DALINHA CATUNDA - EU ACHO É POUCO!

UMA GLOSA

Dalinha Catunda

Sou trocista e faço graça
Dos versos sou alquimista.

Mote desta colunista

Eu sei que o mundo não é
Só graça, só alegria,
Mas por nada eu perderia
No bom Deus a minha fé
E por isso estou de pé
Não sou mulher pessimista
Sou poeta cordelista
Não dou aval a desgraça
Sou trocista e faço graça
Dos versos sou alquimista.

JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

A ARTE DE QUEBRAR A CARA

José Paulo Cavalcanti Filho

Faz muito tempo. Em 1969, os militares pediram gentilmente (nem tanto) que não estudasse mais por aqui. E em nenhum outro lugar, se possível. Eram anos escuros, amigo leitor. Acabei indo para Harvard. Eles gostaram. Eu também. E seguiu a vida. Já em Cambridge, vi notícia de conferência no quadro de avisos – ainda não havia internet, então. Paul Samuelson, que viria a ser Nobel de Economia no ano seguinte, faria conferência sobre O que vai acontecer, pelo mundo, na década de 1970. Cheguei cedo. Ele falou sobre tudo. Mas nada sobre a América Latina. Nem para dizer que a volta da democracia estaria próxima, por lá. Talvez por não acreditar nisso. Na fase das perguntas, levantei e disse, com toda a impertinência (lamentável) dos verdes anos: “Professor, quero lhe fazer um favor”. Quis saber qual era. “Se andar para o Sul vai ver que, depois do México, há muitos outros países. Trata-se da América Latina. E o senhor se esqueceu de nós”. Após o que sentei, orgulhoso. Sem me dar conta de que logo iria lamentar essa fala.

O velho professor, tranquilo, respondeu: “É que vim dizer apenas o que vai acontecer de importante na década de 70, meu jovem. E na América Latina, de relevante, não vai acontecer nada”. Risos gerais. Gargalhadas. Me encolhi na cadeira. Rezando para que os poucos amigos já feitos, ou companheiros de sala, não me vissem. Depois, condoído com meu abatimento, o professor veio vindo em minha direção e disse: “Gostei de sua pergunta”. Recuperando um pouco da autoestima, balbuciei: “E, eu, de sua resposta”. Mentira, claro.

Penso agora em nosso Brasil. E vejo que a arte de quebrar a cara talvez não seja privilégio só meu. A começar pelo ex-ministro Bebianno. Mas também lembro da mitologia grega. Onde nasceram lendas de filhos matando seus pais. Como Zeus, que matou Cronos. Ou Édipo, que matou Laio. E de Roma, com Brutus assassinando Cesar – kai su, teknon; assim, em grego, foram ditas suas últimas palavras (tu também, filho). No caso de nosso presidente, são logo três. Mais um primo (ou o que lá seja), Índio, participante já de 58 reuniões no Planalto (mesmo sem ter nenhum cargo). Como Os 3 Mosqueteiros, de Dumas (pai), que eram quatro. Tudo sugerindo que bom seria Bolsonaro mostrar logo, aos filhotes, o caminho de casa. Que, nessa pisada, o risco de ser ele o próximo a quebrar a cara vai ser grande.

VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

O TELEGRAMA

Violante Pimentel

Minha mãe me contou. Era um começo de noite em Nova-Cruz (RN), quando meu pai chegou do trabalho, trazendo um telegrama vindo de Natal.

À luz de candeeiro, ele leu o telegrama em voz alta, onde viu escrito: “PROFESSOR CELESTINO MORREU.”

Minha mãe, filha de Celestino Pimentel, tomou o telegrama, leu novamente, e gritou: Não foi meu pai que morreu!!! Aqui está escrito “PROFESSOR CLEMENTINO MORREU”.

Muito choro na sala, principalmente da minha avó Júlia, prima/irmã de Clementino Câmara e das tias que tinham estudado em Natal, na sua casa.

Sempre ouvi minha avó falar com muito carinho desse primo/irmão, que ficou órfão de pai aos dois anos de idade, e de mãe, aos nove. Apesar do pai ter sido senhor de engenho, dono de terras e escravos, depois de sua morte, a família passou sérias dificuldades.

Clementino Câmara Nasceu na Praia de Pipa, em Tibau do Sul (hoje, Município de Goianinha), a 17.01.1888

Dona Júlia, minha avó paterna, dizia que Clementino aprendeu a ler atrás da porta, ouvindo aulas particulares.

Ainda garoto, em Natal, começou a trabalhar como serralheiro e depois como operário de fábrica de tecidos (Patronos e Acadêmicos, V. II, p. 194 – Veríssimo de Melo).

Aos 17 anos, em Natal, matriculou-se num Externato, completando sua alfabetização..

Começou a ensinar aos próprios colegas de classe, que tinham mais dificuldade em aprender.

Aos 18 anos, ensinava particular nas residências e também na casa onde morava em Natal, na antiga Rua dos Tocos, cuja sala foi transformada em sala de aula.

Já casado, numa das aulas particulares, mandou para casa, por mau comportamento, o aluno JOÃO CAFÉ FILHO Motivo: Ao ser chamado à atenção, o aluno, muito insubordinado, deu “uma banana” à dona Hilda, esposa do professor. Na época em que não se dizia palavrão, esse gesto significava uma grande irreverência. Professor Clementino nunca imaginou, que, décadas depois, esse aluno insubordinado chegaria à Presidência da República do Brasil, como chegou (Café Filho foi presidente do Brasil entre 24 de agosto de 1954 e 8 de novembro de 1955. Filho de Presbítero da Igreja Presbiteriana, foi o único potiguar e o primeiro protestante a ocupar a Presidência da República do Brasil (junto com Ernesto Geisel).

Professor Clementino Câmara tornou-se autodidata, dedicando-se à leitura de jornais e se interessando pela História do Brasil e do Rio Grande do Norte.

Firmando-se como professor particular, fez boas amizades e conseguiu emprego num jornal da cidade, chegando a trabalhar como redator. Tempos depois, foi convidado para lecionar no Atheneu Norte-Rio-Grandense e posteriormente na Escola Normal, onde chegou a exercer o cargo de diretor. Sua disciplina era História e Geografia do Rio Grande do Norte.

Publicou as seguintes obras: “Revelações”, “Geografia e História do Rio Grande do Norte”, “Décadas”e “Romance do Atheneu”.

Clementino Câmara, além de professor, consciente das funções que exercia e da dedicação com que assumiu o magistério durante toda a sua vida, tinha dois posicionamentos não aceitos pela Igreja católica, nem pela forma de governo da época. Ele havia assumido sua função de intelectual, junto à Maçonaria e à Igreja Presbiteriana. Os dois posicionamentos se opunham aos princípios religiosos dominantes.

Pesquisou a linguagem popular e os costumes do povo do agreste, do campo e das praias, fazendo anotações, que se tornaram preciosas em sua vida literária. Transformou sua longa pesquisa em livro, ao qual deu o título de “GERINGONÇA DO NORDESTE.” (1937)

Esse livro merece uma especial atenção, pelo fato de ter sido censurado durante o Estado Novo. O livro buscava tratar a questão do estudo realizado por Clementino Câmara, sobre os termos falados pelas classes populares do sertão, agreste e praias do Nordeste. Na verdade, era um grande dicionário de gírias populares e que, por se tratar de um patrimônio intelectual da cultura potiguar, deveria ser publicado pelo governo do Estado, com base na lei estadual 145, que versava sobre o custeio de publicação de livros escritos por autores potiguares.
A recusa veio, então, pelo interventor Rafael Fernandes Gurjão, por meio do parecer emitido por uma comissão que julgara o livro como “ INADEQUADO E ATÉ PERIGOSO” para os jovens que porventura o lessem.

Por falta de sorte, o requerimento foi parar nas mãos do Cônego Amâncio Ramalho, Diretor do Departamento de Educação do Estado e guardião dos interesses do Estado Novo, em se tratando de política educacional. O trabalho foi jogado no Arquivo Público Estadual, como se fosse lixo.

Em 1986, conforme relata Geraldo Queiroz (op. cit., p. 17 a 21), localizou-se um processo no Arquivo Público Estadual datado de 4.10.1937, no qual Professor Clementino Câmara, invocando a lei estadual nº 145, de 6 de agosto de 1900, de incentivo à cultura, sancionada pelo então Governador Alberto Maranhão (V. “MARANHÃO, Alberto Frederico de Albuquerque”, Século XIX), solicita a publicação de um estudo sobre as classes populares do sertão, agreste e praias do Nordeste, onde colhera elementos para constituir um vocabulário típico e que, assim entendia, logo seria incorporado ao léxico. O Governador, à época Rafael Fernandes, que em pouco tempo seria Interventor, indeferiu o requerimento, face ao parecer contrário recebido. Entre outros argumentos, alegava-se o realismo de certas expressões que não podiam cair em mão de pessoas de pequena idade. (Na verdade, Dr. Edgar Barbosa, um dos Membros da Comissão, aprovara-o, reputando-o como ótimo glossário de modismos, dos mais completos que já se editaram no Brasil. Acompanhando-o, apenas sugerira a exclusão de alguns termos; o terceiro membro, Sr. Véscio Barreto, omitira-se e o Cônego Amâncio Ramalho, na condição de Diretor do Departamento Estadual de Educação, encaminhara a decisão).

Cinquenta anos depois, “post mortem”, ironicamente, seu trabalho seria reconhecido. Clementino Câmara, primeiro ocupante da Cadeira nº 19 da Academia Norte-rio-grandense de Letras, é nome de rua, de escola e de Loja Maçônica, em Natal. Faleceu, em Natal, a 18 de setembro de 1954. Levou para o túmulo essa mágoa.

Mas, se isso serve de consolo, cinquenta anos depois, seu trabalho foi encontrado no Arquivo Público Estadual, resgatado e estudado por um aluno de pós-graduação da UFRN, que o usou como tese. Após aprovação da tese pela Comissão Especial da UFRN, o livro do Professor Clementino Câmara, GERINGONÇA DO NORDESTE foi publicado, com o subtítulo A FALA POPULAR DO POVO, onde na capa figura apenas o nome do autor Geraldo Queiroz, e já está na 2ª Edição (Natal -2009).

PENINHA - DICA MUSICAL