Você já ouviu falar da Alemanha? E você lembra que entre 1945 e 1989 existiam duas Alemanhas, a “ocidental” e a “oriental”? Bem embora ambas fossem habitadas pelo mesmo povo, falassem a mesma língua, compartilhassem o mesmo passado e a mesma cultura, elas eram bem diferentes.
Na Alemanha Ocidental, fabricava-se Mercedes, BMW, Porsche e Audi, nomes que até hoje povoam sonhos pelo mundo inteiro. Enquanto isso, ali ao lado, a Alemanha Oriental fabricava apenas um carro: o Trabant.
Para quem não conhece: o Trabant é um carro menor que um Fiat 147, com a carroceria feita de resina plástica. Tinha um motor dois tempos de 0,6 litros e 25 cv. Ficava longe de satisfazer as normas ocidentais sobre poluição e segurança (um exemplo: o tanque de combustível ficava junto do motor). Outra diferença importante: enquanto do lado ocidental um alemão podia entrar em uma loja e sair dirigindo seu carro, no lado oriental o Trabant tinha uma fila de espera de aproximadamente dez anos (você não leu errado: dez anos). Por isso, um Trabant usado valia o dobro, ou mais, do que um novo.
Qual a explicação? É simples: a Alemanha Ocidental era um país capitalista. Lá, pessoas podiam criar empresas e estas empresas podiam fabricar e vender produtos, obtendo lucro. Havendo várias empresas, as pessoas podiam escolher qual produto comprar, por isso as empresas se esforçavam para oferecer produtos melhores que a concorrência (entenda-se “melhor” no sentido de qualidade ou preço, ou ambos); a empresa que não oferecesse um bom produto, não conseguiria lucro. Como sabemos, a indústria alemã era tão competente que seus automóveis eram (e são) cobiçados no mundo inteiro.
Por outro lado, a Alemanha Oriental era um país socialista. Na economia socialista, as pessoas não podem almejar lucro: elas trabalham para o governo, e o governo paga quanto quer, já que não há alternativa. Como o salário não pode aumentar, não há nenhum incentivo para inovar ou mesmo para trabalhar com mais qualidade ou eficiência do que a média. O governo era o dono da única fábrica de automóveis, e não precisava agradar a ninguém: ou o consumidor comprava um Trabant, ou ficava sem nada. Por isso, o Trabant permaneceu praticamente igual de 1957 até 1989, e só parou de ser produzido porque a Alemanha Oriental deixou de existir.
A definição clássica diz que o socialismo é a “ausência de propriedade privada dos meios de produção”. Não é uma boa definição: diz apenas o que o socialismo não é. Faltou dizer o que é, e como funciona. Afinal, no socialismo os meios de produção continuam existindo. O importante não é definir de quem são, é definir quem os administra e controla.
Empresas como a Mercedes ou BMW têm literalmente milhares de donos, já que suas ações são negociadas em bolsa. Qualquer um pode ser dono de um pedaço delas. Não é a propriedade delas que importa. O que importa é que há presidentes, diretores e gerentes que tem responsabilidades definidas e incentivos claros: se trabalharem bem, podem ser promovidos e ganhar mais. Se trabalharem mal, podem ser demitidos.
Na fábrica da Trabant a história era outra. Todos ali eram empregados do governo. Ninguém tinha incentivos para produzir um carro melhor. O comportamento esperado dos funcionários não era inventar novidades que iam dar mais trabalho para todos: era acomodar-se à burocracia, cumprir as normas, não arranjar problemas e não mexer no que estava quieto (se você que me lê foi ou é funcionário público vai entender o que estou dizendo). Aliás, mesmo que um diretor qualquer tivesse a boa vontade de querer atender melhor o consumidor, como faria? Como ele poderia saber o que as outras pessoas preferem, sem o mecanismo do mercado para informar? Se houvesse um pouco de verba disponível para melhorar o Trabant, seria melhor colocar freios a disco ou marcador de gasolina? Na dúvida, o Trabant não tinha nem um nem outro.
Algum admirador do socialismo dirá que mostrei um capitalismo perfeito, mas que no mundo real existem injustiças, corrupção e todo tipo de defeitos. Concordo. O ser humano não é perfeito, ao contrário. Mas é o que temos. O capitalismo não foi feito para anjos, foi feito para humanos imperfeitos. Por isso mesmo, fornece os mecanismos para se auto corrigir, concedendo a todos o poder de ser consumidores e de escolher. É exatamente por isso que o governo deve se manter afastado do mercado: não pode haver concorrência justa se um dos concorrentes é o dono do poder. Afinal, o governo também é formado por pessoas imperfeitas e sujeitas à tentação.
O socialismo, por outro lado, funcionaria bem com anjos. Porque, na ausência de incentivos e de mecanismos de correção, seu funcionamento depende de pessoas imunes a qualquer tipo de mau comportamento, e suficientemente altruístas para fazerem sempre o melhor sem esperar nada em troca. E é exatamente por depender de condições que no mundo real não existem, é que o socialismo é um sistema utópico.