MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

A rua que eu mais uso para ir da minha casa ao centro da cidade tinha duas lombadas quando eu me mudei, vinte anos atrás. Hoje tem nove.

A rua onde ficava minha microempresa também tinha duas lombadas no caminho até o centro. Hoje tem dez.

O presidente quer acabar com os radares. O povo esbraveja nas redes sociais, afirmando que sem fiscalização e punição, os motoristas serão irresponsáveis e imprudentes.

Permitir a posse de armas, então nem pensar. De posse de uma arma, os brasileiros vão sair pelas ruas matando-se uns aos outros, dizem.

Na opinião de muitos, sobre alguns assuntos não se pode sequer falar: não temos maturidade para discutir coisas como legalização de drogas ou de cassinos.

Quando penso em tudo isso, apenas uma coisa me vem à cabeça: Não deveríamos, como sociedade, andar para a frente? Não deveríamos, já que recebemos tanta coisa pronta de nossos antepassados (e bem sabem eles a trabalheira que deu), partir daquele ponto para melhor? Não deveríamos, já que temos mais recursos, mais facilidades, mais tecnologia, tornarmo-nos melhores, mais civilizados, mais responsáveis, mais adultos? Não deveríamos, por uma simples questão de respeito ao trabalho que nossos pais e avós tiveram em deixar um mundo melhor para nós, seguir seus padrões de ética, de moralidade, de respeito, de decência?

Mal completei cinquenta anos, mas sinto-me um velho centenário quando penso que em minha infância, as pessoas adultas dirigiam carros de forma responsável, não por medo de multa, mas porque era o certo a fazer (e mesmo com os automóveis menos sofisticados de então, os acidentes eram poucos). Da mesma forma, era normal que os homens adultos (como meu pai) tivessem em casa uma arma, que serviria para defender sua família em caso de necessidade, e isso não significava mais crimes, pelo contrário. Não se passaram milênios, mas apenas algumas décadas, desde o tempo em que aprendi na escola que os deveres vem antes dos direitos e que deve-se fazer o certo porque é o certo, não apenas por medo de punição.

O que aconteceu para que os adultos de hoje não sejam capazes de agir como os de ontem? Como nos tornamos uma civilização de crianças grandes, que sabem apenas exigir, aos berros, seus brinquedos e sua mamadeira? Como abandonamos a idéia de que ser adulto implica ter responsabilidades e deveres?

Como aceitamos ser uma sociedade que diz de si mesma: “Somos imaturos! Necessitamos ser vigiados e controlados! Não sabemos nos comportar! Alguém deve tomar decisões por nós!”

Falhamos como civilização?

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