Já tivemos um presidente que tentava explicar a política com metáforas futebolísticas. Muita gente gostava. Como o campeonato brasileiro acabou semana passada, pode ser um bom momento para explicar um pouco de economia, já que o futebol é um bom exemplo de livre mercado, ao contrário da economia brasileira, que é um exemplo excelente do horror que é o “capitalismo de compadres”. Vou comparar as duas abordagens em vários tópicos.
1 – EMPREENDER É CORRER RISCO
Todo time, antes do campeonato, investe. Alguns mais, alguns menos. Para alguns, o investimento dá certo, para outros não. Este ano, os investimentos do Flamengo deram muito certo. O Palmeiras também investiu certo, mas foi surpreendido por um concorrente melhor que ele. Alguns investiram bem errado, e colheram os resultados.
Se o futebol fosse gerido pelo governo, o campeão seria escolhido antes do campeonato começar (como a Oi, a JBS e o Eike Batista). O time escolhido receberia bilhões do BNDES e contrataria o Messi, o Cristiano Ronaldo e todos os jogadores do Liverpool. Os outros times teriam que se contentar em fazer papel de bobos, sabendo que não teriam nenhuma chance. Depois se descobriria que houve propina, haveria um escândalo, gente seria presa e alguns ficariam o resto da vida gritando “É golpe!”. O dinheiro do BNDES, esse não voltaria mais.
2 – CRESCIMENTO BASEADO EM CRÉDITO É ILUSÃO
O Cruzeiro entrou por esse caminho lá por 2013, 2014, quando foi bi-campeão. Começou a comprar jogadores famosos e pagar salários milionários, sem ter receita para isso. A dívida foi crescendo, mas os cruzeirenses fingiam que estava tudo bem. O importante é ser campeão! Um dia a dívida fica grande demais, o crédito acaba, os salários atrasam, os jogadores ficam putos e o time é rebaixado. Aconteceu com muita gente, e normalmente acontece de surpresa: por um tempo tudo parece ótimo; quando piora, piora mais rápido do que todo mundo esperava, e parece que não vai parar de piorar nunca (é só perguntar para os venezuelanos).
Quando é com o governo, as coisas às vezes demoram décadas. Delfim Netto disse no tempo em que era ministro: “dívida não se paga, se rola”. O Brasil já deve mais de quatro trilhões: cada brasileiro já nasce devendo vinte mil. De vez em quando enfrentamos um “rebaixamento” (Plano Cruzado, Plano Collor, Crise da Ásia, Crise do sub-prime, Crise da Dilma…), e penamos um pouco para voltar para a primeira divisão.
3 – O QUE INTERESSA É A PREFERÊNCIA DO CONSUMIDOR
Tudo bem que a Globo manda bastante no futebol brasileiro, mas ela não pode ir contra o mercado: se ela dá mais dinheiro para o Flamengo e para o Corinthians, é porque é isso que seus telespectadores (ô palavra feia!) querem. Se ela só passasse os jogos do Avaí e do CSA, a audiência ia aumentar em Florianópolis e Maceió, mas ia cair no resto do Brasil; cedo ou tarde ela teria que mudar de idéia. Ou seja: o Flamengo têm a maior torcida, e os outros times que se virem para correr atrás do prejuízo.
O governo têm algumas vantagens: uma das mais importantes é que ele manda na educação, e portanto todas as escolas são obrigadas a seguir um programa onde se ensina desde o pré-primário que o governo é bom, o governo nos ajuda, o governo é necessário, não podemos viver sem o governo. Ou seja, um monte de gente é “torcedor” do governo por conta da lavagem cerebral que sofreu na infância. Outra diferença: o Flamengo não pode tirar dinheiro à força de seus torcedores, mas o governo pode tirar dinheiro à força de todo mundo, não importa se estão gostando ou não.
4 – O CONSUMIDOR QUER RESULTADOS
Completando o ítem acima: se um time só faz bobagem e está sempre na lanterna, alguns torcedores desistem. Não todos, claro, mas com o tempo a tendência é minguar. Nos anos 50, o América era um time tão conhecido como o Flamengo no Rio de Janeiro. Quem lembra do América hoje?
Já o governo não se preocupa tanto, porque o que ele oferece é obrigatório: você têm que pagar imposto porque o governo “dá saúde e educação”. Se você acha que o atendimento do SUS e a qualidade das escolas públicas são uma porcaria e não valem o que você paga, azar o seu, porque ninguém no governo está preocupado com a sua opinião.
5 – NEGÓCIOS VOLUNTÁRIOS SÃO BONS PARA TODOS
O técnico do Santos quer sair do Santos. O técnico do CSA foi para o Ceará. O Corinthians quer contratar o Michael do Goiás. O Cruzeiro que demitir o Thiago Neves. O Gabigol ainda não sabe se fica no Flamengo ou vai jogar na Europa. Isso se chama mercado: as partes negociam, chegam a um acordo e fecham o negócio, o que significa que ambos os lados acham que o acordo é bom. Se mudarem de idéia, voltam a negociar (mas têm que cumprir o contrato!). Nada é definitivo: o jogador que parecia ser um craque ano passado pode ser um perna-de-pau hoje. Claro que alguns ganham mais e outros ganham menos, porque cada ser humano é único em suas qualidades e defeitos, e não há fórmula matemática que possa determinar qual o valor “justo” ou “injusto” para alguém pagar e alguém receber.
Como o governo não “disputa” com ninguém, não têm parâmetros de comparação. Por isso políticos têm trocentos assessores, juízes ganham montanhas de “benefícios”, funcionários públicos têm emprego garantido sem produzir nada. Não há como medir se a criação de uma secretaria ou de uma estatal traz um retorno positivo – na verdade, isso nem passa pela cabeça dos políticos. Secretarias e estatais são criadas apenas para criar cargos e despesas e dar mais poder aos políticos.
6 – QUANTO MAIS ACESSO AO MERCADO, MELHOR
O Flamengo montou um time magnífico e conquistou dois títulos importantes porque trouxe um técnico de Portugal, contratou vários jogadores de outros times brasileiros e outros tantos de times da Europa. Nenhum trouxe um papel garantindo gols ou vitórias. Cada contratação foi uma “aposta”, um negócio realizado com a esperança de obter bons resultados, e esta esperança se baseia na competência das pessoas responsáveis pela escolha.
Se o governo controlasse o futebol, seria muito diferente. Governos detestam quando as pessoas têm liberdade de escolha, e estão sempre criando regras e exigências para reduzir (ou se possível acabar) com essa liberdade. Em um futebol controlado pelo governo, haveria concursos públicos para contratar jogadores. Para se inscrever no concurso, seria necessário apresentar licenças, certificados, autorizações e diplomas, e cada um deles seria fornecido pelo governo ou por alguém “autorizado” pelo governo, sempre mediante pagamento. As provas seriam elaboradas por órgãos do governo, e as pessoas destes órgãos aproveitariam sua posição para criar empresas que oferecem cursos preparatórios, também muito bem cobrados. Depois das provas, uma complicada burocracia definiria o futuro de cada jogador, sempre deixando espaço para trocas de favores, jeitinhos, e todo tipo de acontecimentos inexplicáveis. Jogadores ruins ficariam no banco recebendo salários altíssimos, sem nenhuma explicação (mas todo mundo saberia o porquê). E naturalmente, contratar um técnico europeu seria proibido: teríamos uma reserva de mercado para técnicos brasileiros, porque no governo todo mundo acredita que o caminho do desenvolvimento é obrigar todos no país a pagar caro por produtos nacionais ruins.