Acordei esta manhã pensando que minha próxima coluna poderia ser sobre a Petrobrás, por causa da notícia sobre a privatização de algumas refinarias. Daí, depois do almoço, sentei ao computador para ver as novidades, e lá estava a bomba, literalmente: Duas instalações da Arábia Saudita atacadas por drones do Iêmen.
O Iêmen, para quem não sabe, está vivendo uma “guerra por procuração”, ou seja, é apenas o cenário de uma guerra que não é sua, mas de dois países inimigos. Igual à Coréia nos anos 50 e Vietnã nos 60/70, só que ao invés de EUA x URSS, temos Arábia Saudita x Irã. Claro que por trás da Arábia Saudita está os EUA, e a Rússia tem certa amizade com o Irã; no fundo é sempre a mesma coisa. A Arábia Saudita vinha bombardeando sistematicamente o Iêmen, que não tem um Exército ou Força Aérea regulares para se defender, e muito menos contra-atacar. Mas, como dizia meu avô, “rato acuado avança no gato”, e o grupo inimigo (os Houthis) apelou para a tecnologia: usou drones para atacar instalações de petróleo, que por sua natureza são expostas (e bastante inflamáveis).
A história agora é a seguinte: o mundo precisa de petróleo. Existem três tipos de países: os que precisam importar (a maioria), os mais ou menos auto-suficientes, que importam ou exportam pouco (o Brasil está entre estes), e os que mais interessam: os que tem sobra para exportar, que são poucos.
Um pouco menos da metade do petróleo que é produzido no mundo é consumido no próprio país que produziu; portanto, um pouco mais da metade é comercializada entre um país e outro, e a Arábia Saudita representa cerca de 15% disso. As primeiras notícias falam em uma perda de metade da produção saudita, o que dá cinco milhões de barris por dia. Algum país pode compensar esta perda? Sozinho, nenhum. Em conjunto? Irã, Iraque, Kuwait e Emirados Árabes Unidos produzem juntos menos de 13 milhões. A OPEP inteira produz 30 milhões, sendo 10 a própria Arábia Saudita. Para os outros compensarem, significaria todos aumentarem em 25% sua produção. Fora da OPEP, sobra a Rússia, que também não tem muito o que aumentar a curto prazo.
Se o tamanho da encrenca for esse mesmo, o que vai acontecer segunda-feira na abertura dos mercados será uma disparada no preço do petróleo. É inútil tentar apontar um lado certo e um lado errado (ou um lado “do bem” e um lado “do mal”). O que interessa é saber, e tentar se preparar, para as consequências:
– Os produtores dos EUA, que estavam sofrendo para pagar as contas, vão ficar felizes. O povo, por outro lado, não vai gostar nada do aumento.
– Trump vai tentar mudar de assunto, porque não tem o que fazer.
– A Rússia, segundo maior exportador do mundo, vai ficar muito feliz, e o Putin mais ainda.
– A Europa, que depende de importação, vai ficar assustada e os políticos vão correr para fazer discursos sobre sustentabilidade e energias renováveis.
– No Brasil, como a Petrobrás é uma caixa preta, pode acontecer qualquer coisa, inclusive nada (pelo menos a curto prazo).
– A China vai avisar discretamente a todos os envolvidos que no seu fornecimento de petróleo ninguém mexe, senão a coisa pode ficar feia.
– O Irã, que certamente tem algo a ver com o ataque, fica com a faca e o queijo na mão. Se os EUA inventarem mais sanções, e a produção do Irã cair, a coisa piora ainda mais. Na verdade, o Trump e o resto do mundo vão ter que pedir para os aiatolás colaborarem.
– Do restante dos árabes, quem deve se dar bem é o Iraque, que é o segundo maior produtor.
– A Arábia Saudita não tem muito o que fazer, já que está vulnerável a novos ataques. Se a produção demorar para retornar, o governo terá sérios problemas, já que a venda de petróleo paga praticamente todas as contas do país.
– O Iêmen provavelmente continuará na miséria e com os dois lados inimigos continuando a se atacar.
Para o povo, as consequências óbvias serão: gasolina mais cara, mercadorias em geral mais caras por causa do frete, e algumas mercadorias também mais caras dependendo do quanto a energia pesa na sua produção (exemplo: produtores de soja e milho dependem de diesel para arar, plantar, adubar, colher e transportar; idem para cana-de-açúcar, então o álcool acaba subindo também).
O que dá para aprender disso tudo? Para o mundo em geral, o choque de descobrir que algo essencial como abastecer o carro, que muita gente acha tão simples e garantido, na verdade depende de uma infra-estrutura incrivelmente complexa e frágil.
Para nós brasileiros será uma excelente chance de descobrir que governo, congresso, leis e “vontade política” não substituem o mundo real; se faltar petróleo, todos os setores da economia serão afetados, desde alimentos até smartphones, e nenhum discurso do Paulo Guedes ou do Bolsonaro vai mudar isso. Se os combustíveis subirem (provável), todos os preços vão ser afetados em maior ou menor grau, e pode demorar um pouco até tudo se acomodar. E se os caminhoneiros ameaçarem greve, será a prova de que nós, como nação, não aprendemos nada.