveu o que ele mesmo chama de “corrupção  institucionalizada gigante”.

Num é corrupção nem pequena, nem média, nem grande.

É gigante mesmo, segundo ele disse.

Isso é o retrato cagado e cuspido do fiel que frequenta e reza na igreja petralha.

É lama pra todo lado, mas o santinho merece ser carregado no andor.

JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

NÃO É POESIA. NÃO É POEMA. É APENAS UMA BREVÍSSIMA CONSTATAÇÃO SOBRE A VIDA

A vida sempre é melhor sob os delírios da alma.
Sob a certeza de que nada é certo. Nem errado. Tampouco feio. Ou bonito.
Saber que no tudo há muitos nada. Que o nada muitas vezes é o tudo na vida.
Que a loucura nada mais é que um sobejo da lucidez. Um sopro do extraordinário.
E que a simplicidade é o limite mais próximo de uma vida feliz.
Nada melhor que sonhar que se vive o impossível. No pódio do inalcançável.
Nada mais fascinante que viver sem existir. Algo. Alguém. Tudo é como um conto bem escrito.
Às vezes…
A vida é um delírio fantástico das reticências. Bom é acreditar nela. Na vida. Com pontos finais. Com reticências.

Bom é acreditar que se é capaz. E ser.
E que o caos de vez em quando se organiza em nosso favor.

DEU NO X

JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

OS BRASILEIROS: Ary Barroso

Ary Evangelista Barroso nasceu em 7/11/1903, em Ubá, MG. Compositor, pianista, cronista, jornalista, radialista e autor de Aquarela do Brasil, uma das músicas mais gravadas no País, que deu origem ao chamado “samba-exaltação”. Foi um grande revelador e incentivador de talentos musicais.

Filho de Angelina de Resende e do promotor público João Evangelista Barroso, perdeu os pais logo cedo e foi criado pela avó materna e pela tia Ritinha, com quem aprendeu a tocar piano, solfejo e teoria musical. Teve os primeiros estudos em sua cidade natal, Viçosa e Cataguases. Aos 12 anos iniciou como pianista auxiliar no Cinema Ideal, em Ubá, e aos 15 compôs o cateretê De longe e a marcha Ubaenses gloriosos.

Em 1920 faleceu o tio Sabino Barroso, ex-ministro da Fazenda, e recebeu uma gorda herança de 40 contos de réis. No mesmo ano mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi viver sob a tutela do Dr. Carlos Peixoto. Ingressou na Faculdade de Direito aos 18 anos; conheceu e fez amizade com diversos futuros radialistas, juristas, políticos, artistas e caiu na boemia. Assim, foi reprovado no 2º ano e abandonou o curso. Logo, torrou o dinheiro da herança e teve que se empregar como pianista de cinema, teatro e diversas orquestras da cidade.

Sem largar o piano, retomou o curso de Direito, concluído em 1929. Nesse meio tempo, tocou em diversas orquestras e passou a compor: Amor de mulato, Cachorro quente e Oh! Nina em parceria com Lamartine Babo. Junto com Mario Reis compôs Vou à Penha e Vamos de deixar de intimidades, seu primeiro sucesso. No ano seguinte venceu o Grande Concurso de Música Popular, promovido pela Casa Edison e o jornal Correio da Manhã, com a marchinha Dá nela e ganhou 5 contos de réis. Aproveitou o prêmio para casar-se com Ivone Belfort de Arantes, em 1930. Pouco depois foi trabalhar na Rádio Phillips como pianista, mas logo se torna, também, locutor esportivo, humorista e animador.

Em São Paulo, comandou o programa “Hora H”, na Rádio Cosmos, logo transferido para a Rádio Cruzeiro do Sul, no Rio de Janeiro. Na mesma Rádio foi substituir um colega como locutor esportivo e empolgou a torcida. Flamenguista fanático, irradiava o jogo ao mesmo tempo em que torcia ostensivamente, comemorando os gols de seu time ou lamentando os gols do adversário. Em 1937 lançou o programa “Calouros em desfile”, onde obrigava os candidatos a só cantarem músicas brasileiras. O sucesso do programa levou-o à grande Rádio Tupi.

Outras gravações vão surgindo até o grande sucesso Aquarela do Brasil, gravada por Francisco Alves em 1939 com arranjos e acompanhamento de Radamés Gnattali, regravada centenas vezes aqui e no exterior. Até hoje é uma das músicas que mais produz direitos autorais ne exterior. Nos EUA foi interpretada por Frank Sinatra e Bing Crosby, cujo sucesso rendeu-lhe um contrato para trabalhar em Hollywood. Compôs a trilha sonora do filme Você já foi à Bahia?, dirigido por Walt Disney e foi premiado pela Academia de Ciências e Artes Cinematográficas, em 1944. No ano seguinte compôs a trilha sonora para a comédia musical Brazil, dirigida por Joseph Santley, indicada ao “Oscar” de 1945. Como compositor, deixou diversas músicas clássicas do cancioneiro popular: No rancho fundo (1931), Na batucada da vida (1934), No tabuleiro da baiana (1936), Na baixa do sapateiro (1938), Camisa amarela (1930), Os quindins de Yayá (1941), Risque (1952), É luxo só (1957) etc. Nas décadas de 1940 1950 tornou-se o compositor mais gravado por Carmen Miranda.

Motivado pelos amigos, ingressou na política, em 1946, e foi o vereador mais votado do Rio de Janeiro, pela UDN-União Democrática Nacional. As duas causas em que mais atuou foi a construção do Estádio Maracanã e a defesa do direito autoral. Era dotado de excepcional senso de humor. Quando foi internado no hospital, diagnosticado com cirrose hepática que o vitimaria, ligou para seu amigo David Nasser, despedindo-se porque ia morrer. Nasser perguntou: “Como você sabe?”. “É que estão tocando muito minhas músicas no rádio”, respondeu tranquilo. Realmente, faleceu em 9/2/1964, num domingo de carnaval.

Segundo os críticos, Ary Barroso celebra a invenção da brasilidade mestiça da Era Vargas, quando o samba, a mulata, a ginga e a natureza tropical passam a traduzir as cores da nação. Foi homenageado pela Escola de Samba União da Ilha do Governador, em 1988, com o enredo “Aquarilha do Brasil”, contando sua história. No ano de seu centenário (2003), a Rede STV SESC SENAC produziu o documentário O Brasil Brasileiro de Ary Barroso, dirigido por Dimas Oliveira Jr., com depoimentos de diversos amigos. Sergio Cabral pesquisou sua vida e escreveu uma bela biografia – No tempo de Ary Barroso – publicada pela Lumiar Editora. Os interessados numa visão panorâmica de seu legado, podem consultar seu site oficial na Internet Ary Barroso : Vida

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

OS MOINHOS, O VENTO E O TEMPO QUE PASSOU

O Moinho dos Ventos de Don Quixote

Bom dia,

Vou lhes contar uma estória que poderia ser uma história. A história de como procurar o vento, encontrando os moinhos. Encontra-lo, usá-lo e transforma-lo num viés da vida.

Sendo mais atual: baixar e usar o vento como um “aplicativo”.

Não sou Miguel de Cervantes Saavedra, tampouco sou filho de Rodrigo Cervantes e de Leonor Baptizóle, e, muito menos, nasci em Alcalá de Henares.

Na verdade, sou filho de Alfredo e Jordina, e nasci em Queimadas, ainda hoje pertencente ao município cearense de Pacajus. Sou negro, filho de uma quinta geração de africanos e uma mistura indígena.

Cedo ainda, com espírito de viajante e “percurador de alguma coisa”, fiz amizade com um primo, meu escudeiro que nunca foi Sancho Pança. Cedo, por comer muito, mereceu a alcunha de Barrigudo. Luciano Barrigudo.

Juntos, sem montaria, mas sempre caminhando na direção favorável ao vento, eu e Barrigudo, com bornal à tiracolo e baladeira em punho, saíamos caçando o vento. Difícil encontra-lo, haja vista que ele (o vento) estava sempre à nossa frente. Provavelmente movimentando algum moinho.

Não procurávamos moinhos – na verdade, minha Avó tinha um em casa, afixado na ponta da mesa grande que servia para tudo – mas, passarinhos e às vezes, considerávamos sorte se encontrássemos uma casa de marimbondos com mel.

Nisso, o vento que soprava favorável, era nosso parceiro e nos levava na direção certa do mel. Mel de marimbondos. Às vezes, até mesmo mel de abelha jandaíra ou araçá.

Para que desejar ser Don Quixote, se sabíamos aonde estava o moinho?

E, para que encontrar o moinho, se já tínhamos o vento a nosso favor, nos levando ao mel dos marimbondos e das abelhas?

Uma coisa era certa: afixado na ponta da mesa, lá estava o moinho. Claro que não era o moinho que Don Quixote e Sancho Pança tanto cavalgaram para encontrar – mas era o moinho da Vovó afixado na ponta da mesa e com meia saca de milho para moer e fazer xerém para os pintos.

E no moinho da Vovó, diferentemente do moinho de Don Quixote e Sancho Pança, eu não tinha nunca a ajuda do escudeiro Luciano Barrigudo. Tinha que moer o milho todo. Sozinho. Embora os pintos fossem tantos.

O Moinho de moer milho da Vovó

Enquanto Cervantes se casaria com Catalina de Salazar em 1584, eu, moendo milho para Raimunda Buretama, precisei mudar para Fortaleza, onde namorei uma atriz de teatro, de quem me dou o direito de não citar o nome. Casar, casei mesmo foi com Marlene, em 1973, ou 389 anos depois. Cervantes voltou para Castela, mas eu não voltei para Queimadas.

Em outras oportunidades já falei quase tudo sobre minha Avó materna. Raimunda Ferreira Gurgel, conhecida onde morava por toda vida, como “Raimunda Buretama”, por ser casa com meu Avô, esse nascido no município de Uruburetama. O povo amigo preferiu “Buretama”, e assim ficou.

Diferente de Don Quixote, João, meu avô, nunca cavalgou procurando moinhos. Quando queria o vento, sentava no portal da porteira e ali recebia “a chegada do vento percebida pela frescura”.

Desnecessário procurar moinhos, pois ele tinha o dele. Pesado. Antigo. Era nele que moía o milho que precisávamos – o dos pintos, quem moía era eu, no moinho afixado na ponta da mesa grande – fazer além do xerém.

Moinho antigo de pedra a relíquia do Vovô

Contava meu Avô, que aquele moinho antigo, grande e pesado fora presente que ele ganhou do tetravô, quando ainda moravam em Uruburetama, mais precisamente no quilombo onde fora criado. Tinha, para ele, valor inestimável e por diversas vezes deixou de vender ou até trocar por uma vaca leiteira.

Ele (meu Avô) sempre dizia para nós, os netos, para que nunca esquecêssemos: “esse moinho nunca vai precisar do vento, mas da força humana.”

Lembro que era naquele moinho, que meu avô também triturava breu para garantir a durabilidade e a rodagem da roldana do carro-de-boi para moer a mandioca nas farinhadas. Lembro também, que, quando meu Avô faleceu, minha Avó teve a ideia de vestir o moinho com panos de sacos e enterrá-lo junto com meu Avô.

Minha Avó tinha essas atitudes incomuns. Minha mãe dizia que minha Avó carregava aquelas atitudes consigo, afirmando que tudo ela aprendera com os antepassados indígenas. Fez isso mesmo, quando um bode velho “Pai do Chiqueiro” morreu. Como não fora morto pela mão humana, ela entendia que não érea aconselhável comer o bode – sequer usar o couro, pois enterrava com tudo. Quando o bode velho morreu, junto, ela enterrou um chocalho grande, amarelo. Só aquele bode carregava aquele chocalho. Era como se fosse uma coroa de rei.

O vento sem ser do moinho mostrando que existe

Eis, finalmente, que eu vi o vento. Vi. Juro que vi e ele demonstrava estar zangado – por quais motivos um certo Don Quixote poderia imaginar que ele, o vento, dependia de algum moinho?

Ele, o vento, estava ali. Poeticamente visível e até podendo ser pego.

Quando estivermos em meio a uma ventania, caminhando contra o vento à procura de algum moinho, se colocarmos as mãos no nosso rosto, poderemos “sentir” o vento. Poderemos até pegá-lo.

O vento existe, sim. Nasceu muito antes dos moinhos encontrados por Don Quixote. O vento é. É, e pronto. Há até quem algum dia pretendesse “ensacar o vento” – e o vento é “ensacável”, sim!

Ora, o que fica minutos, horas ou dias guardado dentro de um “balão” daqueles que servem para decorar festas?

Não é o vento? Então!

O vento é bom. É o vento que mantém a lavareda e queima o carvão da churrasqueira. É o vento que leva os balões multicoloridos em passeios da Capadócia – não fosse o favor do vento, não adiantaria a queima do gás que impulsiona o balão. É o vento que o mantém no alto.

É o vento que “tange” a nossa vida, que leva para distante as aleivosias ou as vicissitudes de cada um de nós.

O moinho e seu “catavento” não seriam o que são, se não fosse o vento. Vento é vida. Vento impulsiona as correntes marinhas e cria as ondas. Vento acende e apaga fogo.

E, finalmente, é o vento quem carrega desde muito longe o som que emoldura nossas vidas.