MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

A economia é uma ciência estranha. Seu campo é analisar o comportamento das pessoas, e o senso comum diz que o comportamento humano é imprevisível. Isso não impede que as faculdades de economia passem anos mostrando aos alunos um amontoado de fórmulas que supostamente permitem prever todos os parâmetros econômicos de uma sociedade.

Esse mito é tão forte que eu me assustei essa semana ao ler, em um site de economia, a seguinte afirmação:

“Um dos maiores consensos no final do ano passado era de que o mundo entraria em uma recessão em 2023. Essa contração da economia começaria pela Europa, e depois se alastraria para os EUA e outros países. [..] O consenso é tão forte que, pela primeira vez na história, os economistas estavam prevendo uma recessão antes de ocorrer. Ora, quem olha os dados passados sabe que, em geral, as projeções de uma recessão acontecem durante, ou até após, o início dela. “

Como é? Um economista, em um site de economia, admitindo que até hoje os economistas nunca conseguiram prever uma recessão? De onde veio esse sincericídio?

A humilde (mas não muito) opinião deste pitaqueiro é que a ciência econômica hoje está em algum lugar entre a teologia e a astrologia. Explico:

Assim como os astrólogos, os economistas fazem cálculos complicados e “mapas astrais” cheios de detalhes, mas baseados em premissas completamente arbitrárias. Pode-se determinar com absoluta precisão que no momento em que uma determinada pessoa nasceu, Mercúrio estava retrógrado em relação à constelação de Capricórnio; isto é matematicamente exato. Tirar daí uma conclusão sobre o futuro da pessoa é algo completamente diferente. Da mesma forma, economistas, especialmente os que trabalham para o governo, passam a vida coletando dados e somando-os em planilhas complicadas, sem chegar à conclusão alguma, exceto talvez prever uma recessão depois que ela já está ocorrendo.

Em comum com a teologia, a economia adota o hábito de tomar como premissas aquilo que deveria ser a conclusão. Ao invés de estudar quais os resultados das intervenções do governo, os economistas proclamam estes resultados como dogmas inquestionáveis e desenvolvem o raciocínio a partir daí. Entre estes dogmas estão “um pouco de inflação é bom”, “é preciso estimular o consumo”, “moeda desvalorizada é bom para a balança comercial”, “gastos do governo enriquecem o país” e por aí afora.

Com o apoio entusiasmado dos jornalistas econômicos (que têm como mantra “o governo sempre acerta”) e com os acadêmicos fornecendo os “argumentos de autoridade”, também conhecidos como “você sabe com quem está falando?”, o resultado da intervenção do governo na economia segue mais ou menos o seguinte padrão:

1 – A economia está indo bem, as pessoas estão trabalhando, não há grandes problemas à vista. Como alguns preços dependem de fatores incontroláveis, como o clima no caso dos alimentos, existem oscilações de preço. O mecanismo do mercado “absorve” estas oscilações, de forma que o impacto geral é pequeno.

2 – Como tudo está bem, o governo resolve se meter para “estimular a economia”, usando seu poder para fabricar dinheiro do nada. O dinheiro vai parar nos bancos. Os bancos usam esse dinheiro que ganharam sem custo para conceder empréstimos e ganhar mais dinheiro.

3 – Com o crédito fácil, a população começa a se endividar para consumir. À medida em que o dinheiro criado se espalha pela economia, a lei da oferta e procura entra em ação e o valor do dinheiro cai, o que significa que os preços sobem. O aumento súbito do consumo também ajuda a empurrar os preços para cima.

4A – Em países onde o governo é irresponsável, o governo reage ao aumento de preços fabricando ainda mais dinheiro. Isso inicia um círculo vicioso que acaba em hiperinflação. Nota: alguns economistas chegam a ter a cara-de-pau de dizer que hiperinflação não é culpa do governo, mas até hoje nenhum deles foi capaz de citar um caso sequer de hiperinflação que não tenha sido precedida por um aumento na fabricação de dinheiro (em economês: expansão monetária).

4B – Se o governo é um pouco mais responsável, ele percebe a burrada e reduz a fabricação de dinheiro, e em muitos casos aumenta a taxa de juros para “esfriar a economia”. O resultado é que as pessoas ficam endividadas e com menos dinheiro; os preços permanecem altos. A economia entra em recessão. As pessoas apertam o cinto para pagar as dívidas contraídas na época da farra, as empresas que investiram para aumentar a produção vêem o investimento não dar retorno, o governo começa a apontar culpados: a chuva, a falta de chuva, o calor, o frio, os especuladores, os produtores, algum país estrangeiro, qualquer um, menos ele mesmo.

5 – Se nesse ponto o governo não fizer mais nada, aos poucos as coisas voltam ao lugar, embora geralmente em uma situação um pouco pior do que antes. Os preços se estabilizam, as pessoas pagam suas dívidas e voltam a consumir, oferta e demanda voltam a se equilibrar. Voltamos ao ítem 1. Se o governo insistir em querer “consertar” a economia, podemos esperar medidas cada vez mais irracionais e um caos cada vez maior. Exemplos clássicos: a depressão de 1921 nos EUA foi do primeiro tipo. Houve um ano ruim, e depois a economia voltou a crescer. Já a depressão de 1929 foi do segundo tipo: o governo se meteu em tudo que podia, e como resultado a crise durou quinze anos.

6 – Sempre existe o perigo dos políticos ficarem com medo do resultado das eleições e passarem direto do estágio 5 para o 2, sem que a economia tenha realmente se recuperado da crise. A tendência então é o país entrar numa espécie de montanha-russa de subidas e descidas, com o governo tomando medidas para um lado e para o outro tentando “estabilizar” a economia, mas conseguindo apenas agravar a situação. É que os políticos, que não entendem nada de economia, tomam decisões se baseando no que dizem os jornalistas, que não apenas não entendem mas acreditam em coisas que são opostas à realidade.

Passando da teoria para a prática, como o mundo está neste momento?

A crise da COVID foi uma das maiores de toda a história econômica do ocidente. Pessoas foram proibidas de trabalhar, empresas foram fechadas à força. Os mesmos governos que fizeram isso fabricaram dinheiro em escala nunca vista, acreditando que uma coisa compensaria a outra. O resultado, naturalmente, foi inflação. Os países desenvolvidos têm muito medo de inflação e ficam apavorados quando ela chega, embora nunca entendam porque ela apareceu. Quando os números começaram a ficar altos, os bancos centrais cortaram a fabricação de dinheiro.

O gráfico abaixo mostra a variação na quantidade de dinheiro na economia dos países membros da OCDE, mas não em valores nominais, como é comum, mas em termos de poder de compra. Ou seja, um número positivo indica que o dinheiro está valendo mais, um número negativo indica que o dinheiro está valendo menos. Vejamos:

O gráfico abrange 42 anos, começando em 1980. Até 2021, o índice variava entre 2 e 6% ao ano, com picos chegando a 12% em 1986 e 8% em 1999, 2001 e 2008. O que aconteceu nos últimos dois anos? Um aumento anual de 18% em 2021 seguido de uma redução de 7% em 2022. Em economia, ver números completamente diferentes do usual geralmente não é uma boa coisa.

O aumento inédito em 2021 é fruto de uma enorme emissão de dinheiro, da ordem de trilhões, feita pelos EUA e UE. Quando os preços começaram a subir, a emissão parou, o que causou o também inédito repique negativo no ano seguinte. Em termos práticos, as pessoas estão com menos dinheiro e este dinheiro está valendo menos. Em termos mais práticos ainda, recessão.

A história econômica mostra que em casos assim, o melhor que um governo pode fazer é não fazer nada, e esperar os preços se estabilizarem. É doloroso, mas funciona. Infelizmente, políticos sempre querem mostrar que estão “fazendo alguma coisa”, e as chances são de que novas bobagens venham a piorar ainda mais a situação, provavelmente caindo na montanha-russa do estágio 6 lá de cima.

Coisas que complicam a situação para a Europa:

– O caríssimo “estado de bem-estar social” exige gastos cada vez maiores, especialmente nos famosos “saúde e educação”, e nenhum político tem coragem de tocar no assunto.

– A guerra na Ucrânia bagunçou o mercado de energia, que já estava precário por conta de políticas eleitoreiras e demagógicas. No ano passado a União Européia gastou quase UM TRILHÃO de euros em subsídios a combustíveis e energia elétrica.
– A produtividade da população vem caindo, com as novas gerações preferindo viver de ajuda do governo ao invés de entrar no mercado de trabalho.

Concluindo, a Europa de hoje é um cenário pronto para fazer parte dos futuros livros-texto das faculdades de economia. Resta saber que rumos os políticos irão tomar neste ano que começa.

4 pensou em “ECONOMIA

  1. Eita que fazer previsão de uma recessão econômica durante ou após sua ocorrência é coisa de economista idiota. Aí até eu.

    Prever, ver antecipadamente. Pelo menos eu acho que é isso.

    Inflação não é aumento de preço e sim descontrole fiscal.

    Roberto Campos está certo em segurar a taxa de juros lá em cima, pois a expectativa é que os gastos do governo estão e estarão fora de controle em curto prazo.

    Quanto ao mercado de energia na Europa, este está refletindo as decisões equivocadas da Alemanha de fechar suas usinas nucleares para se entregar aos russos.

  2. Sugiro que você estude economia. Um dos melhores livros de economia, Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado, não tem uma fórmula sequer. Colocar a economia como astrologia ou algo que o valha é indício de uma miopia de conhecimento. É certo que há colegas que falam “economês” pra impressionar, assim como faz Miriam Leitão.
    Economia não é ciência exata e não existe modelo perfeito. Erra-se bastante porque as decisões do governo influenciam e não tem como captar isso. Economia é como neurologia: a gente só sabe o efeito depois de acontecer. Não conheço nenhum neurologista capaz de prever um AVC e pessoas, aparentemente, sãs são vítimas disso. Os modelos econômicos nos ajudam a entender relações entre variáveis. Há economistas, como eu que prezam em explicar os resultados dos modelos, não as fórmulas. É o que faço em econometria.

    • Assuero, esse pobre pitaqueiro não teve intenção de ofender ninguém ou de fazer acusações pessoais. Se você viu assim, peço desculpas.

      Quanto a “estudar economia”, é o que venho fazendo há uns vinte anos. Quando falo em estudar, quero dizer pensar por mim mesmo, olhar os fatos sem paixão, tentar entender todos os ângulos, filtrar ideologias e descobrir aquilo que faz sentido. Se sua sugestão se refere a frequentar uma faculdade e receber ordens sobre o que eu posso ou não posso pensar vindas de sumidades escoradas em seus títulos e seus cargos vitalícios, então dispenso. Me parece bastante óbvio que o ambiente acadêmico no Brasil está deteriorado, voltado apenas para si mesmo e para seus privilégios, além de bastante contaminado por ideologias políticas.

      Talvez pela pressa ou por estar com o sangue quente, vc não ajuda muito quando diz que “erra-se bastante porque as decisões do governo influenciam”. Para mim, é como um avião cair e um engenheiro aeronáutico dizer “o projeto do avião está certo, o problema é a gravidade”. Ora, um dos pontos que tentei criticar em meu pitaco é que toda a economia mainstream de hoje gira em torno do governo e das regulamentações do governo. E aí a economia não consegue “captar” o governo?

      Sua comparação com a neurologia também não me convence. Claro que não é possível prever individualmente um AVC, mas os médicos têm um conhecimento bastante razoável dos fatores de risco e dos comportamentos que influenciam esse risco. Bem diferente dos economistas que persistem no hábito de fazer afirmações que são desmentidas pelos fatos de forma escandalosa.

      Aliás, lembrei-me de uma reportagem que li sobre como a medicina nos EUA “forçou a barra” para sustentar uma tese sobre a relação entre açúcar, gordura e doenças cardíacas. Durante décadas pesquisas foram fraudadas, médicos foram caluniados e perseguidos, professores perderam cargos, livros foram banidos. Do outro lado, quem aderiu à “causa” ganhou cargos, notoriedade e muito dinheiro para publicar pesquisas que mostrassem os dados desejados. Quem estava no centro disso tudo? Os órgãos do governo juntamente com as universidades mais famosas. (https://piaui.folha.uol.com.br/materia/conspiracao-amarga/)

      Então, volto a dizer que não tive intenção de ofender ninguém, mas mantenho minhas palavras: a economia é uma ciência nobre, mas a economia que é praticada hoje não é ciência, é apenas bajulação de políticos – com poucas e honradas exceções.

      • “Talvez pela pressa ou por estar com o sangue quente, vc não ajuda muito quando diz…..”

        A frase acima não ajuda muito um debate de ideias inteligente, pois implica em um conceito ad hominem circunstatiae (quando a parcialidade da pessoa que propôs o argumento é posta em dúvida).

        Li os argumentos do Mestre Assuero e os entendi.

        Se o mesmo tinha razão sobre a questão do AVC não me vem ao caso, apenas entendi a comparação.

        Não entendi que o mesmo estava de sangue quente ou apressado.

        Acho que se deve debater ideias e não as pessoas com quem se debate.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *