DEU NO X

DEU NO X

A PALAVRA DO EDITOR

O MP ESTÁ DOENTE

O Ministério Público, pelo que está escrito na Constituição Cidadã e no resto da papelada legal que diz respeito a ele, serve para três coisas: fazer a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos dos quais ninguém pode abrir mão por vontade própria, e que vão do direito à vida, algo que se entende bastante bem, ao direito de tirar férias, o que já não é assim tão evidente – mas, enfim, é melhor não entrar nesse tipo de conversa, não é? (Escreveram lá que esses são “direitos indisponíveis”, na melhor linguagem legislativa – aquela que tem como principal anseio tornar as palavras o mais obscuras que for possível para o entendimento comum.) Seja como for, para efeitos práticos e naquilo que diz respeito diretamente ao pagador de impostos, o MP Federal, com suas quatro subdivisões, e os 27 MPs dos Estados têm a obrigação fundamental de proteger as pessoas contra o crime e demais violações da lei. É isso, pelo menos, que dá para entender do que está escrito. Já não é isso, ou nada disso, quando são os próprios mandarins do MP que definem as suas funções. Aí, na prática, procuradores-gerais, parciais ou de quaisquer outros tipos agem como se essa “instituição permanente” fosse um instrumento pessoal de execução das suas ideias, crenças e desejos de ordem política.

Há exemplos o tempo todo. Num de seus surtos mais recentes e mais sem-noção, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (sim, o MP Federal tem MPs estaduais, que se somam aos MPs estaduais propriamente ditos; não tente entender) entrou com uma ação pública civil contra a deputada federal Chris Tonietto, também do Rio de Janeiro. A deputada é de direita, é óbvio – se não fosse não estaria sendo processada, muito simplesmente. Mas, além disso, qual o delito que cometeu? Segundo os procuradores em questão, a deputada praticou “discriminação” contra a comunidade lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual e transgênero. Por quê? Porque disse no Facebook, oito meses atrás – sim, oito meses -, que “alguns expoentes do movimento LGBT” já defenderam de forma explícita a pedofilia – e que isso é “um fator de dissolução da confiança nas relações familiares”.

Quem, além dos reais militantes da pedofilia (e da ideia de que o sexo com menores de idade é uma questão de “orientação sexual”), poderia achar que existe algo tão errado assim numa declaração como essa – a ponto, inclusive, de provocar um processo na Justiça? Ao que parece, o MP do Rio está achando. Na ação contra Chris, escrita em português de prova do Enem, com sintaxe torturada e análise lógica de gibi, os procuradores afirmam que ela “induz falsamente a opinião pública a acreditar que todo o grupo de pessoas homossexuais seria propenso a cometer os graves crimes que giram em torno da pedofilia”. Como assim? Na sua postagem, a deputada escreve textualmente que “alguns expoentes do movimento LGBT” defendem a pedofilia – “alguns”, diz ela, e não “todo o grupo”, como diz o MP. De mais a mais, a deputada apontou nominalmente aos procuradores, quando solicitada por eles a “retratar-se”, um renomado inspirador do universo gay, Luiz Mott, que se manifestou sobre o assunto em tempos idos. “Desde que haja respeito à liberdade alheia, delicadeza, reciprocidade e ausência de abuso de poder devido à superioridade física ou social da pessoa mais velha”, escreveu Mott no livro Crônicas de um Gay Assumido, publicado em 2003, “não há razão lógica que justifique a condenação tout court das relações afetivo-sexuais entre adultos e menores de idade.” Quem afirmou isso foi Mott, não a deputada Chris – por que, então, é ela que está sendo acusada de “induzir falsamente” o público a acreditar que ele não disse o que disse?

É a opinião de Mott, claro, e ele tem pleno direito a expressar essa ou qualquer outra opinião. Mas de novo: qual o crime da deputada? Também não há como considerar que está tudo bem com o texto do pensador gay. Não está. “Relações afetivo-sexuais entre adultos e menores de idade” podem ser aceitáveis para Mott, mas são proibidas expressamente pelo Código Penal Brasileiro – está escrito ali, no artigo 217, que praticar sexo com menores de 14 anos de idade é crime de estupro. Não vem ao caso se há ou se não há consentimento, delicadeza ou “respeito à liberdade”: é crime, punido com pena de reclusão de oito a quinze anos.

Também não dá para entender por que a opinião de uma deputada federal seria uma agressão à ordem jurídica, ao regime democrático e aos tais “direitos indisponíveis”. O que ela fez contra as leis, a democracia ou as férias de 30 dias? Atentado contra as populações indígenas – que, segundo a Constituição, também têm de ser protegidas pelo MP? Que diabo os índios teriam a ver com isso tudo? Não faz o menor nexo, é claro. Mas é precisamente isso que acontece quando uma instituição do Estado é privatizada, como aconteceu com o MP brasileiro, em benefício dos que controlam a sua máquina. Numa parte do seu tempo o órgão de defesa do bem contra o mal funciona, na vida real do Brasil-2021, como um sindicato trabalhista, obcecado por salários e privilégios; em outra parte, funciona como partido político e clube de ideias. O que sobra para o interesse público é muito pouco.

O processo contra a deputada não vai dar em nada; ela tem imunidade parlamentar e não pode responder a nenhuma acusação penal. O MP finge que está numa batalha contra a disseminação do “ódio” e a “homofobia”, mas não faz mais do que mover uma ação civil precificada em R$ 50 mil – coisa que vai ficar se arrastando por aí até o dia do Juízo Final. É pura perda de tempo, simulação de trabalho e desperdício de dinheiro público – lembre-se que é você quem está pagando até o último tostão o salário de quase R$ 30 mil por mês (além do auxílio moradia, do vale-refeição, do auxílio creche, do auxílio transporte etc. etc.) dos três procuradores que processam a deputada Chris. Pode dar, só nesses presentes, mais de R$ 50 mil por mês e per capita. Com a ladroagem do Erário deitando e rolando depois do falecimento da Operação Lava-Jato, mais feliz agora do que nunca, é realmente uma beleza.

O Ministério Público do Brasil está doente. Não há vacina à vista.

DEU NO X

A “DITADURA DE DIREITA” DO GENIAL BURROSO

* * *

De acordo com Burroso, a Venezuela é uma ditadura “conservadora” e de “direita”.

Pra quem ainda não sabe, Burroso ocupa uma cadeira no órgão máximo da justiça de Banânia.

Atenção: não é gozação.

Estou falando sério: o cara que falou isto é mesmo do nosso supremo esgoto.

Lógica e coerentemente, Burroso foi indicado por Dilma.

Faz sentido.

Ou, melhor dizendo, faz total falta de sentido.

Seguindo fielmente a teoria de Burroso, a Venezuela é de direita, quem torce pelo Corinthias é palmeirense, homem menstrua e quem acredita no que Lula fala é mentalmente sadio.

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

PEDRO MALTA – RIO DE JANEIRO-RJ

Berto,

Para alegrar ainda mais o seu domingo nordestino.

LUAR DO SERTÂO

Lindo !

R. Não apenas o meu domingo, caro colunista.

Mas o domingo de todos os fubânicos.

E vamos ao vídeo que você nos mandou:

DEU NO X

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

A ESTRADA E A VEREDA

Na longa estrada da vida algumas pedras precisam ser vencidas

Ainda consigo lembrar. Eu tinha exatos dez anos de idade, quando precisamos sair de Queimadas, naquele tempo um simples povoado de Pacajus. Meu pai, que havia sido demitido de um colégio onde lecionava Aritmética, voltava a trabalhar. Agora, nomeado como Fiscal da Fazendário (Secretaria Estadual da Fazenda do Ceará), e tínhamos que mudar para a capital.

Antes da viagem, uma olhada rápida no quintal da Vovó. Pela última vez. Eu ia embora, e ali deixava as mangueiras, os cajueiros, as galinhas, os patos, os capotes, uma jumenta, o cachorro Pintado e aquele barulho melódico de todos os fins de tarde do Vem-vem e das cigarras. Também lembro, ainda, que eu fui o último a me despedir de Vovó, abraçando-a também pela última vez. Depois do abraço, corri e deslizei o último pau da porteira, fechando-a.

Nunca mais voltei ali. Nunca mais olhei minha Avó, nem nunca mais cacei passarinhos, nem escutei os voos rasantes das corujas. Os pirilampos ficaram para trás. As mutucas, também. E ali se encerrava um dos mais importantes e construtivos ciclos da minha vida. Ciclo da infância, da liberdade, e das brincadeiras respeitosas.

Fui o último a subir no caminhão. Não tive coragem de olhar para trás, porque ali ficava parte de mim. (“Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.”)

Naquele dia, primeiros anos da década de 50, a viagem que hoje não consome 30 minutos para percorrer o percurso, levou mais de três horas. E o caminhão não parava. Apenas a distância que não queria diminuir, como se nos convidasse à voltar para continuar a vida na roça, apanhando cajus, pescando piabas, caçando passarinhos – e, vivendo!

A estrada era a continuação da vereda

Caminhão da mudança acionado pela manivela. Tudo funcionando. Eu, viajando junto das panelas velhas, redes, cristaleira e tamboretes, tão logo o caminhão teve acesso à vereda, me agarrei ao cachorro pela possibilidade que ele, já sofrendo saudade, resolvesse pular do caminhão e voltar para o aconchego da Vovó. Os animais nunca perdem ou esquecem o “arquivo” do faro. Eu, sem perceber que Vovó entrara na casa, faço meu último aceno – provavelmente para o tudo onde vivi e aprendi a viver como gente.

Felizmente que os tocos que ainda ficaram na vereda aberta à base de foice e machado, não furaram os pneus. A estrada longa foi alcançada e prometia nos levar à uma nova vida, sem muitas coisas que ficaram para trás, mas com a esperança de vitórias.

O caminho que nos levou à estrada

A cada árvore da vereda que deixávamos para trás, era um desvio para não machucar. Como se eu conhecesse folha por folha, galho por galho, e tivesse o nome de cada uma. Atingimos a estrada sem problemas.

Agora, como o cachorro não se atreveria mais a pular para tentar voltar, se aquietou sobre um colchão velho de molas. Eu fui para a frente e fiquei à mercê do vento que tocava no meu rosto, lavando-o. Deformando-o pela força da ventania. Enfrentar aquele vento, era, sem dúvida, abrir as portas do futuro.

A “cidade grande” foi atingida. Nos dirigimos na direção do mar, como se algum navio estivesse à nossa espera. Não houvera nenhum milagre de Moisés, tampouco estávamos diante do Mar Vermelho. Era a praia do Pirambu, e ali nos aguardava a “Comissão de Recepção”: um gato mariscado, que provavelmente esperava a maré secar para permitir que os siris viessem à tona como presas incautas a lhe proporcionar o jantar de todos os fins de tarde; um cachorro vira latas, que caçava restos de comida trazidos pela maré enchente.

A casa: paredes e telhado de palhas. Um barracão onde estacas internas permitiam armar as nossas redes. Água, apena a do mar – felizmente havíamos trazido um pote, uma quartinha e algumas latas que poderiam servir de depósito.

Mas, finalmente, estávamos numa nova estrada e poderíamos iniciar a caminhada que nos permitiu chegar até aqui.

Vereda e ao fundo dá para ver a nossa casinha branca que ficou

Na manhã do novo dia, o barulho sufocado das ondas do mar, que não ficava distante. Algo em torno de sessenta metros, num espaço separado pela praia pouco frequentada. Não havia urbanização, e os frequentadores que por ali passavam, eram pescadores a caminho de seus barracos – iguais ao nosso.

Teresa, uma jovem criada por mamãe, era uma espécie de Governanta. Tudo mandava fazer ou fazia ela própria. Serviu o café: café preto e um banda de pão com nada. Hoje entendo que aquilo já era o nosso muito.

Mãe saíra à procura de trabalho, enquanto o pai para assumir um novo emprego. Aos sábados e domingos, todos nós saíamos para procurar um novo local de moradia.

Durante a noite, a poesia vinda do mar nos mostrava o caminho que precisaríamos seguir para, como Don Quixote, encontrar um moinho que pudesse nos proporcionar novos ventos, novos ares na continuidade da estrada que a vida nos oferecia.

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

BOAVENTURA BONFIM – FORTALEZA-CE

Caro Berto,

Envio-lhe um vídeo produzido pela Neyara Pinheiro, uma bela e inteligente youtuber de Teresina-PI, no qual ela narra a impressionante história da Professora Érica, da pequenina cidade de Coelho Neto, no Maranhão.

Fiquei deveras emocionado com a fluência verbal, a desinibição, o desembaraço; enfim, com a eloquência e firmeza de propósito de vida de um fenômeno chamado Professora Érica, de apenas 12 anos de idade, que fundou a Escola da Esperança.

Para mim, que creio, essa é uma das revelações de Deus.

Abraços.

Eis o vídeo:

A PALAVRA DO EDITOR

DECÁLOGO DA FOLIA CIENTÍFICA

É normal que você esteja inseguro com tanta informação nova circulando por aí nessa epidemia de fake news. Por isso fizemos um esforço de reportagem para te oferecer uma lista de certezas científicas limpinhas e de boa aparência que todo mundo confia e dá até pra levar pra casa. Use sem moderação:

1 – O lockdown funciona que é uma maravilha, tanto que o Ministério do Interior da Alemanha contratou uns pesquisadores baratinhos para escrever a teoria do ferrolho salva-vidas – documento científico que estava fazendo tanta falta em um ano de pandemia. Como se viu em emails vazados, os pesquisadores tiveram total liberdade para encontrar a ciência que o contratante encomendou;

2 – Tanto o lockdown com isolamento total é eficaz contra a Covid que o prefeito Bruno Covas deixou São Paulo trancada no fim de semana e foi ver o jogo do Santos no Maracanã no meio de 2,5 mil pessoas. Só podia entrar no estádio com credencial e o coronavírus não foi credenciado. Isto é ciência;

3 – A OMS declarou que o coronavírus não escapou de um laboratório chinês. Alívio geral. O mundo chegou a temer que a ditadura chinesa pudesse ser um lugar perigoso. Mas uma missão da Organização Mundial da Saúde foi lá e perguntou a todos os porteiros de laboratório se eles tinham visto algum vírus novo fugindo de madrugada quando estava todo mundo dormindo. 99,8% dos porteiros responderam à OMS que “não viram nada, não senhora”. 0,2% dos porteiros responderam que até viram um vírus passando, mas não era esse aí que se espalhou pelo mundo, não. Fim de papo;

4 – Artigo na revista científica Lancet sustenta que Donald Trump matou os americanos de Covid com seu governo insensível e malvado. As evidências científicas desse estudo não estão visíveis porque na hora da conclusão acabou o papel higiênico. É um problema comum na vida de todo pesquisador sério;

5 – O Dr. Fauci, aquele médico americano fofo que diz que os seres humanos talvez possam voltar um dia a se cumprimentar com aperto de mão, ou talvez não, declarou que uma máscara é pouco. Melhor usar duas. É como se diz na ciência: se um equipamento é ruim, use dois. O mesmo vale para os médicos. Se um charlatão te deixa em dúvida, consulte dois charlatões para ter certeza. Não se deixe enganar;

6 – O laudo da Anvisa constatou que as duas vacinas em aplicação emergencial no Brasil não têm estudos suficientes para atestar a eficácia e a segurança na imunização de idosos. No entanto médicos estão mandando seus pacientes idosos se vacinarem. É elementar. Se está todo mundo tomando, você também tem que tomar. Não vai discutir sozinho com a ciência;

7 – O Ministério Público do Trabalho recomendou às empresas demissão por justa causa de funcionário que não quiser se vacinar. Perfeito. Nem a taxa de letalidade, nem os grupos vulneráveis sustentam a necessidade da vacinação de todos, mas já que está todo mundo se vacinando, por que não tornar a vacina obrigatória? A verdadeira ciência é aquela que serve de chicote para tiranete;

8 – Pensando nisso, o PSOL, devoto do chavismo venezuelano, criou o projeto de cassação de direitos sociais do cidadão que não se vacinar – plano genial já aprovado em Niterói, RJ. Aécio Neves também saiu das sombras propondo coisa parecida. Só negacionistas haverão de duvidar dos benefícios claros da vacina para almas penadas;

9 – Fique sozinho e isolado no carnaval. A não ser que precise pegar um ônibus lotado. A ciência já deixou claro que a Covid não anda com ralé;

10 – Pesquisadores propõem lockdown mais severo no Amazonas. Como o governo alemão está demonstrando, ciência à la carte funciona que é uma beleza. Qualquer dúvida é só pedir ao Butantã um daqueles panfletos de número de vidas salvas pelo Plano Miami.

A PALAVRA DO EDITOR

AMANHÃ

Era carnaval, carnaval naqueles velhos tempos, a gente jovenzinho, vocês nem tinham nascido ainda, e só queríamos saber de beber, pular e, não era proibido, cheirar lança-perfume.

Além disso, o objetivo inconfessado (e posso dizer que não existia ainda, o politicamente incorreto) era caçar mulheres.

Na verdade, não era necessariamente naquela ordem que eu disse antes, mas posso organizar assim: beber, cheirar lança, pular e flertar com as garotas, para o que fosse possível, em encontros fortuitos de uma noite.

Quando digo pular é porque era pular mesmo. Nada de dança comportada, quando a banda tocava parece um para-para-para-para-fuso sambando dentro do salão o povo enlouquecido virava parafuso, pulando e girando, se esbarrando, às vezes se esparramando pelo chão.

O tubo de lança-perfume à mão não servia só para a brincadeira de cheirar – sim, era uma brincadeira, só nos quatro dias de farra – também era para jogar nas costas suadas das meninas, que davam gritinhos de arrepio com o fio gelado no meio do calor abrasador e viravam os olhos para ver se o atrevido lhes agradava.

Também servia para jogar nos olhos dos amigos. Ardia demais. Amigos, amigos, jato de éter nos olhos à parte.

A quarta-feira de cinzas já ia se aproximando. Naquela época era sagrado : à meia-noite acabava tudo, como por encanto, parecia que iríamos virar abóboras se continuássemos a festa. A música parava e os que aguentaram até ali iam embora.

Foi quando a vi. Eu mal podia acreditar. A tinha perdido no carnaval passado, ali, naquele mesmo lugar. Nosso encontro fora rápido como um raio. Há um ano nos olhamos, nos apaixonamos e seu pai a foi arrastando pelo fim do baile, entre confetes e serpentinas.

Agora, lá estava ela, dançando como uma deusa, em cima da mesa, fantasiada de odalisca, brilhando em purpurinas, os lábios vermelhos de batom.

Ela me viu, pulou da mesa e correu para mim. Saímos abraçados, dançando, enquanto a música contava a história do confete, pedacinho colorido de saudade, ai, ai, ai, ai, ao te ver na fantasia que usei, confete, confesso que chorei.

Uma parada, no meio do salão, escondidos na multidão, e um beijo longo, apaixonado, nos embriagou. O amor se fez, uma paixão que eu não podia acreditar.

A orquestra parou de tocar. Meia-noite. Enquanto nos olhávamos nos olhos os pares foram se afastando, seu pai a pegou pelo braço e a levou, de novo.

Eu fiquei parado, igual bobo, olhando enquanto ela se afastava também olhando para mim.

Um ano se passou, não consegui descobrir nada a respeito dela, quem era, onde morava, nem seu nome eu sabia.

Abri a caixinha, dentro dela o confete que saiu do seu rosto e se colou na minha boca quando a beijei.

Eu o senti na hora, peguei e guardei, como se guarda um tesouro, aqui está ele.

Quanto eu chorei, chorei porque lembrei o carnaval que passou, aquela odalisca que comigo brincou… ai, ai, confete, saudade do amor que se acabou.

Um amor assim não pode se acabar. Amanhã é carnaval, sei, tenho certeza de que ela estará, me esperando. Nós nos encontraremos, nos daremos as mãos, nos abraçaremos, trocaremos longos beijos e eu não mais deixarei que ela se vá. Juro que tive muito medo de que não voltaria a vê-la.

Amanhã. Amanhã é carnaval. E tudo aconteceu. Faz muito tempo.