MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Como todos sabem, o Brasil tem em sua história uma longa ditadura. Foram 15 anos, de 1930 a 1945. Começou disfarçada, como é usual, com promessas de nova constituição e de eleições próximas. Pouco a pouco, foram aparecendo o autoritarismo, a censura à imprensa, o desaparecimento de opositores, a repressão a qualquer idéia discordante. O ditador, todos sabem, era grande admirador do fascismo de Mussolini.

Encerrada a ditadura, o Brasil passou a decidir seus rumos através de eleições. Vamos passear um pouco pela história e relembrar as escolhas que fizemos.

– Nosso primeiro presidente após a ditadura Vargas foi um militar, o Marechal Eurico Dutra. O fato mais conhecido de seu mandato foi a proibição, numa canetada, dos cassinos e jogos de azar, levando muita gente à falência e ao desemprego.

– De forma provavelmente inédita no mundo, elegemos o ex-ditador que havia sido deposto cinco anos antes. Envolto pelo mar de lama, saiu da vida para entrar na história, suicidando-se com um tiro no coração.

– O próximo foi Juscelino Kubitschek. Assim como Quéops gravou seu nome na história construindo sua pirâmide, Juscelino construiu sua cidade. Para isso, quebrou a previdência, multiplicou a divida do país por cinco e aumentou a inflação. Para a classe média, crédito farto para comprar carro, TV e eletrodomésticos. Para os pobres, emprego farto nas fábricas que produziam os bens que a classe média comprava. Como sempre acontece com crescimento econômico baseado em crédito, a bolha estourou, mas seu mandato já havia acabado.

– Em 1960, elegemos Jânio Quadros. Em apenas sete meses, este doido tomou medidas importantes como proibir o biquíni e o lança-perfume, além de condecorar Che Guevara e receber agentes da KGB em Brasília para negociar uma aproximação com a União Soviética. Também mandou que o exército conquistasse a Guiana Francesa. Como não tinha apoio do congresso e por isso não conseguia governar, renunciou achando que o povo se mobilizaria para mantê-lo no poder. Não sabia ele que a única coisa capaz de provocar este grau de mobilização no povo brasileiro é o futebol.

– Seguem-se dois anos e meio de confusão sob o governo de João Goulart, e vinte e um anos de “ordem e progresso” (a ordem mantida à força, e o progresso, bancado por endividamento e inflação) sob uma nova ditadura, desta vez chefiada por militares.

– A ditadura entregou o poder para Tancredo, mas quem levou foi José Sarney. Veio uma nova constituição, a pior de nossa história, e cinco anos de uma corrupção e um desgoverno tão toscos que chegam a ser engraçados – menos para quem sofreu suas consequências, lógico.

– Primeiro presidente eleito pelo povo depois de trinta anos: Fernando Collor. Mais corrupção, mais incompetência, mais desgoverno. Queria governar sem o congresso, como Jânio, mas não tentou o golpe da renúncia. Afundou no mar de lama, mas não se suicidou como Getúlio, desperdiçando a chance de entrar para história como herói, como este (e Tiradentes – nosso país adora heróis perdedores).

– Próximo presidente: Fernando Henrique, o garboso. Embora tenha sido abertamente de esquerda durante toda sua vida, o PT, derrotado na eleição, passou a afirmar que ele era de direita – para o PT, tudo que não seja o PT é direita. Como nossa imprensa repete tudo que o PT fala, FHC e seu partido (que tem social-democrata no nome) passaram a ser considerados “direita”. A maior qualidade dos dois governos de Fernando Henrique foi não estragar muito a economia, que havia recebido um conserto importante com o plano real. A corrupção continuou aumentando, a qualidade do ensino continuou caindo, a balbúrdia institucional criada pela constituição de 88 continuou aumentando.

– Próximo: Lula, o divino. Dono de uma sorte invejável, Lula herdou o trono quando a crise da Ásia já havia passado, a China estava no auge de seu impulso desenvolvimentista e o mau governo de George W. Bush nos EUA enfraquecia o dólar. Tudo isto somado colocou o Brasil em um surto de prosperidade que foi, naturalmente, desperdiçado. A dívida foi multiplicada por cinco, como fez Juscelino. A corrupção continuou aumentando, agora mais rápido que no governo anterior. A qualidade do ensino começou a despencar, ao invés de apenas cair. A balbúrdia institucional superou a era Sarney.

– Próximo: Dilma, a inarticulada. Caso único de falta de lógica e raciocínio, não percebeu que os anos de bonança internacional que beneficiaram Lula já haviam passado. Como achava que entendia de economia, tomou uma série de medidas que colocaram o Brasil na pior recessão de sua história. Levou cartão vermelho por incompetência e vive, ao que parece, do rachid dos oito assessores que tem à sua disposição.

A situação atual: A recessão da era Dilma talvez esteja terminando, ou talvez esteja se agravando novamente. A corrupção nunca foi tão grande nem tão bem amparada, com um amplo time de defensores no Congresso, no Supremo, no Ministério Público e em vários outros órgãos públicos. A situação do ensino atingiu um novo marco: não são apenas os alunos que são analfabetos funcionais, mas os professores também. As instituições praticamente não existem mais, exceto para defender seus próprios interesses. O governo não governa, o legislativo não legisla, o judiciário não faz justiça: os três poderes se dedicam unicamente à política e à disputa por poder.

O presidente? No momento, parece seguir os passos de Jânio Quadros e Fernando Collor. Não tem apoio no Congresso e aparenta não saber como consegui-lo. Gostaria de mandar sozinho e impor suas decisões, mas não tem força para isso. Ao invés de se dedicar aos grandes problemas, aumenta a confusão com polêmicas inúteis sobre porte de arma, hino nacional nas escolas e crianças vestidas de azul ou rosa. É adorado por uma parte da população e odiado por outra parte. Uma terceira parte, cada vez maior, se preocupa com o futuro: teremos outro Jânio (renunciando), outro Collor (sendo destituído) ou outro Sarney (arrastando-se até o final do mandato para entregar ao sucessor um país em frangalhos)?

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