DEU NO X

A PALAVRA DO EDITOR

O GÊNIO SOBREVIVEU À NULIDADE

O genial Nelson Rodrigues protagonizou tantos e tão admiráveis assombros que sobreviveu à morte física: seu último dia de vida foi também o da estreia na eternidade. O Nelson dramaturgo inventou o teatro com diálogos em português do Brasil. O ficcionista devassou o universo habitado por aquela que muitos anos depois seria batizada de “nova classe média”. O cronista que via a vida como ela é criou metáforas luminosas, frases imortais, imagens sublimes, personagens que resumem não o que os nativos gostariam de ser, mas o que efetivamente são. E o apaixonado por futebol descobriu, por exemplo, que “a mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana”. Fora o resto.

Quem usa a cabeça para pensar sabe que alguém assim talvez não caiba num livro com a espessura da Bíblia. O cérebro baldio de Dilma Rousseff achou possível espremer Nelson Rodrigues num parágrafo que irrompeu, sempre caindo de bêbado, no meio de qualquer discurseira sem pé nem cabeça. Por algum motivo misterioso, em setembro de 2012 ela deu de exumar, para tratar invariavelmente a pauladas, o escritor que teve a sorte de partir sem conhecer a doutora em nada. Dilma precisou de dois ou três palavrórios para deixar claro que nunca leu Nelson Rodrigues. Ou passou os olhos e não entendeu nada.

Em março de 2013, por exemplo, a presidente descobriu uma frase famosa de Nelson: “O escrete é a pátria em chuteiras”, reiterava o cronista quando se referia à Seleção Brasileira. Na gíria do futebol, escrete é sinônimo de time. Na cabeça avariada da inventora do dilmês, a pátria em chuteiras virou “a pátria de chuteiras”. Um mês mais tarde, Dilma fundiu a expressão mutilada e uma teoria celebrizada pelo cronista para incluir a maluquice na selva de vogais e consoantes que tentava louvar a Copa de 2014 e a seleção de Luiz Felipe Scolari. Reproduzido sem retoques nem correções pelo Portal do Planalto, o discurso improvisado por Dilma assassinou com requintes de selvageria Nelson Rodrigues, o raciocínio lógico e a língua portuguesa. Trecho:

“Uma outra coisa importantíssima surgiu no Brasil, importantíssima. E eu vou falar o que é. Ela está ligada, de uma certa forma, a uma crônica feita por um senhor que se tivesse nascido em qualquer lugar de língua inglesa seria considerada gênio lá. Ele fez uma crônica – ele chamava Nelson Rodrigues, ele era muito engraçado – ele fez uma crônica que chamava “Complexo de Vira-lata”. Ele dizia que – isso foi na época, se eu não me engano, do jogo com a Suécia, final com a Suécia, não tenho certeza, mas foi na final, um pouco antes da final com a Suécia – ele fez uma crônica que ele dizia o seguinte: que o Brasil tinha complexo de vira-lata e que ele não podia ter complexo de vira-lata, e que a equipe era boa, tanto que a equipe era boa que ela era boa tecnicamente, taticamente, fisicamente, artisticamente. Tanto é que nós dessa vez ganhamos a Copa. Mas ele sempre falava desse complexo de vira-lata que pode… a gente pode traduzir como um pessimismo, aquela pessoa que sempre acha que tudo vai dar errado, que ela é menor que os outros. E ele dizia uma coisa, e eu queria dizer isso para vocês. Ele dizia que se uma equipe entra… eu não vou citar literalmente, não, mas se uma equipe entra para jogar com o nome Brasil, se ela entra para jogar com o fundo musical do Hino Nacional, então ela é a pátria de chuteiras”.

Semanas depois, ao festejar em Brasília a reabertura do Estádio Mané Garrincha, Dilma emocionou-se com o monumento à ladroagem e espantou a plateia com uma triangulação envolvendo a oradora, o cronista e o artista do drible. Confira:

“O Garrincha, na sua simplicidade, era um jogador que demonstrou que o Brasil não era de maneira alguma, nem tinha por que, era um vencedor, e não tinha porque ter esse arraigado complexo de vira-lata que o nosso cronista esportivo Nelson Rodrigues, um dos maiores teatrólogos do nosso país, nas vésperas da Copa do Mundo, da Copa da Suécia, denunciou a existência pela quantidade de gente que previa um fracasso”.

Eis aí uma cretina fundamental!, teria exclamado Nelson se confrontado com a deformação delirante do que escreveu em 1958 – meses antes do início da Copa da Suécia, não às vésperas da final. O complexo de vira-lata se limitou ao País do Futebol. Surgido em 1950, quando a derrota na final contra o Uruguai transformou o brasileiro no último dos torcedores, o fenômeno foi revogado dez anos depois pelo triunfo na Copa da Suécia. Na Era PT, o que assolou estes trêfegos trópicos foi o oposto do complexo de vira-lata. Foi a síndrome do Brasil Maravilha, uma disfunção produzida por ilusionistas de picadeiro que induziu os muito malandros e os imbecis de nascença a enxergar um jovem ricaço no pobretão que trajava um fraque puído nos fundilhos.

Farsas desse gênero vicejam mais facilmente em terrenos adubados por velhas crendices. O brasileiro aprende ainda no útero que nossa bandeira é a mais bonita do mundo, embora ninguém se atreva a sair por aí combinando uma camisa azul e uma calça verde com o paletó amarelo. Aprende no berço que nosso hino é o mais bonito do mundo, muitos sustenidos e bemóis acima da Marselhesa. Aprende no jardim da infância que Deus é brasileiro, e portanto deve-se aguardar dormindo em berço esplêndido a chegada do futuro. Não é surpreendente que, no auge da popularidade de Lula, apenas 4% dos nativos tenham continuado a ver as coisas como as coisas são e a contar o caso como o caso foi.

Esses teimosos 4% seguiram vendo o Brasil em que metade da população estava excluída da rede de coleta de esgotos e distribuição de água tratada. Continuaram a enxergar a incompetência dos governantes, a inépcia dos oposicionistas, a corrupção endêmica, as fraturas do sistema de saúde, o sistema de ensino em frangalhos, os mais de 14 milhões de brasileiros incapazes de ler ou escrever, os incontáveis analfabetos funcionais, a economia à deriva, os morros sem lei, as fronteiras desguarnecidas, as organizações criminosas em expansão, a demasia de horrores a combater e tumores a extirpar. O rebanho seguiu balindo o mantra: se melhorar, estraga. O padrinho de Dilma fez de conta que todos os pobres tinham sido promovidos a gente de classe média. A afilhada de Lula fingiu ter erradicado a miséria. E os dois recitavam que só quem tinha complexo de vira-lata não conseguia contemplar a edição melhorada de Pasárgada parida pelo presidente que nunca leu um livro e aperfeiçoada pela presidente que jamais pronunciou uma frase com começo, meio e fim. Só poderia dar no que deu.

A síndrome do Brasil Maravilha apressou o parto da política externa da canalhice, fruto do cruzamento da soberba com a ignorância. Lula não viu diferenças entre os ódios milenares que separam árabes e judeus e a troca de desaforos numa briga de casal em Sapopemba. Por nunca ter folheado um livro de História nem dado as caras numa aula de Geografia, informou na Jordânia que, aos olhos dos brasileiros, “árabe é tudo turco”. Salvou-o o intérprete que certamente sabia o que ocorreu durante o Império Otomano. Por escassez de neurônios, Dilma Rousseff baixou por lá recomendando o diálogo com os psicopatas do Estado Islâmico. Gentis, os anfitriões evitaram sugerir-lhe que fizesse o primeiro contato. Entre nós: para uma Dilma, a perda da cabeça não faz falta alguma.

Gente que pensa há séculos se aflige com três enigmas: quem somos?; de onde viemos?; para onde vamos? Se tais perguntas forem formuladas num botequim do Brasil deste estranho 2020, ao menos uma resposta estará na ponta da língua de todos os frequentadores. Eles decerto ignoram quem somos e para onde vamos. Mas todos já sabem de onde viemos: do imenso buraco negro escavado durante 13 anos por um corrupto irrecuperável, uma nulidade insolente e um bando de comparsas vigaristas.

Daqui a 500 anos, como a maior parte da obra de Shakespeare, não estarão grisalhos os melhores momentos de 17 peças, 9 romances, 7 livros de contos e crônicas e milhares de artigos em jornais escritos por Nelson Rodrigues. O legado impede a morte de um gênio. A criatura que não sabe juntar sujeito e predicado logo estará enterrada, ao lado do criador, na vala comum das velhacarias históricas. Para Nelson Rodrigues, a seleção era a pátria em chuteiras, a dar botinadas em todas as direções. Dilma e Lula são a pátria de ferraduras. De ferraduras e pisoteando com ferocidade todas as formas de vida inteligente.

DEU NO X

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

JOSÉ ALVES FERREIRA – SÃO PAULO-SP

Caro Luiz Berto

É gopi!

Quem já estudou Ciências Jurídicas – Direito – conhece a expressão “Jus esperneandi”, situação em que sem nenhum fato novo, prova ou condição de ter sua pretensão atendida, resta espernear, gritar, tal qual criança embirrada; botar a bola debaixo do braço e impedir a continuidade do jogo.

É o que agora vemos nas eleições dos USA.

Sem ter como provar nada, o atual presidente – querendo se reeleger a qualquer custo – bota a boca no trombone e, incita o povo e demais interessados a reverter uma situação adversa.

Interessante, como pessoas se deixam levar por posições; o “eu” quero e sou, mostra rusticidade de que se parece ou tenta parecer educado, elegante e maior que seu físico.

Ego inflado, lá vai ele arrogante e indócil em busca de sua vitória, mesmo que comprometa um país inteiro e, por força de sua condição econômica boa parte do mundo.

Aproveita a enorme e confusa eleição dos USA – é preciso paciência e muito estudo para entende-la – para regurgitar ódio e ilusões de fraude.

Onde antes tínhamos um exemplo de democracia, agora aparece uma salada de números e, pior aparente fragilidade democrática.

Parece que só falta ao Trumpi berrar como as senadoras que transformaram o recinto do senado brasileiro em “fast-food”:

“É gopi”.

Inté!

DEU NO JORNAL

UM ENCONTRO SURREALÍSTICAMENTE BANÂNICO

Na tentativa de impulsionar sua candidatura à prefeitura de Salvador pelo PT, a Major Denice gravou nesta quinta-feira, 5, em São Paulo, uma peça de campanha com o ex-presidiário Lula.

Este foi também o primeiro encontro entre os dois.

O vídeo deve ser exibido inicialmente nas redes sociais, antes de ser usado no horário eleitoral.

Lula já havia aparecido anteriormente no horário eleitoral da candidata, mas sozinho na gravação.

* * *

Um encontro inusitado.

A polícia e o ladrão juntos numa campanha eleitoral.

Um bandido, ex-presidiário irressocializável, trabalhando em favor da candidatura de uma agente da lei.

Nunca antes neste país!!!

A oficial da PM baiana cagou inlavavelmente a farda que usa.

Vôte!!

Um desmantelo só possível mesmo de acontecer numa Republiqueta Banânica.

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

RÔMULO SIMÕES ANGÉLICA – MACAPÁ-AP

Prezado Berto,

Para quem não leu o meu texto de ontem, ainda estou no Amapá, e a situação do apagão está começando a melhorar.

E o motivo desta segunda mensagem, para poder voltar ao meu estilo irônico original – que eu aprendi com você !!! – é porque tenho uma grande notícia para dar para você e para toda a comunidade fubânica.

A notícia é que acabei de descobrir que foi descoberta a cura da COVID-19 aqui no estado do Amapá. Ou pelo menos, descobriram como estancar os novos casos.

Veja só:

Com o apagão, os hotéis de Macapá e arredores ficaram lotados, com hospedagens das própria famílias locais, naturalmente, aquelas que podiam pagar por um pouco de conforto, a saber, uma noite com ar-condicionado. No meu hotel há também vários médicos hospedados, alguns até que vieram de outros estados, para trabalhar aqui por um período, por conta da pandemia.

E em diversos momentos, principalmente, no café da manhã, conversei com diversos desses médicos, que me relataram que, subitamente, e impressionantemente!!!!, os casos de COVID no Amapá despencaram durante essa semana do apagão. Não é incrível ?

E uma das médicas com quem conversei em mais detalhe, nesta manhã, trabalha no hospital do estado dedicado a COVID, e me falou, explicitamente, que durante a semana do apagão nenhum caso de COVID deu entrada no Hospital.

Pois caro amigo, minha indignação está começando a passar e agora já estou pensando em me instalar por aqui, o único recanto do país livre de COVID.

O que você acha, meu amigo ?

Um grande abraço.

R. O que é que eu acho?

Eu acho é graça dos terroristas apavoradores e da mídia funerária quando vejo relatos assim como este contido na sua mensagem.

Vamos sugerir aos nossos governantes que mandem desligar as estações geradores de energia elétrica em todo o Brasil.

E os casos de covid cairão imediatamente, como está acontecendo no Amapá.

Um boa estada pra você aí na única capital brasileira cortada pela linha do Equador!!!

Abraços e um excelente final de semana.

A PALAVRA DO EDITOR

OS VENDILHÕES DA LIBERDADE

Era uma vez um vírus. Ele nasceu numa ditadura e sonhava dominar o mundo. Por coincidência, essa ditadura também sonhava dominar o mundo. Do outro lado desse mundo que eles queriam dominar estava o país mais poderoso. Era preciso, portanto, vencê-lo. E eles foram à luta.

Havia uma pedra no caminho: o país mais poderoso do mundo era livre. E nem todos os exércitos virais da galáxia são mais fortes do que a liberdade. Era preciso, então, quebrar as pernas dela. Como? Eles não tinham certeza da eficácia, mas resolveram tentar um coquetel esperto: medo, vaidade e dinheiro fácil.

Na potência livre o dinheiro estava associado a trabalho duro, pelo menos para a imensa maioria. Na ditadura emergente o dinheiro advinha do sangue do povo, cuja dignidade não podia ser reclamada por ninguém. E era muita gente, muita mesmo.

O coquetel começou a funcionar quando o dinheiro fácil da ditadura emergente passou a jorrar sobre os vaidosos (e esganados) do resto do mundo. Aos pouquinhos, aqueles que viviam sob os códigos da liberdade e do mérito começaram a concordar em reconhecer liberdade e mérito nos concorrentes obscuros. Estavam sendo docemente comprados.

A ditadura brutal levou um banho de loja enquanto aumentava a sua brutalidade – alcançando o ponto mais autoritário do regime em décadas. Mas do lado de fora o mercado da futilidade continuava encantado com o dinheiro fácil e fazia o seu papel direitinho – conferindo atestado de modernidade e idoneidade a uma tirania selvagem. A tirania foi comprando a potência livre.

Aí sujou. Cidadãos que teimavam em não vender a sua liberdade provocaram uma mudança política que ameaçou estragar tudo. O novo governo da potência livre achou que não era uma boa continuar se entregando de corpo e alma ao capitalismo pirata da ditadura moderninha e começou a trazer o jogo das sombras para a luz. Foi então carimbado como “fascista” – maneira encontrada pela pirataria de inserir a propaganda em seu coquetel.

Essa estratégia pareceria tosca a qualquer observador sensato – mas o que é a sensatez diante da malandragem, num mundo que consegue transformar picaretagem em virtude? Um exército de formadores de opinião carimbando como falsidade e onda de ódio qualquer contestação à teoria do novo “fascismo” revoga qualquer ameaça de sensatez. É realmente difícil contrapor uma massa de propagadores amestrados, ornados com vistosa fantasia humanitária e adoçados com dinheiro fácil e farto. Mesmo assim o “fascismo” dos livres e democratas se impôs, e aí chegou o vírus.

O medo como pretexto para controlar os terrenos que a vaidade e a venalidade não tinham conquistado foi genial. Se a pirataria da ditadura emergente tivesse se imposto só no terreno material, não daria em nada. Mas a pirataria evoluiu para os valores civilizatórios e os espíritos – e foi um espetáculo exuberante a coletividade renunciando à vida para se enclausurar numa falsa ética, em casamento inédito do pavor com o cinismo.

Parabéns! Não seria possível quebrar as pernas de uma democracia sem operar o instrumento básico dela – o voto. Foi encantador ver a pirataria embaçando tudo, transformando a vontade do eleitor confinado em malotes voadores ao sabor da picaretagem diligente.

Não deixa de ser uma escolha. Vocês optaram pelo fingimento. Fingiram defender a liberdade enquanto a envenenavam. Fingiram mal, mas colou. Convivam com essa escolha para sempre. Quem prefere ser livre continuará buscando isso – mesmo sabendo que, com o êxito da tirania viral, a paz vai ficar mais difícil.

A PALAVRA DO EDITOR

O EDITOR NA MESA DO BAR

A Rádio Jornal, a maior audiência daqui do Recife e de todo o interior pernambucano, vai reprisar hoje, sábado, 7 de novembro, uma edição do programa Mesa de Bar que foi levado ao ar em janeiro de 2018.

Fui convidado pra participar pra participar daquela edição e tive como companheiros de mesa o grande artista Santana, o Cantador, e o Poeta Jessier Quirino, colunista deste JBF.

Dois amigos muito queridos e muito especiais.

Uma ironia da vida, eis que eu, numa mesa de bar, já estava em abstinência compulsória naquela época…

A reapresentação do programa, comandado pelo grande radialista Wagner Gomes, começa daqui a pouco, às 11 da manhã.

Quem quiser ouvir, é só clicar aqui .

Antecipadamente agradeço a audiência dos leitores fubânicos.

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

A PALAVRA DO EDITOR

GERAÇÃO DOS FONES DE OUVIDO

Um dos fascínios da vida, aqui de onde a vejo aos 75 anos, é a possibilidade de ouvir o que os jovens falam e o que alguns dizem aos jovens. Nessa tarefa instigante de ouvir, comparar e meditar, volta e meia me deparo com a afirmação de que os anos 60 e 70 produziram uma geração de jovens alienados. Milhões de brasileiros teriam sido politicamente castrados em virtude das restrições impostas pelos governos militares que regeram o Brasil naquele período. Opa, senhores! Estão falando da minha geração. Esse período eu vivi e as coisas não se passaram deste modo.

Bem ao contrário. Nós, os jovens daquelas décadas, éramos politizados dos sapatos às cabeleiras. Ou se era comunista ou se lutava contra o comunismo. Os muitos centros de representação de alunos eram disputados palmo a palmo. Alienados, nós? A alienação sequer era tolerada na minha geração! Todo santo ano, o DCE da UFRGS comemorava como data nacional o aniversário da Revolução de Outubro (revolução bolchevique de 1917). Havia passeata por qualquer coisa, em protesto por tudo e por nada, e o desfile dos bixos da universidade era uma passeata com alegorias. Surgiu, inclusive, uma figura estapafúrdia – a greve “de apoio”, a greve “a favor”. É sim senhor. Os estudantes brasileiros dos anos 70 entravam em greve por motivos que iam da Guerra do Vietnã à solidariedade às reivindicações de trabalhadores. Havia movimentos políticos organizados e eles polarizavam as disputas pelo comando da representação estudantil.

O Colégio Júlio de Castilhos, público, onde tive a ventura de estudar durante os três anos finais do ensino médio, foi uma usina onde se forjaram importantes lideranças do Estado. As assembleias estudantis e os concursos de declamação e de retórica preparavam a rapaziada para as artes do debate político. Na universidade, posteriormente, ampliava-se o vigor das atuações. O que hoje seria impensável – uma corrida de jovens às bancas para comprar jornal – era o que acontecia a cada edição de O Pasquim, jornal de oposição ao regime, que passava de mão em mão até ficar imprestável.

Agora, leitor, compare o que descrevi acima com o que observa na atenção dos jovens de hoje às muitas pautas da política. Hum? E olhe que não estou falando de participação. Estou falando apenas de atenção, de tentativa de compreensão. Quase nada! As disputas pelo comando dos diretórios e centros acadêmicos, numa demonstração de absoluto desinteresse, mobilizam parcela ínfima dos alunos. Claro que há exceções nesse cenário de robotização. Mas o contraste que proporcionam permite ver o quanto é extensa a alienação política da nossa juventude num período em que as franquias democráticas estão disponíveis à vitalidade da dimensão cívica dos indivíduos.

Em meio às intoleráveis dificuldades impostas à liberdade de expressão nos anos 60 e 70, a juventude daquela época viveu um engajamento que hoje não se observa em quaisquer faixas etárias. Nada representa melhor a apatia política dominante entre a juventude brasileira do que os fones de ouvido.